16 Mai 2013
Navi Pillay, alta comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos, saudou na segunda-feira (13) a condenação do ex-ditador guatemalteco Efraín Ríos Montt, no poder em 1982-1983: "A Guatemala está fazendo história ao se tornar o primeiro país no mundo onde um ex-chefe de Estado foi condenado por genocídio por uma jurisdição nacional". O general Ríos Montt foi condenado a 80 anos de prisão – 50 por genocídio e 30 por crimes de guerra -, no dia 10 de maio. Ele foi considerado culpado pela morte de 1.771 indígenas Maia Ixil.
A reportagem é de Paulo A. Paranaguá, publicada no jornal Le Monde e reproduzida no Portal Uol, 15-05-2013.
Reed Brody, conselheiro jurídico da Human Rights Watch (HRW), assistiu a parte do julgamento. "Esse veredito é um dos mais importantes dos anais dos direitos humanos", ele conta. "Em um país onde a impunidade por atrocidades sempre foi a regra, é um reconhecimento para a coragem e a determinação das vítimas, dos defensores dos direitos humanos e dos procuradores". E acrescentou: "Quem poderia pensar que um ditador onipotente, apoiado pelos Estados Unidos, algum dia seria enviado para a prisão por crimes contra índios maias privados de direitos e marginalizados?"
No entanto, esse veredito reacende a controvérsia sobre a classificação de genocídio na América Latina. Em 1998, o juiz espanhol Baltasar Garzón, que havia mandado prender em Londres o ex-ditador chileno Augusto Pinochet, o acusava de genocídio. Essa acusação não foi aceita pela Câmara dos Lordes, em relação ao direito internacional.
A referência para esse assunto continua sendo a convenção para a prevenção e repressão do crime de genocídio, adotada pela ONU em 1948. Esse texto visa atos "cometidos com a intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal". Os negociadores desistiram de incluir ali as perseguições políticas ou ideológicas, a pedido da União Soviética. Stalin não queria, por medo de que seu país um dia fosse julgado pelo extermínio dos kulaks (proprietários de terras) e pelas crises de fome na Ucrânia.
Limites de 1948
Na Bolívia, isso não impediu o Supremo Tribunal de condenar, em 2011, dois ex-ministros e cinco generais pela repressão a manifestações contra a venda de gás no Chile, que havia resultado em 67 mortos em 2003. A acusação de genocídio permitia que as autoridades bolivianas reforçassem um pedido de extradição do ex-presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, residente nos Estados Unidos.
Na Argentina, todos ainda se lembram da declaração do general Ibérico Saint-Jean, governador da província de Buenos Aires, em 1977: "Primeiro mataremos todos os subversivos, em seguida mataremos seus colaboradores, depois seus simpatizantes, seguidos por aqueles que se mantêm indiferentes, e por último mataremos os tímidos". O Arquivo Nacional da Memória, subordinado ao secretariado de Estado argentino para os direitos humanos, registrou os nomes de 11 mil desaparecidos ou vítimas de execuções sumárias durante a ditadura militar (1976-1983).
"Ainda que a intenção de extermínio existisse na Argentina, a legislação internacional e a legislação argentina não permitem qualificar os crimes da ditadura como genocídio", avalia o jurista argentino Juan E. Méndez, relator especial das Nações Unidas para a tortura.
Ele mesmo ex-prisioneiro político torturado, Méndez havia sido conselheiro do secretário-geral da ONU para a prevenção dos genocídios: "A convenção de 1948 exclui da classificação de genocídio um grupo perseguido por razões políticas ou ideológicas, como na Argentina", ele lembra. "A lei pode mudar, é verdade. No entanto, se tocarem na convenção, corre-se o risco de desfazê-la e obter um resultado contrário ao objetivo buscado". O objetivo muitas vezes é entrar com um processo por uma acusação imprescritível, com considerável carga emocional. Mas o risco é justamente de banalizar a acusação.
"Não houve genocídio, mas algo pior"
Na Guatemala, a guerra civil (1960-1996) teria feito 200 mil mortos e desaparecidos, sendo 80% deles de origem indígena, segundo a ONU. Reed Brody acredita que a acusação de genocídio mantida contra o general Ríos Montt se encaixa nos critérios definidos pela convenção. "As provas mostram a intenção de destruir os maias ixil como tais," conta o jurista da HRW. "O exército alvejou 100% dos membros do grupo étnico maia ixil como inimigo interno, ainda que se tratasse de população civil não combatente. E, segundo os testemunhos, entre abril de 1982 e julho de 1983, período em que Ríos Montt esteve no poder, 5,5% dos maias ixil foram mortos".
Gilles Bataillon, especialista em América Central na Escola de Estudos Superiores em Ciências Sociais em Paris, comemora o fato de que o general Ríos Montt vá terminar sua vida na prisão. "As matanças em massa na Guatemala foram as mais graves cometidas na América Latina", ele afirma. "Também houve massacres efetuados pela guerrilha, mas eles foram infinitamente menos numerosos que aqueles perpetrados pelo exército. No entanto, recorrer ao conceito de genocídio é problemático e mereceria pesquisas mais aprofundadas".
Tanto os líderes da guerrilha quanto os oficiais superiores das forças armadas eram ladinos, mestiços. O serviço militar integrava índios de todas as etnias às forças armadas, enquanto a guerrilha recrutava entre as comunidades indígenas. Portanto, a divisão racial não passava entre os dois campos, mas atravessava ambos. O exército e a guerrilha tentavam recrutar as comunidades rurais, que sofriam suspeitas de um lado e de outro. Resultado: a estratégia contrainsurrecional da "terra queimada" aplicada contra a guerrilha levou a inúmeros massacres de maias.
O sociólogo guatemalteco Edelberto Torres-Rivas tem uma posição paradoxal: "Na Guatemala, não houve genocídio, mas sim algo pior", ele escreve. E menciona a perseguição sistemática dos simpatizantes de esquerda, de seus parentes e amigos, e por fim das populações indígenas durante a guerra fria. "Matar porque se pensa diferente é outro tipo de genocídio", ele afirma, antes de concluir: "No final, o nome não tem importância".
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Punição na Guatemala reacende debate sobre ditaduras latinas e genocídio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU