27 Junho 2013
“Eu, como batizado, não poderia deixar de dar a minha colaboração, ainda que isto me custe. Deus capacita a quem Ele chama. Mais do que nunca devemos e devo confiar nisso”, afirma o novo bispo de Pemba, em Moçambique.
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Nomeado para assumir a arquidiocese de Pemba, em Moçambique, no último dia 12 de junho de 2013, o padre Luiz Fernando Lisboa acentua que o continente africano “tem se destacado como lugar onde o cristianismo mais cresce. Há muita adesão à pessoa e à mensagem de Jesus”. Afastado do país há pouco mais de quatro anos, quando retornou ao Brasil, ele diz que muitos desafios pastorais o esperam na região. “Falta material logístico para o atendimento da população, especialmente carros para os padres atenderem suas paróquias com 80, 100, 120 comunidades, falta de material bíblico-catequético nas línguas locais (são cinco línguas na diocese, além do português que é a oficial). Há muitos outros desafios: diálogo ecumênico e inter-religioso (há grande número de muçulmanos), diálogo e convivência com as religiões tradicionais africanas, tomada de posição da Igreja frente ao desenvolvimento à custa da extração dos recursos naturais do país”, assinala na entrevista a seguir, concedida por e-mail.
Para Pe. Luiz Fernando Lisboa, a sociedade “precisa reencontrar-se com Deus”. “Deus continua o mesmo, mas o ser humano mudou muito por causa das múltiplas transformações pelas quais passou o mundo. No entanto, Moçambique continua sendo um país de missão na medida em que muitos ainda não conhecem Jesus Cristo e o seu poder transformador”, afirma.
Luiz Fernando Lisboa, Missionário Passionista, cursou Filosofia na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, licenciou-se em Sagrada Liturgia pela Faculdade de Nossa Senhora da Assunção da Arquidiocese de São Paulo, e em Teologia pelo Instituto Teológico de São Paulo. Ordenado sacerdote em 10 de dezembro de 1983, exerceu, entre outros, os cargos de diretor de seminaristas e vigário paroquial, superior, tesoureiro e vice-diretor de noviços. Foi também diretor dos estudantes de Teologia e assessor de formação, ministro e conselheiro provincial. Em Moçambique, foi pároco, superior, formador, vigário paroquial e assistente do Curso de Teologia para Leigos, na Diocese de Pemba. Dom Luiz Fernando Lisboa sucede o bispo Ernesto Maguengue, que apresentou a sua renúncia ao governo pastoral da Diocese de Pemba no passado dia 27 de outubro.
A Diocese de Pemba, criada em 1957, é sufragânea da Arquidiocese de Nampula, Moçambique, possui uma área de 82.625 km² e uma população de 836.000 habitantes, dos quais 578.798 são católicos.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Que razões teriam influenciado sua nomeação para bispo de Pemba, em Moçambique?
Foto: http://bit.ly/12pdM2H |
Luiz Fernando Lisboa – Acredito que a primeira razão foi o fato de conhecer um pouco a diocese, o fato de ter vivido e trabalhado lá como missionário por oito anos. Outras razões prefiro não mensurar porque não sei.
IHU On-Line – Qual é a realidade socioeconômica que o aguarda em Cabo Delgado?
Luiz Fernando Lisboa – Moçambique, como vários outros países africanos, é bastante pobre. O estado de Cabo Delgado (lá eles chamam de “província”), no extremo norte, fronteira com a Tanzânia, é a parte mais pobre do país. Embora esteja melhorando as condições de vida da população nos últimos anos, o povo ainda sofre muito com a falta de água, de energia, de atendimento adequado nas áreas da saúde e educação, entre outros.
IHU On-Line – Em termos de sua missão na diocese africana, quais são os maiores desafios que o aguardam?
Luiz Fernando Lisboa – Primeiramente, os desafios pastorais são muitos: poucos padres (apenas 27) para atender todo o estado; falta de material logístico para o atendimento da população, especialmente carros para os padres atenderem suas paróquias com 80, 100, 120 comunidades; falta de material bíblico-catequético nas línguas locais (são cinco línguas na diocese, além do português que é oficial). Há muitos outros desafios: diálogo ecumênico e inter-religioso (há grande número de muçulmanos), diálogo e convivência com as religiões tradicionais africanas, tomada de posição da Igreja frente ao desenvolvimento à custa da extração dos recursos naturais do país, etc.
IHU On-Line – Qual é a situação da Igreja em Moçambique hoje? Continua sendo um país de missão?
Luiz Fernando Lisboa – Penso que hoje todos os países são de missão porque a sociedade, como um todo, precisa reencontrar-se com Deus. Deus continua o mesmo, mas o ser humano mudou muito por causa das múltiplas transformações pelas quais passou o mundo. No entanto, Moçambique continua sendo um país de missão na medida em que muitos ainda não conhecem Jesus Cristo e o seu poder transformador. Ele mexe com a nossa estrutura, muda nossa vida. A África como um todo tem se destacado como lugar onde o cristianismo mais cresce. Há muita adesão à pessoa e à mensagem de Jesus.
IHU On-Line – Moçambique está na mira dos interesses de grandes corporações e projetos internacionais, entre as quais se encontram empresas brasileiras. Como vê essa atuação nesse país africano, especialmente o Programa ProSavana, que está sendo implantado em sua região norte?
Luiz Fernando Lisboa – Como estou afastado de Moçambique há quatro anos e meio, não conheço concretamente estes programas, mas sei deles. Quando saí de lá havia muitas conversas, as empresas faziam prospecções para descobrir se havia o que procuravam. Tenho consciência de que este será um dos grandes desafios. Qualquer desenvolvimento tem que ser sustentável, respeitoso com as culturas locais, justo no sentido de que quem deve ganhar mais é o povo e o país, dono do “produto”. Os bens da natureza não podem e nem devem ser usados de forma indevida, muito menos sem o respeito devido ao ser humano e ao ambiente.
IHU On-Line – Outro investimento polêmico em Moçambique é o da mineração, com atuação da Vale do Rio Doce. Como vê essa atuação?
Luiz Fernando Lisboa – Preciso me inteirar melhor acerca do assunto e das companhias brasileiras que trabalham lá. Com certeza, depois de estar lá conhecerei melhor a realidade e poderei opinar.
IHU On-Line – Você desenvolveu nos últimos anos sua atividade pastoral em uma paróquia popular situada na Região Metropolitana de Curitiba-PR, concretamente na cidade de Colombo. Quais eram suas prioridades?
Luiz Fernando Lisboa – Na Paróquia Santa Teresinha de Lisieux, padroeira das Missões. Esta paróquia é marcada pela missionaridade: é muito missionária nas suas atividades, investe muito na formação das lideranças, estimula e desafia os cristãos para os vários tipos de missão, procura maior inserção dos cristãos nas diversas instâncias de participação na sociedade (conselhos municipais, de direitos, na câmara...). Seu objetivo paroquial é assim expresso: “Ser uma Paróquia Missionária, que vá ao encontro das pessoas, das famílias e das realidades diversas, pelo testemunho e por ações concretas em defesa da vida plena para todos”.
IHU On-Line – Você investiu e incentivou vivamente a formação e a atuação político-cidadã. Por que essa insistência na formação de lideranças leigas cristãs e seu envolvimento no campo sociopolítico?
Luiz Fernando Lisboa – Colombo, assim como muitas outras cidades, estava acostumada a uma política pequena onde os políticos e políticas faziam o que bem entendiam sem dar satisfação à sociedade. O cidadão e a cidadã são “usados”, muitas vezes, como massa de manobra, como seres não pensantes, como seres descartáveis, necessários somente no momento do voto. A Igreja no Brasil há várias décadas ajuda os cristãos a terem uma postura diferente: cobrar atitude dos políticos, fazer com que prestem contas à sociedade acerca dos seus feitos ou desfeitos, enfim, conclama a que todos sejam cidadãos, participantes conscientes de todo o processo. Exigir respeito como cidadão é demasiadamente ofensivo aos políticos, sobretudo aos politiqueiros. Olhemos para as vozes das ruas neste momento histórico para nosso país: muitos estão reclamando de tudo, outros sobre aspectos focalizados, outros ainda não têm clareza do que reclamam, mas também têm o direito de manifestar sua insatisfação. Não podemos concordar com os desordeiros que cometem crimes e atrapalham as manifestações legítimas. O que estamos trabalhando na paróquia e na cidade, com nossa liderança, é exatamente isto: eles (e elas) devem participar das atividades da sociedade (conselhos municipais e de direitos), ajudar na formulação de políticas públicas de interesse, sobretudo dos mais pobres e vulneráveis; devem também acompanhar o trabalho do Legislativo e do Executivo, cobrando das autoridades qualquer tipo de desmando… Além disso, temos várias pastorais sociais que visam atender aos mais pobres e temos funcionando, pelo segundo ano, a Escola de Fé e Política que ajuda a dar esta consciência cidadã a todos e todas.
IHU On-Line – A partir da sua nova missão, como vê o pontificado do Papa Francisco?
Luiz Fernando Lisboa – O Papa Francisco tem surpreendido a Igreja e o mundo desde o primeiro momento de seu pontificado. Seus gestos e palavras estão falando alto e chegando aos corações. Ele tem chamado a atenção de todos os batizados para que assumam a sua missão de colaborar na construção do Reino pela construção de um mundo melhor, a ter atitudes concretas, a não ficar acomodado. Eu, como batizado, não poderia deixar de dar a minha colaboração, ainda que isto me custe. Deus capacita a quem Ele chama. Mais do que nunca devemos e devo confiar nisso.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Luiz Fernando Lisboa – Obrigado pela oportunidade. Desejo, de coração, que cada pessoa que ler esta entrevista sinta-se desafiado (e desafiada) a mudar, a descobrir seu potencial e colocá-lo a serviço dos outros. Àqueles que são cristãos fica o apelo para que assumamos o nosso batismo e sejamos continuadores da missão de Jesus, seu programa de vida, como podemos ver em Lc 4, 14-21.
Um abraço a todos e todas! Deus os/as abençoe!
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A sociedade precisa “reencontrar-se com Deus”. Entrevista especial com Luiz Fernando Lisboa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU