12 Julho 2013
Tentemos imaginar uma história completamente diferente na semana passada do papa. Uma história secreta, não confessada, não oficial. Às vezes um relato fantasioso se aproxima da verdade.
A reportagem é de Barbara Spinelli, publicada no jornal La Repubblica, 10-07-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Imaginemos, portanto, isto: que o Papa Francisco tenha aceitado assinar uma encíclica escrita quase por inteiro por Joseph Ratzinger, porque, de fato, ele não estava interessado na encíclica. Que o que lhe interessava, acima de tudo, o que o convocava era a viagem a Lampedusa, à beira daquele Mediterrâneo onde morreram, desde 1988, 19 mil migrantes em fuga da pobreza, das guerras, das torturas. Veremos outros dramas, com o Egito que mergulha no caos e no massacre.
Tão grave é o mal deste mundo, tão vastas as culpas dos indivíduos, dos seus Estados, até da Igreja, que se ocupar com a teologia de modo tradicional – com preceitos, verdades absolutas – pode parecer uma distração, se não uma incúria. Preenche-se um vazio para ocultá-lo. Enche-se o vazio com palavras doutorais, quando a emergência é outra: ir àquela ilha, símbolo das nossas hipocrisias e da nossa desonra. A teologia não faz chorar, e precisa-se de lágrimas acima de tudo, disse o pontífice. O mundo saiu dos eixos, 19 mil mortos são o escândalo que nenhum político grita, e o papa encontrou a palavra que o desnuda e o define: a globalização da indiferença.
É como se o papa dissesse (mas estamos imaginando): "Eu não escrevo encíclicas, por enquanto. Ou, melhor, proponho uma totalmente nova: fazendo-me testemunha e pastor que não teoriza, mas age. Eu vou aonde as lágrimas são substância do mundo". Como Ahab, o caçador da baleia branca em Moby Dick: sob o chapéu enfiado, cai no oceano uma lágrima sua. "Todo o Pacífico não continha tantas riquezas que valessem aquela mísera gota". Porque onde há teologia não há teofania: onde há ideologia fala-se de Deus, mas Deus não se manifesta.
Imaginemos que seja uma forma de exílio essa recusa a escrever encíclicas agora. Um "exilar-se permanecendo ali", explica Carlo Ossola em um artigo de fevereiro de 2012 no jornal Sole 24 Ore: uma peregrinatio in stabilitate, segundo os monges antigos. Uma "desocupação de espaços" para acolher o próximo sem que ele se torne um incômodo, disse uma vez Roland Barthes. É o que Jesus fez, ele que não escrevia tratados, mas andava por aí entre as pessoas "nas escuras ruas da cidade" (nas "periferias existenciais" evocadas em março pelo papa), como o Cristo contado por Dostoiévski, que volta para a terra e sai salvo da prisão do Grande Inquisidor de Sevilha.
Jesus não esculpe leis divinas sobre a pedra quando assiste ao processo da adúltera: urge frear um linchamento. Em um primeiro momento, ele se cala, se inclina para a terra e escreve na areia uma outra lei, que não se fixa, porque na areia o vento passa. O importante é que a sua palavra se encaminhe nas mentes, abrindo um vazio e fazendo silêncio ao redor. Dizem que não é teologia: na realidade, é teologia diferente.
Gianfranco Brunelli o explica muito bem em um artigo na revista Il Regno: existe um estilo cristão (o estilo de Jesus), não menos sofisticado, das doutrinas, e o papa o assume quando proclama: "O mundo de hoje tem tanta necessidade de testemunhas. Não tanto de mestres, mas de testemunhas. Não falar muito, mas falar com toda a vida" (18 de maio de 2013).
A Palavra é central no cristianismo e nas religiões do Livro. Não a palavra escrita doutamente. Mas sim aquela que fala ao outro: aos submersos, sofredores, aos "caros imigrantes muçulmanos", aos quais o papa deseja um Ramadã rico em "abundantes frutos espirituais", e para os muitos que, diante do sofrer, dizem no máximo "pobrezinho!" e, impassíveis, passam para o outro lado.
Francisco não passa para o outro lado, ao contrário, coloca a si mesmo entre os culpados da indiferença: "Muitos de nós, eu me incluo, estamos desorientados, não estamos mais atentos ao mundo em que vivemos, não cuidamos, não protegemos o que Deus criou para todos e não somos mais capazes sequer de protegermo-nos uns aos outros. (...) Nós nos acostumamos com o sofrimento do outro, ele não nos diz respeito, não é assunto nosso!".
A Igreja Romana é pecadora, assim como na Divina Comédia de Dante ela é responsável pelo mundo que saiu dos eixos, devastada pelo poder temporal. E culpados são os soberanos do Ocidente, que toleram as pobrezas extremas, e um Mediterrâneo fúnebre, e o imundo comércio de quem "explora a pobreza dos outros, fazendo dela uma fonte de renda".
Chegando a Lampedusa, o papa sorriu aos migrantes, mas, por outro lado, seu rosto estava absorto, a cabeça inclinada. Durante a missa, ele não passou por entre a multidão, para a troca de saudações. Não está com a cabeça inclinada quem edifica doutrinas, o olho fixo no crucifixo: portanto, mais sobre a morte de Jesus do que sobre a sua vida e as suas obras terrenas. Mantém a cabeça abaixada quem expia, ou está entristecido, ou simplesmente pensa e se cala como Jesus com a adúltera.
Sobre o que o papa pensa? Na homilia, ele diz. Desde que soube das muitas mortes no mar, o pensamento da tragédia se finca "como um espinho no coração, que traz sofrimento". Então, ele logo respondeu "sim" ao convite para visitar a ilha. A encíclica lhe era indiferente (imaginemos, novamente): "Eu senti que devia vir aqui hoje para rezar, para fazer um gesto de proximidade, mas também para despertar as nossas consciências, para que o que aconteceu não se repita". Por duas vezes ele disse o verbo – "que não se repita, por favor" –, como um mendicante que tem raiva por dentro e a segura.
Ele também pensou nas poucas palavras que Deus dirige à humanidade no Gênesis. Uma primeira vez ao homem que, recém-criado, peca: "Onde estás, Adão?". Depois ao primeiro fratricida: "Caim, onde está o teu irmão?". Nasceu daí uma "cadeia de erros, que é uma cadeia de morte". Daí a terceira pergunta do pontífice: "Quem de nós chorou por esse fato e por fatos como esse?" A conclusão à qual ele chega não é à que estamos habituados: nenhuma menção ao relativismo, ao niilismo, palavras europeias dos séculos passados. Essenciais são as lágrimas, a anestesia do coração.
"Somos uma sociedade que esqueceu a experiência do chorar, do padecer-com". Eis a globalização da indiferença: ela é terrível porque "nos tirou a capacidade de chorar". Porque se alimenta de políticas que geram caos e que o chamam de paz.
Tudo isso nós podemos imaginar, sem nos afastar demais da verdade. Dizem que um papa assim é apolítico, porque vai para as periferias existenciais detestadas pelos Grandes Inquisidores, e faz política quando poderia se instalar em uma encíclica. A irritação é máxima. Basta citar a reação de Cicchitto, arauto de Berlusconi: "Uma coisa é a pregação religiosa, outra é a gestão por parte do Estado de um fenômeno tão difícil como a imigração irregular". Coisas semelhantes diz o ministro grego do Interior (Nikos Dendias, homem de Samaras), brandindo os nazistas da Aurora Dourada.
O pecado da indiferença tem uma longa história na Europa. O escritor Herman Broch o chamou, narrando a Alemanha pré-hitleriana, de crime da indiferença: mais grave ainda do que o pecado de omissão, porque não é perseguível penalmente (no primeiro caso, há ao menos o crime de omissão de socorro). O indiferente não se acordou quando podia. "Ele não esteve atento ao mundo em que vivemos", diz o papa, "Não cuidamos e protegemos o que Deus criou para todos".
Quem defende o próprio bem-estar jogando ao mar os "homens demais" usa o cristianismo, mal disfarçando o racismo e mobilizando-se em torno da tríade "Deus, família, pátria tribal". E tem até, como Cicchitto, a ousadia de invocar a laicidade: que o Estado governe, e os papas escrevam encíclicas.
Desobediente, imperturbável, o papa rompe essa ordem embalsamada. Não é por acaso que o seu nome é Francisco. Sabemos que as pregações de Francisco mudaram o mundo.
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O crime da indiferença - Instituto Humanitas Unisinos - IHU