28 Janeiro 2013
É preciso recuperar, em nome de uma nova evangelização, a capacidade de síntese da qual nasceram laboriosamente, na real comunhão e colaboração entre Magistério e teologia, os documentos do Concílio Vaticano II.
A opinião é do teólogo italiano Rosino Gibellini, doutor em teologia pela Universidade Gregoriana de Roma e em filosofia pela Universidade Católica de Milão. O texto foi publicado no blog Teologi@Internet, 25-01-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A historiografia de assinatura católica se faz a pergunta: qual teologia antecipou e preparou o Vaticano II? Entre as primeiras fontes, evidencia-se o artigo de Yves Congar, Uma conclusão teológica para a Investigação sobre as Razões Atuais da Incredulidade, que apareceu na La Vie Intellectuelle (1935), na conclusão da Investigação promovida pela mesma revista, La Vie Intellectuelle, em 1933-1934, sobre as razões da incredulidade nos diferentes ambientes da sociedade francesa.
Congar falava no seu comentário de "fé desencarnada": "A fé, por assim dizer, se desencarnou, esvaziada do seu sangue humano". A resposta-avaliação de Congar começou a introduzir "uma linguagem encarnacionista", para superar o "divórcio" entre Igreja e mundo. Está posto aí, nos anos 1930, com cerca de 30 anos de antecipação, um dos principais temas do futuro concílio do século XX, que entusiasmou os espíritos: Igreja e mundo.
Naqueles anos 1930 – na primeira metade do século, e depois da atormentada crise modernista –, a teologia católica (ou católico-romana) se desenvolveu em duas linhas: a linha repetitiva de uma neoescolástica, que procedia em geral por teses e conclusões teológicas, que Congar chamada de "teologia barroca"; e uma teologia inovadora, que era desqualificada como nouvelle théologie, mas que o historiador de Louvain Roger Aubert, que escrevia depois do Concílio Vaticano II, assim avaliava: "Se tentássemos, em um breve epílogo, fazer o ponto sobre o movimento teológico tal qual se manifestava na sua efervescência um pouco exuberante por volta de 1950, quando a encíclica Humani Generis era o início da curva descendente que caracterizou os últimos anos do pontificado de Pio XII, se poderia dizer que esse movimento teológico, sustentado por uma dupla preocupação, a do retorno às fontes e a da abertura ao mundo moderno, se situava exatamente na linha diretriz que sempre deve ser a da teologia e da Igreja […]".
Podem aqui ser lembradas algumas obras teológicas, que, embora na conjuntura eclesial desfavorável, foram editadas na década 1950-1959 (entre a publicação da encíclica Humani Generis e o anúncio do Concílio Vaticano II) e que documentam como as forças da renovação, mesmo que em ordem dispersa e com a necessária cautela, estão em ação:
- renovação da eclesiologia com as obras de Congar, Verdadeira e falsa reforma na Igreja (1950) e Pontos-base para uma teologia do laicato (1953), com Derrubar os bastiões (1952), de von Balthasar, e com as Meditações sobre a Igreja (1953), de De Lubac; teologia da história e das realidades terrenas com o Ensaio sobre o mistério da história (1953), de Daniélou, e com Por uma teologia do trabalho (1955), de Chenu;
- reviravolta antropológica na teologia com os Escritos sobre a teologia, de Rahner, que começam a aparecer a partir de 1954;
- nova atitude com relação ao mundo com as obras de Teilhard de Chardin, que começam a ser publicadas, postumamente, a partir de 1955;
- nova fronteira do ecumenismo com “A justificação” (1957), do jovem teólogo suíço Hans Küng. Assim, citamos somente algumas das maiores obras teológicas dos anos 1950.
O pontificado de João XXIII (1958-1963) rapidamente mudaria essa situação. Escreve Congar no prefácio à segunda edição de 1968 de “Verdadeira e falsa reforma na Igreja” (um livro cuja primeira edição caiu mal, tendo sido publicado em novembro de 1950, apenas poucos meses depois da encíclica Humani Generis, mas que, segundo o teólogo francês Jean-Pierre Jossua, discípulo de Congar, era lido e anotado pelo núncio de Paris, Dom Roncalli, e que teve "uma importância decisiva para a ideia de um concílio de reforma da vida da Igreja, o 'concílio pastoral' de João XXIII)": "João XXIII, em menos de algumas semanas, e após o concílio, criou um clima eclesial novo. A maior abertura veio de cima. De repente, forças de renovação que custavam a se manifestar abertamente podiam se desenvolver".
Não só os teólogos anteciparam com a sua reflexão e com as suas obras temas do futuro concílio, a partir da "germinação dos anos 1930" (como Chenu a chama), mas estiveram presentes e participaram do concílio como teólogos conciliares.
Estavam presentes como peritos, expressão não totalmente clara para indicar teólogos, canonistas e outros especialistas, ou mais claramente teólogos conciliares, e desempenharam "um serviço essencialmente oculto" (Karl Heinz Neufeld), não facilmente documentável. Um historiador, falando da contribuição de um teólogo como Karl Rahner, escreve: "Se explorarmos os arquivos buscando contribuições por escrito durante o concílio, não encontraremos nem um único texto redigido por Rahner 'sozinho'".
Como se tornava teólogo do concílio? Havia um regulamento, embora imperfeito, mas se tornava "perito" por chamado direto do papa ou do presidente de comissão, ou também somente por chamado de um Padre do concílio, que inseria o teólogo na sua comissão, com a confirmação do papa. Nesse sentido, lembram-se o cardeal de Colônia, Frings, acompanhado pelo perito Joseph Ratzinger; o cardeal de Viena, König, com o perito Karl Rahner; o cardeal de Milão, Montini, com o perito Carlo Colombo.
Quantos eram os peritos? No início, em 1962, haviam sido chamados 201 peritos; em abril de 1963, antes da segunda sessão, o seu número havia chegado até 348; e a lista das Atas do concílio inclui 480 nomes.
Caprile, na La Civiltà Cattolica 1/1965, em uma retrospectiva sobre a 3ª sessão, escreve: "Neste ano há 434 peritos, embora nem todos estejam sempre presentes na Sala do concílio. Há entre eles nomes prestigiosos, homens que são famosos pelo seu ensinamento e pela sua atividade, pela experiência no compromisso e pelo seu enquadramento. Eles fizeram ao concílio uma contribuição constante, eficaz, desinteressada e sem clamor. Sobre os seus ombros pendia, em grande parte, a tarefa fatigante da redação, revisão, correção e reelaboração dos textos. [...] Em uma palavra, 'os intrépidos pioneiros do concílio'".
Esta recordação por escrito (de 1984) do Pe. Congar, referente a uma reunião do primeiro mês do Concílio, pode dar uma ideia da informalidade e da colaboração entre os Padres do concílio e os teólogos:
"Sexta-feira, 19 de outubro de 1962, cerca das 16h, na casa 'Mater Dei', na Via delle Mura Aurelie, 10, reunião de alguns bispos alemães e franceses e de alguns teólogos alemães e franceses convocados pelo Bispo Volk. Estavam presentes: os Bispos Volk, Reuß, Bengsch (Berlim), Elchinger, Weber, Schmitt, Garrone, Guerry e Ancel, os padres Rahner, De Lubac, Daniélou, Grillmeier, Semmelroth, Rondet, Labourdette, Congar, Chenu, Schillebeeckx, os professores Feiner e Ratzinger, Mons. Philips, padre Fransen e o professor Küng. Assunto: Discutir e fixar uma tática no que se refere ao comportamento a se ter diante dos esquemas teológicos. Em uma discussão que durou quase três horas, vieram à luz, naturalmente, todas as possíveis nuances...".
Também se revelaram dificuldades, por causa da crescente influência dos peritos, como aflora destas linhas (datadas de 5 de novembro de 1964) do famoso correspondente do jornal parisiense Le Monde, H. Fesquet:
"Os especialistas do Concílio Vaticano II (...) certamente são padres conciliares que se tornaram homens perigosos. Assim se compreende por que esses especialistas (...) são muito influentes. Elaboram os posicionamentos dos bispos e influenciam o desenvolvimento do pensamento. Quem são? Algumas centenas de teólogos (…). Da França, os especialistas são, por exemplo, os padres De Lubac, Daniélou, o Rev. René Laurentin e outros, sem contar os teólogos conselheiros sem bispo, como os padres Chenu, Liégé e outros".
Mas também devemos lembrar que Paulo VI havia comunicado ao concílio, no dia 13 de novembro de 1965, que, "para testemunhar a sua benevolência com relação aos especialistas, dentre os quais muitos haviam trabalhado com o maior amor pela Igreja e com verdadeiro zelo, às vezes, porém, no mais completo silêncio", ele convidaria alguns deles para a concelebração da missa por ocasião da promulgação da constituição dogmática sobre a Revelação Divina e do decreto sobre o apostolado dos leigos.
Sintetiza o teólogo da Gregoriana Karl Neufeld, que estudou o assunto: "Juntamente com os bispos que, ao longo do concílio, não haviam conseguido dar à sua missão um novo significado, os peritos também haviam adotado um modo de colaborar que correspondia melhor à complexidade das tarefas fixadas e à necessidade de uma elaboração teológica competente, diligente e convincente".
O estatuto dos teólogos e das teólogas hoje
Reconhece-se que o entusiasmo do concílio havia favorecido uma colaboração ativa entre bispos e teólogos, que não precisou de uma teorização. Chegamos aqui ao segundo ponto sobre o estatuto dos teólogos e das teólogas hoje. Não se trata aqui de definir abstratamente, sob o perfil canônico e teológico, tal estatuto, nem de percorrer a história das tensões entre magistério e teologia no pós-concílio (ainda não existe uma história bem documentada a propósito), mas sim propor algumas reflexões orientadoras no espírito da memória do Concílio Vaticano II, que se celebra e se celebrará nestes anos.
Na constituição dogmática Dei Verbum (18 de novembro de 1965), lê-se no n. 23 uma afirmação muito repetida pelos defensores de uma teologia magisterial: "É preciso, porém, que os exegetas católicos e os demais estudiosos da sagrada teologia, trabalhem em íntima colaboração de esforços, para que, sob a vigilância do sagrado magistério, lançando mão de meios aptos, estudem e expliquem as divinas Letras de modo que o maior número possível de ministros da palavra de Deus possa oferecer com fruto ao Povo de Deus o alimento das Escrituras, que ilumine o espírito, robusteça as vontades, e inflame os corações dos homens no amor de Deus".
O texto parece definir uma teologia magisterial, mas está situado em um documento do concílio, que teve uma complexa história redacional, que o teólogo perito conciliar Joseph Ratzinger assim sintetizou no seu "iluminado comentário" (Otto Hermann Pesch) de 1966-1968. Escreve o teólogo Ratzinger:
"Um pedaço decisivo da história do concílio encontra assim [com a promulgação da constituição sobre a Revelação] um resultado conciliatório. O texto que, naquele dia, foi solenemente proclamado pelo papa traz consigo naturalmente os traços da sua sofrida história é expressão de inúmeros compromissos. Porém, o compromisso de fundo que o sustenta é mais do que um compromisso, é uma síntese de grande importância: o texto conecta a fidelidade à tradição eclesial com o consentimento à ciência crítica e descerra desse modo, de uma nova maneira, o caminho para a fé no mundo de hoje. Ele não renuncia a Trento e ao Vaticano I, mas também não mumifica o que aconteceu então, dado que é consciente de que a fidelidade nas coisas espirituais só é realizável mediante uma sempre nova assimilação. Olhando para o conjunto do resultado alcançado pode-se, portanto, afirmar sem reservas que o esforço daquela disputa que durou quatro anos não havia sido em vão".
Aqui se constata que o documento sobre a Revelação (e em geral os documentos conciliares) são o fruto de um compromisso, que é síntese de três instâncias: fidelidade à tradição eclesial, reconhecimento da teologia como ciência crítica, responsabilidade pelo anúncio do Evangelho no mundo.
Mas o teólogo Otto Hermann Pesch, que na sua História do Concílio Vaticano II identifica e cita como relevante o texto do comentário de Ratzinger à Dei Verbum, olhando para a situação presente, escreve (nos anos 1990), com uma certa amargura: "No 'núcleo duro', no entanto, evita-se o aviso de que não existe uma real comunhão, em certos casos até mesmo uma forma de disputa, entre o magistério e a teologia, mas que há aqui o anúncio e lá a teologia, que é forçada a uma obediência interior e exterior diante do ensino oficial – embora ainda não formalmente dogmatizado – da Igreja. Na realidade, com essa visão não é nem sequer respeitado o laborioso compromisso alcançado pela constituição sobre a revelação". Assim, evidencia-se a passagem da cooperação no concílio a uma justaposição entre Magistério e teologia nas décadas seguintes.
Cito – para concluir – um recente documento oficial sobre a Teologia hoje, assinado pela Comissão Teológica Internacional de 2012, que se mostra consciente dos problemas existentes e se situa na linha de uma desejada cooperação entre bispos e teólogos. Escreve o recente documento vaticano no n. 42: "Inevitavelmente, às vezes, poderá haver tensões no relacionamento entre os teólogos e bispos. Em sua análise profunda da interação dinâmica, no organismo vivo da Igreja, (…) o Beato John Henry Newman reconheceu a possibilidade de tais 'colisões crônicas ou contrastes', e é bom lembrar que ele via isso como 'de acordo com a natureza das coisas'".
E a Tese 9 do documento Magistério e Teologia, de 1975, continua citando: "Com relação às tensões entre teólogos e Magistério, a Comissão Teológica Internacional assim se expressou em 1975: 'Onde há verdadeira vida, ali também há uma tensão. Esta não é inimizade nem verdadeira oposição, mas sim uma força vital e um estímulo a desempenhar comunitariamente e de modo dialógico o ofício próprio de cada um".
Talvez seja preciso recuperar, em nome de uma nova evangelização, essa capacidade de síntese, da qual nasceram laboriosamente, na real comunhão e colaboração entre Magistério e teologia, os documentos do Concílio Vaticano II.
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O papel da teologia no Concílio e o estatuto os teólogos e teólogas hoje - Instituto Humanitas Unisinos - IHU