27 Fevereiro 2013
As críticas do cardeal Martini na sua última conversa eram como que um testamento, escrito por amor. Com firmeza, punha algumas pessoas no centro: os pobres, aqueles que buscam a fé, as mulheres e os estrangeiros. A eles ele havia se dedicado com todas as forças pela vida inteira. Não por acaso as suas demandas receberam o nome de "Agenda Martini" para o conclave.
A opinião é do jesuíta austríaco Georg Sporschill, coautor, junto com o cardeal Carlo Maria Martini, do livro Diálogos Noturnos em Jerusalém (Paulus, 2008). O artigo foi publicado no jornal Corriere della Sera, 25-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
No dia 8 de agosto de 2012, a pedido do cardeal Martini, visitei-o em Gallarate junto com Federica Radice Fossati Confalonieri; foi o nosso último encontro. Celebramos a Santa Missa entre quatro pessoas na capela da casa dos jesuítas. Ele rezava, já com um fio de voz, por uma missão em favor das crianças de rua da Transilvânia, pelos jovens e pela mulher comprometidos naquele país.
No momento da Comunhão, ele quis se levantar e, com uma ajuda, conseguiu. Nunca me esquecerei dessa cena, de como ele estava profundamente prostrado e, ao mesmo tempo, forte. A confiança desse homem provinha de outro mundo. Depois da missa, eu o levei de volta ao quarto na sua cadeira de rodas. Era o quarto modesto de um jesuíta.
No falar, o cardeal buscava fatigantemente cada palavra. Compadecia-se da Igreja que ele também amava. Somente a sua fé em Deus explica por que ele deixou as instituições eclesiásticas e o rico mundo ocidental com palavras de crítica radical.
"A Igreja deve reconhecer os próprios erros e deve percorrer um caminho radical de mudança, começando pelo papa e pelos bispos". Com fé, confiança, coragem. Para permitir a entrada do Espírito Santo na Instituição, o cardeal sugeriu ao papa e aos bispos que se cercassem de pessoas próximas dos jovens e dos pobres. Naturalmente, entre estas, também devem haver mulheres. Somente com homens idosos seria impossível.
A principal preocupação do cardeal era a perda de credibilidade que a Igreja havia sofrido junto a vastas fileiras de pessoas. Não se tratava de leis ou de dogmas, mas sim da capacidade de assistência, de escuta. "Sabemos nos ocupar das perguntas dos jovens, dos problemas das famílias ampliadas, dos não crentes?", perguntava, duvidoso.
Aqueles que estão distantes da Igreja têm uma mensagem para nós, defendia ele. Mais do que a coincidência de pontos de vista, interessavam-lhe o diálogo, a busca comum. O seu pensamento admitia as contradições, assim como a Bíblia.
Várias vezes pediu que a Igreja se desculpasse pelo que havia afirmado no passado sobre o tema da sexualidade. Com uma coragem como a havia mostrado João Paulo II quando, em Israel, pediu perdão aos judeus pelos pecados da Igreja. A esse respeito, ele escreveu ao Papa Bento XVI pessoalmente. Muitas vezes citava a encíclica Humanae Vitae, de Paulo VI, um papa ao qual estava particularmente ligado. Ele afirmava, depois, que a medicina e a psicologia tinham muito de novo a nos dizer sobre a família e a sexualidade.
As críticas expressadas pelo cardeal na sua última conversa eram como que um testamento, escrito por amor. Com firmeza, punha algumas pessoas no centro: os pobres, aqueles que buscam a fé, as mulheres e os estrangeiros. A eles ele havia se dedicado com todas as forças pela vida inteira. Não por acaso as suas demandas receberam o nome de "Agenda Martini" para o conclave.
O cardeal Martini era muito próximo do Papa Bento XVI. Por mais de uma década, como cardeais, foram membros da Congregação para a Doutrina da Fé e também tinham a mesma idade. Porém, os dois homens tinham sentimentos e pensamentos muito diferentes.
No entanto, a lealdade do cardeal idoso ao Santo Padre era indiscutível. Era junho de 2012 quando o cardeal Martini viu pela última vez o Papa Bento XVI, em visita a Milão. Naquela ocasião, ele voltou ao palácio que havia deixado em 2002. Ele o fez em cadeira de rodas, e o papa se inclinou sobre ele. Quando quase ordenou o papa a se acomodar, este, contra todas as regras ditadas pelo protocolo, se sentou, e o bispo idoso pôde reconhecer nos seus olhos cansados a fragilidade do coetâneo. A coragem, assim, o abandonou, não podia fazer-lhe as propostas que ele havia preparado. Apenas lhe disse: "Santo Padre, rezo pelo senhor e pela Igreja".
O cardeal contou, comovido, sobre aquele encontro com o pontífice e acrescentou com um toque de humor: "O alfaiate do papa deve ser um artista para fazer com que os hábitos lhe caiam bem". A sua enfermeira lhe perguntou então: "Eminência, o senhor, fraco e idoso, deixaria o ofício de papa ou de bispo?". O cardeal deve ter respondido: "Sim, eu me retiraria para Montecassino". Era como se tivesse aberto a estrada para a grande e surpreendente decisão do pontífice.
O que diz a "Agenda Martini" sobre o perfil do novo papa?
Deve ser um otimista como João XXIII: não defender o que é antiquado, mas abrir as portas da Igreja ao novo. Deve ter muita compreensão humana e confiança no futuro.
Deve ter amor como Paulo VI. Talvez ele tinha um excessivo temor das possibilidades oferecidas pela tecnologia, pela medicina e pela liberdade social, mas era uma preocupação pelo ser humano, como gostava de sublinhar o cardeal Martini quando criticava a encíclica Humanae Vitae. Ele mesmo podia testemunhar isso, pois Paulo VI o convidava muitas vezes como um amigo a discutir questões bíblicas.
Deve ser decidido como João Paulo II. O cardeal Martini contava que o papa polonês o tinha nomeado, natural de Turim, como arcebispo de Milão, sem ouvir as objeções. Ele tinha decidido e ponto final. Com a sua força, conseguia mover muitas coisas no Vaticano e na política eclesiástica. Uma força que fez cair até mesmo a cortina de ferro.
O que o novo papa deve ter dos seus antecessores? Pode construir sobre o que fez Bento XVI, que queria preservar a Igreja dos perigos, queria manter todos na comunidade eclesiástica, até mesmo a Fraternidade São Pio X. Apontava para as elites, que via nos novos movimentos.
Agora é preciso o agere contra, um movimento voltado às paróquias, à revalorização das Igrejas locais e a escuta do mundo inteiro, como o cardeal Martini fazia corajosamente. Bento XVI, no seu clericalismo, era impulsionado por forças centrípetas; agora são necessárias energias centrífugas.
Com um bispo proveniente do Novo Mundo, da África ou das Filipinas, o Espírito Santo pode nos surpreender mais do que com um defensor do Velho Mundo. Quão jovem, estrangeiro ou de cor deve ser hoje um instrumento do Espírito Santo?
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O que Martini queria dizer ao papa. Artigo de Georg Sporschill - Instituto Humanitas Unisinos - IHU