30 Agosto 2013
Que mudanças o Papa Francisco tem guardadas para a Cúria e para a Igreja inteira? Dirigimos essa pergunta a dez renomados observadores.
A reportagem é de Vittoria Prisciandaro, publicada na revista Jesus, de agosto de 2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Num piscar de olhos, com punho de ferro acompanhado por um humilde "por favor", o Papa Francisco, crítico gentil, rasgou o véu dos privilégios e dos maus hábitos enraizados na comunidade eclesiástica. "O rei está nu", disseram aqueles que preferiram olhar para o outro lado para viverem tranquilos. "Finalmente", suspiraram muitos, quase incrédulos diante das novidades. "Atenção" , disseram aqueles que, na sombra da cúpula de São Pedro, hoje temem ficar enterrado sob os escombros.
É inegável que os gestos e o estilo de Francisco estão indo ao encontro das expectativas e das esperanças de uma grande massa de pessoas, dentro e fora da Igreja. E, ao mesmo tempo, a partir de pequenas distinções, boatos e impaciências mal disfarçadas, é evidente que o papa "que veio do fim do mundo" está suscitando maus humores não só em alguns políticos, mas também dentro dos Sagrados Palácios.
Em outubro, se reunirá pela primeira vez a Comissão dos oito sábios instituída por Jorge Mario Bergoglio para identificar os caminhos da renovação da Cúria Romana e da Igreja. À espera desse encontro, a revista Jesus perguntou a homens e mulheres que acompanham, compartilham ou simplesmente olham com atenção para a vida da Igreja de Roma quais deveriam ser as reformas mais urgentes a serem enfrentadas.
Colegialidade nas decisões; reforma do IOR e acesso ao episcopado; colaboração entre Igrejas locais e Roma; revisão dos ministérios; liberdade de pesquisa teológica; mudança de paradigma eclesial, finalmente alinhado com as indicações do Vaticano II: cada um dos entrevistados indicou a "sua" reforma.
Muitos estão em sintonia com um apelo que está circulando online, assinado por leigos e sacerdotes, que exigem a centralidade de uma "Igreja pobre para os pobres" e repropõem o chamado "Pacto das Catacumbas", assinado nas catacumbas de Domitilla no dia 16 de novembro 1965 por cerca de 40 Padres do Concílio Vaticano II, dentre os quais estava o bispo Hélder Câmara: "Um documento profético que, se vivido, poderia ajudar a Igreja a se tornar 'serva e pobre', segundo o Espírito de Jesus". Um texto que, provavelmente, o Papa Bergoglio também tem em mente.
Na última celebração eucarística em Santa Marta antes da pausa de verão, no dia 6 de julho, ele quis enviar justamente esta mensagem: "Não é preciso ter medo da renovação das estruturas. Na vida cristã, mesmo na vida da Igreja, há estruturas antigas, estruturas caducas: é necessário renová-las! Não é preciso temer a novidade que o Espírito Santo opera em nós!".
Publicamos aqui a opinião de Alberto Melloni, professor de história do cristianismo na Universidade de Reggio Emilia e secretário da Fundação para as Ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha.
Eis o texto.
O verdadeiro desafio: a reforma da nomeação dos bispos
O andamento das discussões do conclave depositou na agenda do novo papa uma série de questões de natureza diferente. Há as urgências finalmente pronunciadas com a liberdade e a confiança que haviam se apagado nos turvos momentos do fim do pontificado e aos quais Bento XVI só pôde responder com a renúncia ao ministério petrino.
Encontram-se as visões de Roma e da sua Cúria que mundos distantes leram no último e difícil triênio ratzingeriano como fonte de mesquinhez e traições. Há as expectativas dos cristãos, comprimidos por uma visão da Igreja como fortaleza sitiada por um mundo sombrio e perdido e que, finalmente, redescobrem a sua própria legitimidade e dignidade.
O modo pelo qual o Papa Francisco as colocará em ordem não é apenas "uma" das suas responsabilidades: ela "a" sua responsabilidade, porque a função primacial é, essencialmente, a de ordenar um exame segundo as prioridades que sejam úteis para a vida com referência ao Evangelho. No entanto, neste momento ordenador, parece ser mais necessário do que nunca uma distinção que também é uma perspectiva histórica: da qual emerja que o que é "urgente" não pode ser o único passo e que, ao contrário, o risco é justamente o de que a satisfação de soluções recompensatórias em curto prazo no plano moral ou midiático se revelem, depois, remendos em uma roupa esfarrapada.
A distinção é a que se refere aos objetos individuais de reformas muito aguardadas e vociferadas. De fato, é evidente que mais uma reforma da Cúria Romana é indispensável: como em todas as do passado, de Urbano II a João Paulo II, mesmo na primeira reforma do terceiro milênio o de pecunia tem uma dimensão essencial. Assim como em todas as do século XX, os nós de estilo são decisivos: e nisso o papa em pessoa dá um exemplo avassalador.
Depois, haverá a substituição dos homens, que são aqueles sobre cujas pernas caminham vícios e virtudes. E, não por último, deverá ser calibrada uma reforma de estruturas e procedimentos que devem ser simplificados, reduzindo dimensões e poderes ao mínimo indispensável: assim como para o poder temporal Pio XI falava daquele mínimo de corpo necessário para conter a alma da Santa Sé, assim também a Cúria deve ser mudada de elefante rebelde a um manso asno capaz de prestar serviço ao sucessor de Pedro.
Totalmente diferente é a reforma da Igreja: que certamente é difícil pensar que poderá prescindir de algumas incisões e amputações sobre o corpo do poder executivo exercido por uma vila romana onde há bispos consagrados demais para lhes prestar homenagem, estrangeiros demais que sonham com um percurso que lhes evite o seu repatriamento, trabalhadores demais cuja dupla filiação (à Igreja e a um movimento, à Igreja e a uma corja) altera a própria fisiologia da máquina romana. Mas uma reforma da Igreja não é menos urgente.
O catolicismo que tem no Vaticano II a sua bússola pode perscrutá-la por anos: mas enquanto permanecer encalhado em uma visão hiperocidental da fé e sem um fôlego ecumênico audaz, essa bússola dirá para onde se deveria andar e não para onde se está indo. E nisso o primeiro passo é uma reflexão sobre a nomeação dos bispos.
De fato, reformar a Cúria, no sentido de melhorar os seus padrões éticos é fácil; resolver a questão do número de padres renunciando a ordenar apenas célibes que prometem o celibato perpétuo é, no fim, fácil; e fazer um órgão colegial, como o Papa Francisco demonstrou com os oito do Consilium ad gubernandam ecclesiam, é fácil, no fim das contas. O que é difícil é reformar o acesso ao episcopado.
As crises mais dramáticas – clamoroso foi o caso dos padres culpados de crimes de fundo sexual contra crianças, diante dos quais muitos bispos se comportaram com leveza criminal – demonstram que o mecanismo de seleção baseado em listas das Conferências Episcopais e investigações dos núncios só funciona onde o núncio está dotado de uma intuição e de um tato extraordinários: alguns núncios são assim, mas nem todos.
Além disso, quando as listas chegam a Roma, as coisas se complicam. Por costume recente (foi somente depois de Napoleão que as dioceses cedem os poderes de eleição dos bispos ao centro romano), as nomeações dos bispos são formalmente feitas "pelo papa": na realidade, a cota percentual de escolha direta do pontífice é ainda menor do que cinco séculos atrás, mas os órgãos que filtram as propostas dos bispos às nunciaturas, as investigações das nunciaturas enviadas para a Congregação dos Bispos e as escolhas da Congregação passadas para a mesa do papa agem em nome e por conta do pontífice.
Um mecanismo que não é equivocado em si mesmo, mas que mostra condições críticas evidentes no uso e nos resultados. Se alguém quisesse, por hipótese, fraudar o papa e a Igreja, bastaria que se aproveitasse de uma folga da nunciatura, orquestrasse uma investigação mínima, e assim conseguiria premiar uma corja, ao invés de descobrir quem é o Matias de plantão, chamado a fazer parte do colégio apostólico.
E se, por hipótese, um núncio decidisse não levar em conta o parecer de uma Conferência Episcopal mantida à devida distância do papa, esse núncio poderia criar bispos capazes de dividir uma Conferência. São casos que ocorreram e que amanhã terão um impacto sobre um problema ainda mais complexo.
A queda quantitativa do clero celibatário reduz a margem de escolha; e o fato de que o padre – aquele que no século XVI tinha uma formação de enorme duração – hoje decide a sua vida quando os seus coetâneos não iniciaram nem o seu primeiro casamento, nem o seu primeiro trabalho, fornece uma plateia mais estreita e com menos autoridade do que antigamente.
Escolher os bispos dentre esses números reduzidos e essas qualidades nem sempre excelsas é questão séria, urgente e muito difícil: não bastará uma homilia e nem mesmo um decreto. Seria preciso um grande Sínodo extraordinário preparado de uma maneira nova e com uma responsabilidade deliberativa que já se ative nas Igrejas e nas Conferências: porque o ministério apostólico é uma realidade homeopática na Igreja. Quando ele se torna o "dano" da Igreja, é então que podemos esperar, por graça, que ele se torne o seu remédio.
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Rumo a uma época de reformas? O verdadeiro desafio: a reforma da nomeação dos bispos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU