01 Março 2013
Se a eleição de um novo papa é a escolha de um rosto de Igreja e não apenas atribuição de um papel, é importante identificar prioridades. Severino Dianich, uma das vozes mais autorizadas da teologia italiana, no último editorial do sítio Viandanti, 14-02-2013, se debruça sobre a questão da sinodalidade.
Dianich é ex-professor da Faculdade Teológica da Itália Central, em Florença. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A questão da sinodalidade na Igreja hoje, não raramente, é traduzida nos termos impróprios de uma alternativa: democracia sim, democracia não.
A história desmente ambas as hipóteses. Se optarmos por "democracia sim", colide-se contra uma tradição constante, pela qual a decisão sobre os dogmas da fé e sobre a regra dos sacramentos nunca foi atribuída a assembleias populares. Se optarmos por "democracia não", debatemo-nos contra a prática dos concílio, nos quais se decide, assim como nos parlamentos, com base em maioria e minoria. Nos concílios do passado, além disso, não faltava a participação dos leigos, embora confiada, como era óbvio que acontecesse em sociedades autocráticas, aos príncipes e aos reis. Além disso, no ordenamento canônico das ordens religiosas, tanto no passado quanto hoje, a nomeação dos superiores e as escolhas importantes para a vida da comunidade são decididas democraticamente.
Olhemos para a história e para o Oriente
Não é fácil encontrar na história uma situação idêntica à de hoje, em que os fiéis leigos, mas também os diáconos e os padres, no ordenamento da Igreja latino, não têm à disposição nenhuma sede institucional em que possam dar um voto deliberativo sobre as questões da Igreja. Em outras fases da história, ao invés, muitas decisões importantes, a partir da eleição dos bispos, eram tomadas pela comunidade. Ainda hoje, além disso, no ordenamento canônico oriental, a cada ano é convocado o sínodo patriarcal para a eleição dos bispos e para "emanar leis para toda a Igreja patriarcal" (cânones 106 § 2; 110 §1). A cada cinco anos, depois, reúne-se a assembleia patriarcal de bispos, dos superiores religiosos, dos representantes dos padres e dos leigos, das universidades, das faculdades teológicas e dos seminários (cânones 140 e 143) para tratar das coisas da Igreja.
O Concílio Vaticano II, de fato, não deliberou reformas determinadas para restaurar a vida sinodal na Igreja, mas pôs os princípios, a partir dos quais o Código deveria ter feito isso. É uma reforma necessária que a Igreja ainda espera. Parece-me que ela pode ser hipotetizada sobre duas linhas de fundo da eclesiologia conciliar: o povo de Deus como sujeito responsável pela missão e a sua articulação com base nos diversos carismas.
O sujeito responsável pela missão
Foi muito significativo, durante a redação da constituição conciliar sobre a Igreja, o episódio de deslocamento, desejado pelos Padres, do tratamento sobre o povo de Deus do capítulo terceiro, onde estava colocado no esquema proposto, após o tratamento sobre o mistério da Igreja e sobre a hierarquia, para o capítulo segundo, ou seja, logo depois do capítulo sobre o mistério da Igreja.
A nova ordem, de fato, define com clareza que a hierarquia não é a primeira nem está à frente de todo o corpo cristão, porque o primeiro e fundamental sujeito responsável pela missão é o conjunto de todos os fiéis. O ministério dos pastores, por ser um ministério particular fundado no sacramento da ordem, é uma função sua, dentre outras. Continua sendo, portanto, segundo a Lumen gentium 8, o povo de Deus, "populus messianicus…instrumentum redemptionis", o sujeito responsável pela missão.
Além disso, a experiência histórica demonstra que são os fiéis, todos os fiéis, os sujeitos da comunicação da fé, que é o núcleo essencial da missão, da qual depende a própria persistência da Igreja na existência. Todos os fiéis têm o carisma para isso, infundido neles no batismo e na confirmação.
Cada fiel, sujeito original e determinante
O cristão, seja ele quem for, para evangelizar, não precisa de nenhum outro sacramento além do batismo, nem de alguma delegação por parte da hierarquia. Além disso, na Europa, que garantiu, especialmente no segundo milênio, a transmissão da fé foram os fiéis leigos no âmbito da família. O Código traduz esse dado no plano do direito no cânone 781, atribuindo ao povo de Deus, como seu dever fundamental, a opus evangelizationis.
Portanto, o ato mais importante de todo o conjunto da missão da Igreja, a comunicação da fé, é competência própria de cada fiel. Perguntamo-nos, então, por que em outras coisas, de menor importância, por exemplo na escolha dos instrumentos e dos modos mais oportunos para evangelizar, os fiéis não poderiam ser consideradas como sujeito não subalternos, mas originais e determinantes.
O povo de Deus, além disso, não é uma massa indiferenciada, na qual um sujeito é intercambiável com qualquer outro. O que compagina a Igreja, de fato, não é a lei, mas sim a fé, que o Espírito Santo suscita no íntimo da consciência de cada um e que, portanto, se expressa sempre de maneira diferente de um sujeito crente a outro.
O exercício do sacerdócio comum
Essa é a forma primária na qual se manifesta a pluralidade dos carismas. Alguns carismas, de fato, seriam tão relevantes a ponto de determinar novos e diferentes percursos do caminho da fé no mundo. Mas na grande maioria dos casos, eles se concretizam nas diversas vocações às quais os cristãos se sentem chamados: veja-se a vocação ao matrimônio, o chamado à vida consagrada ou ao ministério ordenado, o empenho de trabalho em uma determinada profissão, determinadas responsabilidades sociais e políticas.
Todos esses aspectos da vida cristã não podem ser considerados como uma realidade profana, desprovida de um caráter eclesial, útil apenas para o fiel para ganhar méritos para a vida eterna: são de fato o exercício do sacerdócio comum. Na vida cotidiana comum, na qual família, profissão, responsabilidades sociais ocupam os dias dos crentes, os fiéis realizam o mandamento do Apóstolo: "Exorto-vos a oferecer os vossos corpos; esse é o vosso culto espiritual".
A missão da Igreja encontra aqui a sua parte mais consistente, no testemunho de Cristo, que os fiéis dão às pessoas nas suas relações interpessoais e sociais.
Valorizar experiências e competências
Bento XVI, em um discurso de 16 de maio de 2011, afirma que os fiéis não devem ser "apenas fruidores e executores passivos" do que é ditado pelo magistério, mas sim "protagonistas no momento vital da sua implementação". O papa, depois, estende esse pensamento até dizer que, com relação ao magistério, eles devem ser "também colaboradores preciosos dos pastores na sua formulação". Eles o serão "graças à experiência adquirida em campo e às próprias competências específicas".
A sinodalidade, portanto, deveria se explicar na valorização das experiência e das competências: eu não hesitaria em traduzir: com base nos diversos carismas. Ressalta, então, aos olhos, acima de tudo, o carisma dos esposos e dos pais, já que o seu carisma se fundamenta, assim como o dos pastores, em um sacramento particular. O seu sensus fidei em interpretar o evangelho da vocação à vida familiar é indispensável para o conjunto da vida da Igreja e não pode ser reduzido apenas à virtude da escuta ao magistério.
O apelo do papa "à experiência adquirida em campo e às próprias competências específicas" vale também para qualquer outro âmbito em que os fiéis tenham experiência e competências que os pastores da Igreja não tem.
Sinodalidade, capítulo inevitável da eclesiologia
Em conclusão, a restauração da forma sinodal da missão da Igreja não deveria se reduzir a uma banal democratização das decisões a serem tomadas com golpes de maioria e de minoria. Ela requer, ao invés, a atribuição de formas adequadas de autoridade aos fiéis, ao lado e em harmonia com a reconhecida ao ministério ordenado dos pastores da Igreja, proporcionais à competência carismática de cada um, de modo que, de acordo com o objeto da decisão, seja reconhecido, com a atribuição de uma força deliberadora proporcional, o carisma de cada um.
Dar vida a um novo ordenamento canônico que leve em conta esses valores, de fato, não é uma operação fácil, porque é preciso que seja salvaguardada a tarefa essencial dos pastores de poder garantir, em virtude do seu sacramento, a autenticidade da fé e a unidade da Igreja. Porém, a exigência de uma reforma nesse âmbito já é fortemente sentida na consciência eclesial e seria bom que teólogos e canonistas trabalhassem nesse capítulo da eclesiologia, com os seus problemas "de iure condendo", juntos e com sério empenho.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Rumo ao conclave: a sinodalidade necessária - Instituto Humanitas Unisinos - IHU