14 Fevereiro 2013
"O mandamento da caridade de Cristo nunca se sentiu confortável com a economia e com a racionalização social que constituíram a força do Ocidente e a sua triunfante agressividade", afirma Gianni Vattimo, filósofo e deputado italiano, em artigo publicado no jornal Il Fatto Quotidiano, 13-02-2013.
E ele alerta: "Não deixemos que a mensagem de Bento XVI caia nas fofocas ou na conspiração vaticanesca. Levá-la a sério como ela merece também significa colocá-la no horizonte epocal que lhe compete".
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
E se realmente tivessem vencido Flores e Odifreddi, e os tantos cientistas dogmáticos como eles, determinando no pobre Papa Bento XVI uma crise de fé a tal ponto de induzi-lo a renunciar? É uma hipótese, de fato, nada injuriosa e inverossímil: o Papa Ratzinger sempre apoiou com toda a sua força que razão e fé não estão em contraste, e que, portanto, a adesão ao cristianismo se fundamenta naqueles preambula fidei que foram expostos por São Tomás e que, por séculos, foram a base do ensino nos seminários católicos.
Pois bem, dada a absoluta imprevisibilidade e gratuidade do seu gesto – certamente o maior e mais nobremente edificante de todo o seu pontificado –, a única explicação que se pode dar a ela, e que ele mesmo forneceu na sua declaração ao consistório de segunda-feira de manhã, é a de um ato de consciência, decidido em homenagem a uma obrigação interior à qual ele não quis se isentar.
Diante de todas as motivações práticas, políticas, econômicas (alguém poderia pensar no IOR), ele provavelmente se deu conta de que, na situação da Igreja hoje, a renúncia é a única coisa que um papa pode seriamente fazer, em vez de continuar lutando para isentar o Vaticano do ICI [imposto predial do qual a Igreja está isenta], ou excomungado preservativos, homossexuais, uniões civis.
É com o distanciamento de todas as "funcionalidades" terrenas e, portanto, mostrando finalmente a face anárquica, e autenticamente sobrenatural, do Evangelho, que o cristianismo pode voltar a ser uma escolha de vida possível para as pessoas do nosso tempo.
Se Jesus vivesse hoje entre os seus pseudo-sucessores, ele abandonaria imediatamente o Vaticano, talvez voltaria para a Palestina para estar próximo dos perseguidos e espoliados de lá, certamente não perderia mais tempo, e alma, seguindo as vicissitudes da política italiana, ou pressionando as autoridades civis de todo o mundo para que, em homenagem à "antropologia bíblica", as leis proíbam a eutanásia, a fecundação heteróloga, a adoção por parte de casais gays e, naturalmente, o aborto e o divórcio.
De fato, não é extravagante pensar que essa crise de consciência papal possa ser realmente, ou ao menos legitimamente, interpretada como um evento decisivo nas relações do cristianismo com a "racionalidade ocidental", que por um longo tempo, e com boas razões, já liquidou os preambula fidei, revelando-se aquilo que é: racionalidade calculista do mundo "economicamente" organizado, dos técnicos motivados pelo seu saber "objetivo" e, no fim, da lógica bancária que todos conhecemos e sofremos na nossa pele.
Insistir na ideia de que a fé em Jesus Cristo é uma escolha racionalmente motivada significa realmente condenar-se a perecer junto com o Ocidente capitalista, já em decadência.
Além disso, o mandamento da caridade de Cristo nunca se sentiu confortável com a economia e com a racionalização social que constituíram a força do Ocidente e a sua triunfante agressividade.
Não deixemos que a mensagem de Bento XVI caia nas fofocas ou na conspiração vaticanesca. Levá-la a sério como ela merece também significa colocá-la no horizonte epocal que lhe compete.
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E se o papa teve uma crise de fé? Artigo de Gianni Vattimo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU