Por: Cesar Sanson | 02 Junho 2013
O Bolsa Família e sua força eleitoral causam preocupações ao governo e à oposição. Em suas manifestações no episódio da corrida de beneficiários às agências da Caixa Econômica, diante do boato de que o programa seria extinto, os dois lados cuidaram de deixar claro que não pretendem acabar com o programa. Não foi só isso, porém, que ficou exposto.
Os dois lados deram sinais de que já perceberam que o potencial eleitoral da transferência de renda declina. Isso afeta diretamente os planos políticos da presidente Dilma Rousseff, que, assim como ocorreu com Luiz Inácio Lula da Silva em 2006, chegou ao Planalto embalada em grande parte pelo sucesso do Bolsa Família. No PT, o presidente do partido, Rui Falcão, já admite que o programa já não é suficiente para, sozinho, reeleger Dilma. Do outro lado, o presidente do PSDB e provável candidato do partido à Presidência, senador Aécio Neves (MG), afirma que o programa precisa ir além da simples transferência de renda e abrir mais "portas de saída" para as famílias.
Em entrevista ao jornalista Roldão Arruda do jornal O Estado de S.Paulo, 02-06-2013, o cientista político Cesar Zucco, que se dedica a pesquisas sobre o impacto eleitoral de programas sociais, constata que é inegável o impacto dos programas de transferência de renda desde 2002. A cada ano, porém, essa força diminui. Ele também observa que o Bolsa Família beneficia - e muito - quem está no Palácio do Planalto, mas não espalha seus efeitos diretamente ao PT.
Eis a entrevista.
A forma como o governo e a oposição trataram a questão do Bolsa Família nos últimos dias indica o peso eleitoral do programa. A percepção está correta?
Os programas de transferência de renda tiveram impacto significativo nas três últimas eleições presidenciais. O curioso, porém, é que o efeito eleitoral está diminuindo a cada ano.
Acha que houve influência em 2002, no confronto entre José Serra e Luiz Inácio Lula da Silva? Antes do Bolsa Família?
Acabo de realizar um estudo, publicado na revista American Journal of Political Science, sobre essa questão do impacto eleitoral dos programas de transferência de renda, no qual incluí também a eleição de 2002. Afinal, naquela época já existiam os programas Bolsa Alimentação, que alcançava cerca de um milhão de famílias, e o Bolsa Escola, com cinco milhões. Algumas famílias eram beneficiárias dos dois programas. O resultado final do estudo sugere que esses programas já tiveram impacto eleitoral naquele ano. Serra, o candidato do governo, saiu-se muito melhor nas áreas com maior cobertura dos programas do que Lula.
E ninguém notou isso?
Não. Nem os jornalistas nem os cientistas sociais. Nunca se encomendou uma pesquisa a respeito. Imagino que, no caso de vitória de Serra, o assunto iria acabar despertando atenção. Apesar do desinteresse, porém, o efeito estava lá e se tornaria evidente em 2006, quando Lula, apesar do desgaste causado pelo mensalão, ganhou de lavada, e em 2010, com a eleição da Dilma. O que chama a atenção, de acordo com os números, é que em nenhuma dessas eleições o impacto eleitoral foi tão grande quanto em 2002. O efeito disso no cômputo geral, porém, foi pequeno devido ao reduzido número de beneficiários - era 1/4 do total que se encontraria na eleição de 2006.
Mas sua conclusão é a de que o efeito eleitoral está caindo?
Sim. A quantidade de votos no governo é cada vez menor. Um outro ponto relevante do estudo é que o Bolsa Família favorece o governo, mas não tem efeito relevante para o PT, não favorece as candidaturas do partido a cargos legislativos ou nas disputas pelas prefeituras. A transferência de renda beneficia o candidato do governo na eleição para o governo federal, independentemente do partido ao qual esteja filiado. O eleitor não faz uma ligação direta do benefício com o PT. Ele recompensa com o voto quem está no governo, porque recebe o benefício, porque sua vida melhorou, da mesma forma que ele age quando a economia vai bem, ele está empregado e pode consumir.
Se o governo mudasse de mão, o efeito continuaria. Quando você olha, porém, o efeito do programa na eleição para a Câmara Federal, verá que a distribuição dos votos é diferente, porque o programa não tem aqui o mesmo impacto que na eleição presidencial. Eu quero dizer que o Bolsa Família não está gerando onda de partidarização, de 'petização' dos beneficiários, de pobres com carteirinha do PT. Não temos um fenômeno semelhante ao que o peronismo causou na Argentina. O eleitor gosta do que o governo faz e vota no candidato que indica. Ele não vota no PT.
A que atribui isso?
O beneficiário não associa o Bolsa Família diretamente ao PT. Sabe-se que 88% deles têm conhecimento de que o responsável pelo programa não é o deputado, o prefeito nem o governador. Sabem que é o governo federal, o presidente quem paga o benefício. Outro fator que deve ser levado em consideração é que, no Brasil, desde a volta à democracia, as pessoas mais pobres sempre tenderam a votar no governo em maior proporção. Em outras palavras, pobres votam mais no governo do que os não pobres. Às vezes não é suficiente para eleger o candidato do governo, como no caso do Serra, em 2002. Mas a tendência é essa.
Por que o efeito eleitoral do Bolsa Família decai?
Existem duas ou três possibilidades. Uma delas é uma questão matemática: quanto maior o programa, menor o retorno marginal, como dizemos. Quando você tem 10% da população beneficiada e passa para 11%, a mudança é grande. Mas quando tem 35% e passa para 36%, o ganho marginal tende a decair. Se não fosse assim, você jogaria dinheiro para o resto da vida no Bolsa Família. Mas isso não acontece. Quase tudo no mundo social tem retornos decrescentes.
Qual seria outra possibilidade?
A mais interessante, embora seja uma especulação, sem evidências, é a de que programa novo tem um efeito maior do que outro que seja uma continuação de algo já existente. Um exemplo: diante de uma enchente, o envio de dinheiro novo do governo para socorrer a cidade atingida faz com que o eleitor veja esse governo positivamente. Mas se o envio de dinheiro continuar nos meses seguintes, indefinidamente, o efeito não será o mesmo. O Lula não iniciou o programa de transferência de renda, mas expandiu fortemente o Bolsa Família, que passou de 5 milhões para 11 milhões de famílias. Agora, em entre 2010 e 2012, já houve um incremente menor, chegando a 13 milhões no governo Dilma. O fato de ter menos gente nova tem um efeito menor para o governo. É a explicação mais plausível.
Seria a mais provável?
Sim. Mal comparando, pensa no Fernando Henrique, que se elegeu na primeira vez com o Plano Real. Deixou o cargo de ministro para se candidatar falando o tempo todo no Real. Na segunda vez o impacto da questão da estabilidade foi menor. E quando o Serra se candidatou não foi suficiente para elegê-lo. Ninguém ganha a eleição pelo resto da vida por ter estabilizado a economia do País. As pessoas descontam isso por algum tempo e depois consideram coisa passada. Você poderia até pensar que o Fernando Henrique, por ter acabado com uma inflação que já durava 20 anos, iria se eleger para o resto da vida, realizando o sonho do Sérgio Motta de que o PSDB devia ficar pelo menos 20 anos no poder. As pessoas esquecem.
Isso pode explicar o esforço para se repensar o Bolsa Família. Estimular microempresas seria uma saída?
A vantagem eleitoral do Bolsa Família é que envolve dinheiro diretamente. A pessoa vê o dinheiro na sua conta. Um programa de estímulo ao microempresário seria de longo prazo e com resultado incerto. Abrir um negócio é bom, mas as estatísticas mostram que muita gente quebra. Na Venezuela, Hugo Chávez estimulou cooperativas de costura. Passados três meses, porém, tudo parou, porque não tinha mercado para a produção.
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“O efeito eleitoral do Bolsa Família cai a cada disputa” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU