Por: Jonas | 20 Mai 2013
Em um tempo de pensamentos rasos e de verdades cristalizadas, mesmo que disfarçadas de falsas incertezas, como algumas correntes de pensamento fazem crer, nada melhor do que se arriscar a uma mudança de olhar, com uma ousadia arrebatadora que desarranje os velhos esquemas e classificações letárgicas acerca da realidade que nos circunda. E neste imenso desafio, a contribuição de Edgar Morin parece ser fundamental. Não porque o autor aponte para qual é o caminho, mas, justamente, ao contrário, porque reconhece que o caminho se faz caminhando, como na poesia de Antonio Machado: “Caminante no hay camino, se hace camino al andar”.
Foi com esta disposição e ânimo que os participantes do Ciclo de Estudos sobre “O Método” de Edgar Morin, organizado pelo Cepat/CJ-Cias, em parceria com a Pastoral da PUC-PR, estiveram reunidos, neste último sábado, 18 de maio, em Curitiba, para estudarem o Método I: “A natureza da natureza”, contando com as contribuições da professora Lucia Helena Vitalli Rangel (foto), da PUC-SP.
Pautando-se nas contribuições de Edgar Morin, Rangel iniciou sua exposição fazendo uma dura crítica aos paradigmas da ciência moderna, de matriz cartesiana. Sempre determinada a dar uma explicação ou apresentar uma função para todos os fenômenos apreendidos pelo ser humano, a ciência busca obstinadamente descobrir as leis gerais de funcionamento destes fenômenos e, neste esforço em ordenar, mais simplifica do que consegue abarcar todas as suas variantes. Na verdade, neste percurso histórico da ciência, o que tem sido relegado, deixado em segundo plano, deveria ser considerado tão importante quanto aquilo que a ciência aufere e infere dos fenômenos que estuda.
Este engessamento, provocado pela matriz científica cartesiana, está presente, por exemplo, no nascimento da sociologia clássica, em especial no esforço teórico em constituí-la uma ciência. Émile Durkheim procurou entender a função das instituições sociais e o papel que tais instituições desempenham para o equilíbrio do todo social, marginalizando outros aspectos adversos, considerados como disfunções e irregularidades de caráter patológico. Neste contexto, infelizmente, o que se distancia de uma determinada ordem, norma, regra, lei, é considerado algo fora do lugar e que precisa ser reordenado, ou seja, o mesmo olhar reducionista com o qual a ciência classifica as leis da natureza, aqui, também se volta à vida em sociedade.
Ao contrário da simplificação, promovida pela ciência, o pensamento complexo procura levar em conta todas as facetas de um fenômeno. A natureza é viva e os seres humanos fazem parte dela. Contudo, como bem lembrou a professora Rangel, complexificar, neste caso, não é sinônimo de complicar, mas, sim, trata-se de um esforço de transposição do pensamento linear e do sentido único de causa e efeito, que acaba sendo uma camisa de força para o pensamento.
Edgar Morin consegue sistematizar um conjunto de contribuições, das mais diversas áreas do pensamento, mostrando ser possível estabelecer uma atitude frente ao conhecimento, uma postura aberta e perscrutadora que não se fecha em áreas restritas. Daí, sua grande capacidade em articular o que parece estar separado, restabelecendo a dialogia entre a ordem e a desordem presente na natureza. Como disse a professora Rangel, seu método é “um ato de rebeldia científica”.
Nas palavras do próprio Morin: “A ordem nasce, ao mesmo tempo que a desordem, na catástrofe térmica e nas condições originais singulares que determinam o processo constitutivo do universo” (“A natureza da natureza”, Biblioteca Universitária, 1997). Assim, distante dos esquemas habituais do pensar, Morin esboça um modelo em que a desordem também está presente na natureza, na physis. Trata-se da formação de um circuito tetralógico - desordem, interações, ordem, organização -, que não deve ser lido, necessariamente, de modo sequencial, sabendo-se que seus elementos estão interligados de forma sistêmica. Desta forma, nenhuma ordem é só ordem, como também nenhuma desordem é só desordem. Aqui, a physis é entendida como uma espiral, onde uno e múltiplo caminham juntos.
Mais do que certezas, as contribuições de Morin acarretam questionamentos, indagações que não se circunscrevem a fronteiras predeterminadas. Se a ciência sempre optou pela construção da certeza, o que Morin consegue sistematizar, em seu amplo esforço intelectual, instaura o método da incerteza, não como imobilismo, mas, sim, como atitude frente ao conhecimento.
Ao final desta manhã de estudo, provocada pelo questionamento de um dos participantes, a professora Lucia Helena Vitalli Rangel lamentou o fato do pensamento complexo não ser aceito nas grandes universidades do país. Infelizmente, os pesquisadores são obrigados a seguir a mesma cartilha, caso queiram ter seus projetos de pesquisa financiados pelas agências de fomento à pesquisa.
O texto é de Jonas Jorge da Silva e as fotos de Ana Paula Abranoski, ambos da equipe do Cepat/CJ-Cias.
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A rebeldia científica de Edgar Morin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU