28 Janeiro 2013
Em 2006, o Papa Bento XVI suprimiu repentinamente o seu título de Patriarca do Ocidente. Por quê? Mistério... Ainda mais que essa decisão não foi acompanhada por nenhuma comunicação prévia do Vaticano. O padre Christophe Delaigue, sacerdote diocesano da região de Grenoble, na França, questiona essa supressão em uma pesquisa universitária intitulada O Papa, Bispo de Roma, Sucessor de Pedro, Patriarca do Ocidente?.
A reportagem é de Hugues Lefèvre, publicada na revista francesa La Vie, 18-01-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em dezembro passado, o Conselho das Igrejas Cristãs da França (CECEF) – que reúne os responsáveis pelas famílias eclesiais anglicana, armênia, católica, ortodoxa, protestante – entregou a C. Delaigue um prêmio por essa investigação sobre a história e os textos.
Eis a entrevista.
Por que você começou essa investigação?
Em março de 2006, os jornalistas descobriram, dissecando o Anuário Pontifício, que o título de Patriarca do Ocidente já não fazia mais parte dos atributos do soberano pontífice. A partir da surpresa inicial, seguiu-se um espanto entre os ortodoxos, ou no mínimo interrogações... O papa se considerava novamente chefe de toda a Igreja universal, pondo-se acima dos bispos e das Igrejas do Oriente? Os ortodoxos interpretaram essa supressão como uma espécie de "golpe" de Roma contra todo o mundo cristão.
O Vaticano explicou esse gesto?
Diante de um clamor geral, e visivelmente precipitado, o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos expressou duas motivações. No seu comunicado, a Igreja Católica considera o título de Patriarca do Ocidente como "obsoleto" e sem sentido. Em seguida, anunciou que essa supressão poderia abrir novos caminhos ecumênicos. No entanto, há sete anos: silêncio! O papa nunca se pronunciou sobre a questão. É como se Roma tivesse perdido o mapa dessas novas estradas...
O que está em jogo na questão do patriarcado?
O primado de honra entre os diversos centros históricos da tradição cristã. Historicamente, o patriarcado é o único ponto comum entre a Igreja grega e a latina. Em 325, o primeiro Concílio Ecumênico de Niceia concedeu um privilégio de honra aos bispos de Roma, Antioquia, Alexandria e Jerusalém. Alguns anos depois, seria a vez de Constantinopla também, com o segundo Concílio Ecumênico. Essas cinco sedes formariam os tradicionais patriarcados. Estourariam disputas pelo primado entre Roma e os patriarcas grego, liderados por Constantinopla. Depois do cisma de 1054, o bispo de Roma manteria simbolicamente o seu título de Patriarca do Ocidente. É por isso que a decisão da Santa Sé podia dar a impressão de tornar mais forte a ruptura entre o Oriente e o Ocidente. Era o desaparecimento de uma referência a uma história comum.
Mas não são disputas de outra época, "bizantinas", como se diz? Qual é o interesse para os cristãos de hoje?
Esse episódio obriga cada uma das Igrejas a refletir sobre o seu próprio funcionamento, sobre o seu próprio modo de exercer a autoridade e sobre o modo de considerar as outras Igrejas. Assim, graças à decisão de Bento XVI, outras portas poderiam se abrir. O primeiro passo é a redefinição de "Oriente e Ocidente". Até hoje, sempre se definia o Ocidente como aquilo que não entrava nos territórios do Oriente. Já limitada, essa definição não pode mais corresponder à nossa época, por causa da diáspora dos cristãos. Por exemplo, no mundo, mais da metade dos ortodoxos se vinculam já ao patriarcado de Moscou. Se antes um patriarcado sempre era entendido como o exercício de uma autoridade sobre um território específico, hoje não pode mais ser assim. Um ortodoxo de Paris pode dizer que depende de Moscou. Hoje, faz-se mais referência a uma cultura do que a um território.
Por outro lado, o patriarca de Constantinopla, que assegura a comunhão entre os patriarcas gregos, conta hoje apenas com alguns milhares de fiéis no seu território "canônico" (Istambul e algumas ilhas). Embora muitas Igrejas reúnam mais ou menos sob a sua jurisdição, demograficamente ele não é mais representativo. A decisão de Bento XVI força a Igreja Ortodoxa a refletir sobre a sua noção de patriarcado, que deve evoluir. Além disso, os ortodoxos estão trabalhado há diversos anos para se reunirem em um concílio. Mas continua sendo difícil encontrar um entendimento sobre um calendário e sobre os temas que serão abordados, não havendo um líder efetivo. De fato, Constantinopla reivindica um primado de honra, mas a relação de forças numéricas joga em favor de Moscou.
Quais são as consequências para a Igreja Católica?
A supressão do título de Patriarca do Ocidente obriga a refletir sobre o funcionamento interno da Igreja Católica. Em 1971, Joseph Ratzinger, em um livro intitulado O novo povo de Deus, propunha a descentralização de certas prerrogativas detidas por Roma e atribuir-lhes a jurisdições regionais. Em vez de um bloco monolítico, pensava-se no surgimento de "Igrejas continentais", evidentemente em comunhão com o papa. Um modo de preservar uma figura forte em um espírito de colegialidade efetiva. Esse tipo de "patriarcado à oriental" teria a vantagem de novamente dar ao sucessor de Pedro o seu verdadeiro carisma de ministro da comunhão e de atenuar o seu papel de monarca reinante.
O que aconteceu com essa proposta de descentralização do poder?
Permaneceu letra morta. É claro, o Vaticano II abrira a porta criando conferências episcopais continentais. Mas, nos fatos, elas não têm poder jurídico, já que todas dependem de Roma. Quando olhamos para a situação de divisão dentro da Comunhão Anglicana, é verdade que parece mais simples ter uma figura forte e única, que mantém a unidade. Mas é a melhor forma de governar? A mais cristã? A pergunta deve ser feita.
É uma questão que diz respeito somente a católicos e ortodoxos?
A supressão do título de Patriarca do Ocidente também pode ser interpretada como a vontade de Roma de reconhecer as diversas formas de Igrejas presentes no Ocidente. De fato, protestantes e anglicanos nem sempre são reconhecidos por Roma verdadeiramente como Igrejas. Mas, para ir na direção do ecumenismo, cada um dos atores deve ser respeitado. O título de Patriarca do Ocidente não pode ser "concentrado" na pessoa do papa, como antes da Reforma. Muitos cristãos do Ocidente não se vinculam mais ao catolicismo. Removendo o seu título do meio do caminho, o papa certamente não pretende se propor como o chefe de todos os cristãos, mas poderia pôr a Igreja Católica ao lado das outras Igrejas do Ocidente, em um espírito de diálogo e de paz.
Para o senhor, trata-se, então, de um passo rumo à reconciliação?
Essa interpretação continua sendo uma hipótese. Mas, embora nada tenha se mexido depois de sete anos, essa decisão pode ser entendida como um passo rumo a uma reconciliação. Ela mostra que as Igrejas cristãs devem repensar a sua organização, às vezes superada pelas evoluções culturais, demográficas e sociais. As riquezas e as interrogações levantadas por alguns podem ajudar outros a refletir. Neste sentido, João Paulo II falava de "troca de dons" entre as Igrejas, para encontrar um caminho eficaz rumo ao ecumenismo. O abandono do título pode facilitar a implementação de uma estrutura visível de unidade, em um espírito de colegialidade efetiva.
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Bento XVI suprimiu o título de Patriarca do Ocidente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU