28 Fevereiro 2013
"Deus perdoa e esquece, mas a web, nunca." Essa sentença, invocada com frequência pela comissária comunitária de Justiça, Viviane Reding, ilustra o alcance da audiência que se realizou na terça-feira no Tribunal de Justiça da UE, sediado em Luxemburgo. Pela primeira vez a Google se viu obrigada a responder diante de 15 juízes do alto tribunal sobre o chamado direito ao esquecimento - a capacidade de uma pessoa exigir que as grandes máquinas de buscas da Internet preservem sua privacidade e impeçam a difusão de informações publicadas em sites que não tenham relevância nem interesse público e possam ser prejudiciais para sua dignidade pessoal.
A reportagem é de Rosário G. Gómez, publicada no jornal El País e reproduzida pelo Portal Uol, 28-02-2013.
Esse caso tem um alcance tão relevante quanto global, já que se trata de delimitar as margens da privacidade na era da Internet. Também reabre o eterno debate sobre a liberdade de informação e a proteção de dados. Vários países da UE envolvidos em processos semelhantes - como Áustria, Polônia, Grécia, Itália - enviaram delegações à audiência.
O alto tribunal europeu tinha como objetivo examinar as nove questões que lhe enviou a Audiência Nacional (Ministério Público) da Espanha há um ano, depois do julgamento que colocou no banco dos réus a Google e a Agência Espanhola de Proteção de Dados (AEPD). As questões prejudiciais indagavam se a gigante americana da Internet está submetida à norma espanhola (e europeia) sobre proteção de dados, se é responsável pelas eventuais lesões que a difusão de informação pessoal pode causar aos cidadãos e se estes podem exercer seus direitos diante do organismo regulador e dos juízes espanhóis, ou se têm de recorrer aos tribunais dos EUA.
A Audiência Nacional queria saber o alcance e os conteúdos que devem ter os direitos de bloqueio, supressão e oposição. Isto é, a capacidade de um cidadão para solicitar a um site de buscas que deixe de indexar informação sobre ele publicada em sites de terceiros. A Google afirmou várias vezes que se limita a hospedar conteúdos de terceiros e que não é afetada pela legislação da UE, já que sua sede fica na Califórnia e responde à norma vigente nos EUA.
Depois da audiência de terça-feira, o advogado-geral do tribunal europeu, Nilo Jääskien, publicará um ditame de conclusões não vinculante no próximo 25 de junho. A sentença poderá ficar pronta no final do ano. As deliberações dos juízes do Tribunal de Justiça coincidiram no tempo com o debate aberto pelo Parlamento Europeu para a elaboração do novo regulamento sobre privacidade, dedicado a harmonizar as normas heterogêneas que regem os diversos países da UE.
A origem do caso Google é a demanda que interpôs a companhia americana de Internet contra a AEPD, devido à queixa de um cidadão apresentada em março de 2010 ao órgão regulador. Solicitava que o site de busca retirasse páginas da web que faziam referência ao leilão de um imóvel embargado por causa de dívidas com a seguridade social. A informação apareceu publicada no jornal La Vanguardia, mas o afetado considerou que, depois de solucionar o problema tributário, não tinha relevância que esses dados continuassem aparecendo quando teclava seu nome nas máquinas de busca. A AEPD não atuou contra o jornal catalão, mas exigiu que a Google eliminasse os links.
Sem sucesso.
Nesse caso, iniciado pelo escritório Abanlex Abogados, foi tomado como exemplo das duas centenas de reclamações semelhantes feitas à agência espanhola. O letrado Joaquín Muñoz, que compareceu terça-feira na audiência em Luxemburgo, explica que na sua opinião a Google "não se limita a fazer um rastreamento da informação de maneira indiscriminada", mas realiza um tratamento dos dados.
Acrescenta que a máquina de buscas não respeitou os requisitos da norma comunitária e que o fato de a Google contar na Espanha com uma filial que realiza atividades como a venda de publicidade é suficiente para que se submeta à legislação espanhola sobre proteção de dados. Muñoz afirma que se a gigante da Internet está tecnicamente capacitada a "instalar cookies nos computadores dos usuários isso implica que tem meios situados na Espanha para realizar rastreamentos". E isso indicaria que deve acatar as resoluções dos órgãos reguladores.
No mesmo sentido, a AEPD afirmou que a Google Inc. tem uma filial na Espanha que realiza tratamento de dados, já que a atividade do servidor consiste em localizar a informação publicada ou incluída na rede por terceiros. Essa entidade alerta sobre o "desamparo" em que podem estar os cidadãos comunitários se forem obrigados a ir aos tribunais americanos para exercer seu direito à privacidade.
A Google insistiu em que só o titular dos conteúdos pode tomar a decisão de eliminá-los da web. "A questão de fundo é se as máquinas de busca devem ser obrigadas a eliminar os links para documentos jurídicos online. Acreditamos que a resposta a essa pergunta é 'não'." A multinacional afirma que se um tribunal considera que uma informação publicada é incorreta, difamatória ou ilegal, pode ser retirada pelo site onde esteja hospedada e das máquinas de busca. Mas estas, acrescenta, "não devem censurar conteúdos legítimos em nome da privacidade".
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UE questiona Google em tribunal e tenta delimitar margens da privacidade na internet - Instituto Humanitas Unisinos - IHU