24 Fevereiro 2013
Um ato "incomum", mas defini-lo como "revolucionário" é "prematuro", porque séculos de absolutismo e centralismo romanos, de sacralização da figura do pontífice não se apagam com uma renúncia.
A reportagem é de Luca Kocci, publicada no jornal Il Manifesto, 23-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Daniele Menozzi, professor de história contemporânea da Scuola Normale de Pisa e especialista do papado na idade moderna e contemporânea, inverte a apologética sobre o Papa Ratzinger e a sua renúncia. Nas entrelinhas, ele também sugere outra hipótese: a de que Ratzinger renunciou também para melhor orientar a nomeação do seu sucessor.
Eis a entrevista.
Professor Menozzi, que avaliações é possível fazer sobre a decisão de Ratzinger de deixar o pontificado?
Parece-me que podemos formular duas hipóteses. Ou a renúncia foi motivada pela constatação de que a linha de governo praticada nesses oito anos se revelou inadequada para enfrentar e resolver os problemas da Igreja contemporânea, e, portanto, Ratzinger levou em consideração passar a bola para chegar à identificação de um papa capaz de expressar uma perspectiva diferente de ação. Ou a renúncia encontra sua razão na convicção de que essa linha, por si só válida, não pode ser eficazmente realizada por um papa idoso, fraco e com forças em declínio, de modo que Ratzinger pensou que é preciso encontrar um sucessor capaz de realizá-la com a energia, a decisão e a determinação – e , talvez, também a rigidez – julgadas necessárias. Pessoalmente, eu considero que discursos, modalidades, tempos do ato realizado por Bento XVI tornem mais provável esta segunda hipótese.
E que ele foi esmagado por aquele mesmo poder que foi se concentrando na pessoa do pontífice e na Cúria romana, um poder que fagocita a si mesmo?
Não acredito que a centralização do poder de governo nas mãos do papa tenha sido determinante na renúncia: não consigo ver um papa que, dotado de muito poder, não seja capaz de geri-lo. Parece-me, ao contrário, que Ratzinger se deu conta da impossibilidade de governar a conflitualidade interna da Cúria. É verdade que confrontos internos na Sé romana sempre existiram na história do papado, e que as dimensões elefânticas assumidas hoje pela Cúria os agigantaram.
No entanto, parece-me que a linha do papado os exasperou, acabando por torná-los ingovernáveis. Um exemplo é a tentativa de recuperar os tradicionalistas: é evidente que os seus repetidos fracassos induziram os setores curiais contrários à aceitação das condições gradualmente postas pelos lefebvrianos para continuar o diálogo com Roma a buscar posições de maior poder, a partir dos quais pudessem conter a temida deriva tradicionalista do pontificado.
Mas, mais em geral, com a sua ação de governo herdeira da tradição intransigente do século XIX – que prospecta uma presença diretiva da Igreja sobre aspectos da vida coletiva que as pessoas, ao invés, se sentem capazes de autodeterminação –, Ratzinger acentuou as contradições entre a comunidade eclesial e a sociedade. E as várias facções presentes na Cúria conseguiram alavancar esse aspecto para "ideologizar" e, portanto, maximizar, as suas demandas de poder, enrijecendo os conflitos, provavelmente até um ponto de não retorno.
Ao longo do tempo, se assistiu a uma progressiva sacralização do pontificado e dos pontífices: basta pensar no fato de que, particularmente durante os reinos de Pio XII e de João Paulo II, os papas procederam a canonização dos seus antecessores, quase querendo santificar o ministério petrino e, consequentemente, aqueles que detêm e exercem esse ministério. A renúncia de Ratzinger poderia contribuir para interromper essa tendência?
De um certo ponto de vista, a renúncia representa uma normalização do papado. Os bispos, aos 75 anos, são obrigados a apresentar a renúncia. O papa é o bispo de Roma. Mesmo com o privilégio de decidir por si só o momento de abandonar o ministério, sem ter que, portanto, submeter-se às normas canônicas, o bispo de Roma também se alinha à normativa prevista para o episcopado universal, segundo o qual, em um certo ponto da vida, é preciso abandonar as funções desempenhadas.
Naturalmente, esse ato não vincula os sucessores, que serão livres para se adequar ou não ao anterior. Ma, entre a renúncia ao governo da Igreja universal – mesmo que se tornasse práxis futura do papado – e a dessacralização da figura do papa – que foi profundamente introjetada na mentalidade católica durante os últimos dois séculos –, passa um abismo.
A sacralização é quase um dado imutável?
Imutável não, mas certamente não é suficiente a renúncia de um papa para interromper e romper essa tendência. O papa, nos primeiros séculos cristãos, era definido como "sucessor de Pedro", depois se tornou "vigário de Cristo" e, por fim, com uma forte insistência nesse ponto na era da secularização, "vigário de Deus". Trata-se de um mecanismo em curso há séculos, fortemente enraizado na mentalidade católica, que dificilmente pode ser desmontado pela renúncia de um pontífice. Parece-me que é preciso um tempo longo e mais gestos para dessacralizar a figura papal.
Mas a renúncia de Ratzinger é realmente um evento revolucionário?
O ato, sem dúvida, é incomum com relação aos mecanismos aprovados pela instituição eclesiástica e é ainda mais marcante pela diferença com a escolha de João Paulo II de tornar a sua doença e a sua morte testemunhas do modelo de vida cristã que ele considerava como exemplar.
A ponto de fazer esquecer toda a ação de governo de Ratzinger – sem falar dos 20 anos abundantes em que ele foi prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé –, fortemente restauradora, transformando-o em um papa reformador?
Nestes dias, desencadeou-se uma maciça apologética, provavelmente motivada também pela tentativa de fazer esquecer as derrotas concretas com as quais a linha de governo de Bento XVI se deparou ao se confrontar com quase todos os nós da atual situação eclesial. Mas só poderemos saber se a renúncia ao pontificado representa um evento "revolucionário" nos próximos meses, e talvez o resultado do conclave nos ajudará a entendê-lo.
E se a renúncia, reconhecendo a incapacidade de governar a Igreja, não é apenas um modo de orientar de forma decisiva o conclave na escolha do seu sucessor? Um pouco como os imperadores romanos que indicavam o seu "delfim" quando ainda estavam vivos...
Dos discursos que Bento XVI fez desde o anúncio da renúncia até o início da "sede vacante", de fato, é possível traçar o perfil do seu sucessor assim como Ratzinger o desejaria: relativamente jovem, dotado de energia, severidade e capacidade de governo para realizar o que, de sua parte, ele não conseguiu fazer. E é inevitável, apesar das previsíveis declarações de não intromissão e interferência, que Ratzinger influencie no conclave: cada ato seu, cada palavra sua, cada gesto seu teve e terá um peso. Mesmo o momento me parece ser, em alguns aspectos, estudado: forçar os cardeais a agir com pressa, porque é difícil chegar à Páscoa sem que já haja um novo papa.
Há uma "frente progressista" no conclave?
Não acredito. Mas, se existe, é fraca demais, porque é um conclave inteiramente nomeado, e "blindado", por Wojtyla e Ratzinger.
Portanto, virá um novo papa conservador?
Dependerá dos cardeais reunidos no conclave: se alguém tiver a coragem de apresentar as dificuldades que a reproposição de uma linha neointransigente encontrou, então os jogos poderiam se reabrir. Eu acredito que, se no conclave se chegar a uma discussão verdadeira sobre o papel da Igreja na sociedade contemporânea a partir da constatação dos fracassos do projeto de neocristandade proposto nas últimas duas décadas, então se poderá reabrir alguma fresta e se verificar algumas surpresas.
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Renúncia do Papa. Um ato incomum. Mas dizer que é revolucionário é prematuro. Entrevista com Daniele Menozzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU