Por: Cesar Sanson | 28 Fevereiro 2013
Os representantes de comunidades tradicionais que participaram, desde a segunda-feira (25), do seminário “Os Territórios das Comunidades Tradicionais e o Estado Brasileiro”, reafirmaram, de forma unânime, que sua principal luta é a garantia de seus territórios. “Nós não precisamos de bolsa família, precisamos ter nosso território livre”, afirmaram indígenas, quilombolas, ribeirinhos, fundos de pasto, seringueiros, entre outros, durante o encontro realizado em Luiziânia (GO), que terminou nesta quinta-feira (28).
A reportagem é do jornal Brasil de Fato, 28-02-2013.
Durante o evento, os representantes das comunidades tradicionais falaram da consciência sobre a sua participação na produção de alimentos saudáveis para o país, bem como peixes e frutos do mar. Entretanto, relataram que ainda enfrentam dificuldades em ter a garantia de seu território tradicionalmente ocupado e local de produção.
Os participantes do seminário estiveram reunidos, na tarde de quarta-feira (26), com o advogado do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Adelar Cupsinski, para debater e tirar dúvidas sobre o direito ao território que ocupam. Segundo o advogado, o Estado brasileiro sempre restringiu os direitos dos povos e comunidades tradicionais, mesmo após a promulgação da Constituição de 1988. Há na Constituição, entretanto, diversos artigos que garantiriam os direitos dessas comunidades. Os artigos 231 e 232 da Carta Magna, por exemplo, reconhecem o direito dos povos indígenas de manterem sua própria organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. E, dentro desse contexto, garantem o direito ao território tradicional.
Segundo Cupsinski, para uma comunidade tradicional a ocupação do território vai muito além da terra como modo de produção. Há vários elementos que permeiam a cultura desses povos e os relacionam, de formas diferentes, ao território que ocupam. Além de poderem viver com liberdade, devem ser garantidas a eles dignidade e identidade. “Dignidade é tudo aquilo que não tem preço: não se vende e nem se compra”, completou o advogado.
O advogado lembrou ainda que a Constituição Federal também assegura o direito dos camponeses e camponesas à terra, e a própria realização da reforma agrária. Os artigos 184 e 186, respectivamente, que garantem a desapropriação para reforma agrária das terras que não cumprem sua função social, são um exemplo disso.
No entanto, o advogado ressaltou que as normas constitucionais não bastam se o governo não atuar para que essas leis e emendas sejam respeitadas. No encerramento do seminário, os representantes das comunidades tradicionais divulgaram o documento final do encontro.
Eis o documento na íntegra.
No âmbito dos eventos da V Semana Social Brasileira e do Encontro Unitário dos Povos do Campo, das Águas e da Floresta, nós, povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, seringueiros, vazanteiros, quebradeiras de coco, litorâneos e ribeirinhos, comunidades de fundo e fecho de pasto e posseiros de todo o Brasil, mulheres e homens de luta, nos encontramos em Luziânia GO, nos dias de 25 a 28 de fevereiro, para partilhar cruzes e esperanças e repensar as nossas lutas frente ao avanço cada vez mais acelerado e violento do capital e do Estado sobre os nossos direitos.
Vivemos o encontro como um momento histórico, que confirma a realidade indiscutível de uma articulação e aliança entre povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e camponeses. O diálogo entre povos e comunidades que expressam culturas e tradições diferentes, frequentemente marcadas por preconceitos e rejeição, volta-se para a defesa e reconquista dos nossos territórios. Este é o processo que unifica sonhos e estratégias na construção de um País diferente que se opõe à doença capitalista do agro e hidronegócio, mineração, hidroelétricas, incentivada e financiada pelo Estado, em nome do chamado desenvolvimento e crescimento do Brasil.
Não nos deixaremos curvar pelo avanço insaciável do capitalismo com o seu cortejo de políticas governamentais nefastas e genocidas. Território não se negocia não se vende não se troca. É o espaço sagrado onde fazemos crescer a vida, nossa cultura e jeito de viver, nos organizar, ser livres e felizes. “Territórios livres, já!!!”.
Constatamos, mais uma vez, com dor e angústia, o retrocesso armado pelos três poderes do Estado para desconstruir, com leis, portarias, como a 303, PEC 215, ADIN 3239, e decretos de exceção, a Constituição, que garante, em tese, os nossos direitos territoriais e culturais. É revoltoso e doído o que estamos passando nas nossas aldeias, quilombos e comunidades: nossos territórios invadidos, a natureza sendo destruída, nossa diversidade cultural desrespeitada e a sujeição política via migalhas compensatórias. Querem nos encurralar! Sofremos humilhações, violências, morte e assassinatos, o que nos leva a tomar uma atitude.
O primeiro passo para uma verdadeira libertação do cativeiro a que estamos submetidos, é continuar o diálogo intercultural, para conhecermos melhor nossas diversidades, riquezas e lutas. Segundo passo é encontrarmos estratégias de unificação de nossas pautas para a construção de uma frente unificada, que possa se contrapor, com eficácia, ao capital e ao Estado, a partir de mobilizações regionais dos povos indígenas e das populações do campo, das águas e da floresta.
Estamos de olho nas ações dos três poderes do Estado brasileiro, para nos defendermos do arbítrio da desconstrução dos direitos e da violência institucional e privada.
Diante da total paralisia do Governo Dilma em cumprir a Constituição e na contramão da legislação internacional (OIT 169) que decretam o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas e das populações tradicionais, exigimos a imediata demarcação e titulação dos nossos territórios.
Acreditamos que a nossa luta, na construção de projetos de Bem Viver, é sagrada, abençoada e acompanhada pelo único Deus dos muitos nomes e pela presença animadora dos nossos mártires e encantados.
Luziânia, 28 de fevereiro de 2013.
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Comunidades tradicionais defendem o direito à terra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU