09 Mai 2013
Dez dias antes do lançamento do governo de solidariedade nacional, que inclui o PCI [Partido Comunista Italiano] (e que coincidiria com o sequestro de Aldo Moro por parte das Brigadas Vermelhas, no dia 16 de março de 1978), Giulio Andreotti sonhava com Togliatti. "Ele estava vestido de cinza", escreve ele nos seus diários. "Eu lhe perguntei como ele estava e ele me respondeu: 'Lá em cima não me trataram mal'". Está todo Andreotti no relato dessa visão. A relação pacata com o adversário político – um inimigo com o qual sempre se pode tratar –, a constante ligação com os Céus, de onde vem a certeza indireta de que o comunista não está no inferno, a atmosfera fria, controlada que tinge de cinza minimalista uma passagem muito difícil da história política italiana.
A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 07-05-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
De vez em quando, Andreotti foi descrito como um clerical ou o porta-voz do Vaticano na longa série de governos do qual ele foi ministro ou presidente do Conselho. Rótulos que o definem muito pouco. Giulio Andreotti foi um homem de poder em estado puro. E, como ele era católico e como, na história italiana, o único poder sedimentado há séculos se condensou na Cúria Romana, ele foi no mais alto grau um gestor do poder segundo os métodos frios, racionais, tenazes da tradição curial. Um cardeal leigo, se poderia dizer, no rastro do curialismo tridentino e da lição de Maquiavel.
Entre todos os pontífices que ele frequentou – de Pio XII a Paulo VI, de João XXIII a Bento XVI, passando por João Paulo II –, o mais orgânico a ele psicologicamente certamente foi o Papa Pacelli, o supercontrolado gestor de um pontificado político até a raiz, defensor de uma Igreja que se ocupa também das menores chaves do poder.
Grandes ou pequenos que fossem, ele defendia os interesses materiais ou políticos da Igreja não como um lobista, mas como quem faz parte organicamente da sua estrutura. Com o mesmo cuidado, impassível com que se preocupava em proteger os desejos dos seus eleitores do Lazio, produtores de alcachofras.
No Vaticano, o cardeal mais próximo a ele ou, melhor, concretamente "andreottiano", foi durante muitos anos o procônsul da Saúde eclesiástica, Fiorenzo Angelini. Andreotti ia à missa todas as manhãs antes, mas não se encontrarão nas crônicas políticas de mais de 60 anos discursos "católicos" ideologicamente apaixonados dele.
Nos grandes referendos que incendiaram a Itália – o sobre o divórcio e o sobre o aborto – ele sempre esteve presente ao lado dos bispos e da posição da Democracia Cristã, mas nunca se exibiu nas vestes de cruzado. Com frieza, tentou no máximo mediar até o fim: com Nilde Jotti, do Partido Comunista Italiano, para evitar o referendo sobre o divórcio e, no que se refere ao aborto, esperando identificar uma fórmula de "aborto terapêutico" transversalmente aceitável no Parlamento.
No entanto, como presidente do Conselho, assinou a lei do aborto em 1978. Andreotti se alinhou disciplinadamente quando o cardeal Ruini lançou a campanha pela abstenção no referendo de 2005 sobre a reprodução assistida. Embora em um primeiro momento ele tenha apoiado a importância de ir às urnas, mesmo que para expressar o próprio "não" as modificações propostas.
Mas, se a estrutura eclesiástica intimava oficialmente em uma linha, Andreotti obedecia. Nunca fez batalhas de princípio.
Continua sendo memorável a sua nota a Pio XII para desaconselhar a operação Sturzo, a grande lista com os fascistas que o pontífice desejava em 1952 nas eleições administrativas de Roma. Enquanto De Gasperi se dilacerava na sua consciência de católico democrático, Andreotti elencou impassível ao papa os motivos pelos quais o Movimento social adquiria espaço demais na Itália, acabando por enfraquecer a Democracia Cristã e, portanto, o poder da Igreja. O raciocínio, de poder puro, convenceu Pio XII.
Afascista, Andreotti absorveu na sua Democracia Cristã os quadros estatais comprometidos com o fascismo, evitando à Igreja exames de consciência incômodos sobre as relações com o Duce. Católico moderado, se aliou ao Comunhão e Libertação nos anos 1980 para reforçar a sua corrente dentro da Democracia Cristã. Anticomunista, tratou – quando necessário – com o Partido Comunista e com os soviéticos. Sempre em constante ligação com a hierarquia vaticana, passou indene pelos escândalos mais obscuros.
Há 20 anos, ele dirigia a revista 30 Giorni, que circula nos ambientes eclesiásticos e diplomáticos. Ali, destilava a sua experiência em política internacional, até mesmo estimulando inércias vaticanas. Até o fim, disparou o alarme contra uma agressão israelense ao Irã.
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Um cardeal leigo que passou por sete pontificados - Instituto Humanitas Unisinos - IHU