06 Março 2013
Em março de dois anos atrás, nascia, a convite de Bento XVI, o Átrio dos Gentios, lugar de debate e de encontro entre crentes e não crentes. Uma experiência itinerante, que viveu momentos de grande intensidade em várias cidades da Europa. Encontramos aquele que, desde o início, é a alma da iniciativa, o cardeal Gianfranco Ravasi.
A reportagem é do sítio da revista dos jesuítas italianos, Popoli, 26-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Átrio dos Gentios completa dois anos (o primeiro encontro foi realizado em Paris nos dias 24 e 25 de março de 2011) e é hora para as primeiras avaliações. Por isso, encontramos aquele que – aceitando o convite do Papa Bento XVI – deu forma e substância ao Átrio: o cardeal Gianfranco Ravasi.
Nascido em 1942 em Merate (Lecco), de 1989 a 2007 foi prefeito da Biblioteca Ambrosiana, impondo-se, enquanto isso, como um dos biblistas mais conhecidos do mundo. Desde 2007 é presidente do Pontifício Conselho para a Cultura.
Eis a entrevista.
Eminência, pode resumir brevemente a ideia de fundo que está na origem do Átrio dos Gentios, os principais objetivos dessa iniciativa e o motivo pelo qual essa denominação foi escolhida?
O Átrio dos Gentios nasceu de uma sugestão de Bento XVI, com aquela famosa passagem do discurso à Cúria Romana de 21 de dezembro de 2009: "Penso que a Igreja deveria também hoje abrir uma espécie de "átrio dos gentios", onde os homens pudessem de qualquer modo agarrar-se a Deus, sem O conhecer e antes de terem encontrado o acesso ao seu mistério, a cujo serviço está a vida interna da Igreja. Ao diálogo com as religiões deve acrescentar-se hoje sobretudo o diálogo com aquelas pessoas para quem a religião é uma realidade estranha, para quem Deus é desconhecido, e contudo a sua vontade não é permanecer simplesmente sem Deus, mas aproximar-se d'Ele pelo menos como Desconhecido". Eu não fiz nada mais do que retomar essa ideia e desenvolvê-la, sobretudo com o objetivo de criar um espaço de encontro entre crentes e não crentes.
Depois, com relação à escolha do "nome", é evidente que o Santo Padre tinha diante de si a imagem do templo de Jerusalém, que compreendia um espaço denominado justamente Átrio dos Gentios, ao qual também tinham acesso as "gentes", os pagãos , o incircuncisos, sem distinção de cultura, de língua ou de profissão religiosa, um lugar de encontro e de diversidade em que se podia ouvir e ver o que os judeus diziam e faziam no espaço sagrado a eles destinado (o Átrio dos Israelitas). Mas, no fim, não se podia apertar as mãos, como ocorre, ao invés, no nosso "Átrio".
Essa solução de encontro é um fruto maduro colhido da árvore do cristianismo. De fato, Cristo é representado, eu diria quase "encenado", por Paulo (Carta aos Efésios 2, 14-18), no ato de derrubar o muro de separação existente entre os dois povos, fazendo dos dois um só povo. Eu acredito que esta é a principal tarefa que nos foi confiada: recordar que existe uma base comum infinitamente superior às distinções, embora necessárias. Somos levados a afirmar a identidade das culturas e das perspectivas, sem negar a raiz humana comum.
Diálogo sem exclusões
Muitos ateus o são também por uma aversão às instituições religiosas: isso obstaculizou as possibilidades de encontro?
Não se pode negar que o elemento institucional ligado à Igreja criou, e continua criando, algumas dificuldades. Devo dizer, porém, que, no caso do Átrio dos Gentios, não encontramos resistências ligadas a esse aspecto. É claro que, às vezes, se percebe, justamente através do diálogo, que não há a rejeição de Deus, mas sim das estruturas que são vistas como elementos que limitam a liberdade, sobretudo com a imposição de normas rígidas demais. Então, para evitar o desvio árido e mofado da velha contraposição "Deus sim, Igreja não", proponho que o debate não seja entre seculares e clero, quase como um tribunal com discursos opostos entre acusação e defesa, mas sim a busca, entre crentes e não crentes, de um ponto de encontro sobre temas que se referem ao ser humano, na sua ética e transcendência, de modo que a dimensão antropológica se torne o lugar de reencontro, um território de troca e debate pacíficos.
Na vida da Igreja "anúncio" e "diálogo" são termos representados às vezes em tensão entre si, quase como se um autêntico anúncio do Evangelho excluísse a possibilidade de diálogo. Em outros casos, diálogo e anúncio são vistos, ao contrário, como complementares e, de fato, necessários um para o outro. Como se coloca o Átrio com relação a esse debate?
O Átrio dos Gentios é uma ocasião, uma possibilidade de diálogo verdadeiro entre pessoas dispostas a se impulsionar até o limite do próprio credo, sem abandonar a própria identidade, para se aproximar de quem está na frente, pronto para o mesmo passo. Nesse sentido, todos somos crentes porque somos dispostos a confiar no outro, a nos confrontar reciprocamente. De fato, muitos não crentes ou ateus que se pronunciaram no Átrio dos Gentios se recusaram a se definir como tais, preferindo nomes como "gentio" ou "humanista".
O professor Lluis Pasqual, um dos interlocutores do Átrio dos Gentios catalão, declarou expressamente que "ateu é uma palavra que exclui, enquanto gentio não é uma palavra que exclui (...) todos acreditamos em algo". O Átrio dos Gentios, portanto, não se move no terreno da evangelização, mas – para simplificar um pouco o conceito – no da pré-evangelização, tentando despertar o desejo, a nostalgia de Deus naqueles para quem Deus é um desconhecido, como diz Bento XVI. Para promover essa busca, o Átrio atravessa os territórios da cultura, da sociedade, das instituições civis, das universidades, entabulando um debate intelectualmente honesto com quem quer que deseje construir um debate entre logoi em busca do Logos, daquela Verdade que nos une como participantes da mesma humanidade.
Quando o papa apresentou a iniciativa, alguns comentaristas revelaram que a dimensão da escuta recíproca corria o risco de não ser suficientemente valorizada, e que crentes e não crentes se limitariam a uma espécie de "diálogo de surdos". Depois de inúmeras iniciativas em vários países, o senhor considera que esse risco foi evitado?
Como dizia, o Átrio dos Gentios quer se tornar um espaço aberto a todos, sem restrições, sem imposições, cada um com as próprias convicções, todos na praça em meio às "correntes do diálogo". É importante entender que o Átrio dos Gentios não é uma forçação, mas sim um lugar em que o debate sério serve para refletir e comunicar com aqueles que acreditam de forma diferente, derrubando aquele muro de surdez que muitas vezes torna impossível a reflexão comum sobre questões importantes. A incomunicabilidade é muitas vezes causa da crise global que estamos vivendo.
Há mais semelhanças ou diferenças entre o Átrio dos Gentios e a Cátedra dos Não Crentes que o cardeal Martini promoveu em Milão?
Eu acredito que a Cátedra dos Não Crentes e o Átrio dos Gentios têm uma inspiração comum, ainda mais porque, em cada um de nós, continuam convivendo a cada dia um crente e um não crente comprometidos em um debate dialético incessante, como dizia o cardeal Martini. No entanto, a modalidade é um pouco diferente. De fato, em Milão, um não crente era convidado a "sentar-se na cátedra" e a propôr o seu ponto de vista sobre um tema. Ao cardeal Martini, cabia concluir com uma reflexão própria. No Átrio dos Gentios, ao invés, sejam os não crentes, sejam os crentes têm uma "cátedra" igualmente e dialogam sobre vários temas.
Espero que o percurso verdadeiro a um novo humanismo continue nessa atitude de igualdade, com a mesma seriedade, o mesmo rigor, a mesma franqueza e grandeza que eu admirei em todas as personalidades encontradas até agora, sem instrumentalizações e sem busca de créditos. O Átrio dos Gentios, além disso, estendeu essa inspiração para a Igreja universal, de modo que cada etapa se torne um impulso a continuar por toda a parte o diálogo necessário entre o Palácio e o Templo, entre a Instituição e a Praça, entre crentes e não crentes. A esse respeito, lembro-me, em Paris, da emoção da noite em que as portas da catedral de Notre-Dame estavam abertas a todos, com um convite também aos não crentes, aos jovens em particular, para entrar, para "ver" e ouvir a oração dos crentes e a se fazer a pergunta sobre o Deus desconhecido.
Os encontros foram realizados até agora principalmente em nível europeu? Por que essa escolha? Estão programados eventos também em outras regiões do mundo?
Com efeito, nestes dois anos, essa "peregrinação da razão" alcançou metas europeias (em novembro de 2013, estaremos em outro dos lugares-símbolo da secularização, Berlim), mas agora se abrem as fronteiras para o outro lado do oceano. Em maio deste ano, estaremos na Cidade do México. Em abril de 2014, desembarcaremos nos Estados Unidos, em Washington, e depois no Canadá, na Austrália, e uma esperança que eu cultivo se refere à realização de um Átrio em Jerusalém. Os leitores se perguntarão por que eu não nomeei a Ásia e a África, terras em que o tecido religioso é bastante forte. Não é uma omissão, mas nesses continentes o tema da secularização e do ateísmo tem nuances diferentes com relação à Europa, à América e à Oceania, e portanto estamos estudando para elaborar uma tipologia de diálogo que responda às suas exigência. Quando os tempos estiverem maduros, não haverá nenhuma dificuldade para levar o Átrio também para esses continentes.
O Átrio dos Gentios se apresenta como uma proposta de alto perfil cultural. É concebível uma iniciativa que, com os mesmos critérios inspiradores e os mesmos objetivos, tenha, porém, um corte mais divulgativo, para envolver um público mais amplo, mas menos preparado intelectualmente?
O exemplo significativo, também para o eco midiático recebido, foi o diálogo que eu citei no início entre o presidente Napolitano e mim, em Assis, com as relativas "Tendas de Diálogo", montadas sobre vários temas que tocam mais de perto a vida dos jovens, dos trabalhadores, das famílias, dos estudantes, como ocorreu não só na cidade de Francisco, mas também em Paris, em Bucareste, em Tirana: todos eventos transmitidos pelas televisões públicas. Na verdade, cada etapa prevê atos de maior empenho cultural e outros muito mais "populares", para oferecer visibilidade midiática e dar impulso em momentos diferentes (pensemos nos espetáculos noturnos para os jovens na praça de Notre Dame, em Paris, em Tirana e em Palermo).
O Átrio dos Gentios, além disso, não substitui o precioso trabalho das dioceses e das paróquias que atuam cotidianamente em campo, mas tem a função de estimular, de mostrar uma possibilidade, deixando à pastoral local o compromisso de fazer nascer as iniciativas mais idôneas para que o diálogo não se apague. Por isso, o Átrio organizado pelo Pontifício Conselho para a Cultura torna-se paradigmático, uma proposta de referência que deve ser retomada e traduzida de forma eficaz para um ambiente específico e para as pessoas que o habitam.
Além disso, espero que o Átrio dos Gentios contribua para elevar o tom do debate cultural que muitas vezes é abaixado até o pó. Assim, podemos fazer uma contribuição para a sociedade pondo algumas sementes que possam crescer e frutificar. No entanto, está em estudo a possibilidade de dialogar com o horizonte muito mais problemático da indiferença, da secularização superficial, da amoralidade sem frêmitos. É esse o horizonte mais vasto e complexo, menos sensível e mais árduo de envolver.
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O Átrio do diálogo e o Deus desconhecido. Entrevista com Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU