29 Julho 2013
Autor de vários livros sobre o Vaticano, o mais recente “Joseph Ratizinger, a crise de um Papado” , o jornalista Marco Politi, um dos vaticanistas mais respeitados de Roma, contesta quem diz que o Papa Francisco tem apenas um estilo diferente dos outros. Para ele, o argentino vai marcar o fim de uma era de Papas monárquico-imperialistas. Vozes críticas surgiram entre os laicos, e o Papa vai enfrentar fortes resistências no Vaticano com o tempo, prevê. “Não querem reconhecer a virada”, diz Politi.
A entrevista é de Debora Berlinck e publicada pelo jornal O Globo, 28-07-2013.
Eis a entrevista.
Quatro meses depois de eleito, em que este Papa é diferente?
Ele tem um aspecto comunicativo, carismático. É um homem que consegue transmitir aos crentes e não crentes a importância da fé, não como dogma ou doutrina, mas sim como modo de vida e valores caracterizados pela misericórdia, ternura, humanidade. É um Papa político. Na composição do conselho de oito cardeais (que vai propor uma reforma da Cúria Romana) ele escolheu todas as correntes da Igreja: tem progressista como Oscar Andrés Maradiaga (cardeal-arcebispo de Honduras), mas também o cardeal conservador George Pell, da Australia, e um centrista ligado à Ratzinger, como o cardeal Reinhard Marx (da Alemanha). O Papa poderá sempre justificar decisões dizendo: foram tomadas por todos.
Nesta busca de consenso, vai conseguir reformar a Cúria ?
Temos que ver quem será o Secretário de Estado (o homem que administra o Vaticano).
Tem candidato?
Os candidatos são os cardeais Giuseppe Bertello (presidente do governo da cidade do Vaticano), Fernando Filoni (prefeito da Congregação para Evangelização dos Povos) e Pietro Parolin, que pode até se tornar ministro das Relações Exteriores. Reorganizar a Cúria e fazer a reforma do banco do Vaticano é uma questão técnica. Não é difícil. O mais difícil e mais ambicioso vai ser reorganizar a Igreja globalmente como instituição. O Papa não quer mais uma Igreja monárquica-imperial, mas sim uma Igreja comunitária guiada colegialmente pelo Papa junto com os bispos. Para ele, acabou o tempo em que a Igreja é guiada por um imperador, um monarca absoluto.
Era o caso de Ratzinger?
Era o caso de todos os Papas. A estrutura da Igreja, independentemente da personalidade do Papa, sempre foi monárquica-imperial. Ao renunciar aos símbolos, como o manto e os sapatos vermelhos, e adotar a cruz de ferro, ele não faz gestos apenas populistas. É um gesto político.
O senhor está convencido de que ele é um Papa revolucionário?
Ele abriu uma revolução. Não sei como vai acabar, mas abriu o processo. Pode acabar como Franklin Roosevelt, que fez o New Deal (série de reformas econômicas depois da grande depressão dos anos 30), ou como a Perestroika (reforma que resultou na dissolução da União Soviética) de Mikhail Gorbatchev, que foi um fracasso. Porque haverá resistências. Ouvi alguém da Igreja romana dizendo a um amigo: “espero morrer católico” ou “espero que Francisco deixe ao sucessor a possibilidade de ainda ser Papa”. São comentários anônimos, mas muito duros.
Há resistência dentro do Vaticano?
Há uma resistência que ainda não se mostra publicamente e que até agora tem sido manifestada por vozes laicas e jornalistas. Acusam o Papa de pauperismo, populismo e demagogia. Os homens da Igreja estão calados, mas vamos assistir a fortes resistências.
Bergoglio tem a força para mudar?
Quando decapitou o comando do banco do Vaticano, ele demonstrou ser rápido na decisão, que tomou 48 horas logo após o escândalo Scarano.
Ele é diferente de Ratzinger, não?
É muito diferente de Ratzinger. Mas também de João Paulo II, que era humano como ele, mas era um imperador. Por isso digo: Bergoglio é um outro modelo da Igreja. Não se apresenta nunca como Papa ou imperador, se apresenta como Bispo de Roma e sacerdote. Na homilia, fala de pé, em vez de estar sentado no trono. Isso tem uma simbologia diferente. Karol Wojtyla não mudou a estrutura de monarquia absoluta do Papado. Numa entrevista à mim em 2004, Ratzinger disse que a Igreja no mundo moderno não podia ser governada de forma monárquica. Entendeu o problema como intelectual. Mas não tinha a força e o temperamento político para mudar.
Do ponto de vista dogmático e doutrinário, dizem que Bergoglio é igual aos outros, pois não haverá um Papa que aceitará casamento de homosexuais. O que o senhor diz sobre isso?
Em relação à doutrina, ele é totalmente tradicionalista. Mas já fez um mudança: não usa elementos doutrinários nas questões do aborto ou dos casais homosexuais como um instrumento de intervenção política. Ratzinger chamava a defesa da vida, da concepção, do casamento entre homem e mulher de “princípios não negociáveis”. Bergoglio continua contra o aborto e o matrimônio gay. Mas para ele isso é um elemento de convicção da fé, e não de luta ou interferência política. É uma mudança interessante.
Ratzinger era um intelectual de muitas publicações. Já Bergoglio quase não publicou. O que se pode dizer de sua visão de mundo?
De fato, não era conhecido fora da Argentina. Mas ele, que não era grande intelectual, teólogo ou pregador, mandou mensagens muito precisas sobre a relação entre cristianismo e sociedade desde o primeiro momento de sua eleição. Por trás de cada palavra sua, tem um código, uma mensagem. Eleito, disse “boa noite”. Significa que se colocou no mesmo nível de quem o escuta.
Por ser mais próximo das pessoas e mais político, é o Papa certo para este momento atual de protestos no Brasil e no mundo?
Bergoglio é o Papa não-Papa, que interpreta muito bem a situação de crise do mundo contemporâneo.
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'Bergoglio é outro modelo de Igreja', constata vaticanista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU