11 Dezembro 2014
Recentemente, voltou-se a falar sobre a pesquisa teológica do jesuíta Jacques Dupuis, após a publicação dos seus textos inéditos, escritos por ocasião do processo aberto pela Congregação para a Doutrina da Fé (Perché non sono eretico [Por que não sou herético], Ed. EMI, 2014).
O teólogo leigo italiano Christian Albini, coordenador do Centro de Espiritualidade da diocese de Crema, na Itália, e sócio-fundador da Associação Viandanti, propõe aqui uma reconstrução da posição de Dupuis.
O artigo foi publicado no blog Sperare per Tutti, 09-12-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Na obra do jesuíta belga Jacques Dupuis (1928-2004), o encontro fez parte da sua história pessoal, especialmente graças aos 27 anos que ele passou na Índia. Dupuis, depois, lecionou na Universidade Gregoriana e foi consultor do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso e da Comissão para a Missão e a Evangelização do Conselho Mundial de Igrejas de Genebra.
A sua contribuição mais importante é a que foi oferecida no livro Verso una teologia cristiana del pluralismo religioso [Rumo a uma teologia cristã do pluralismo religioso], que se tornou ponto de referência inevitável [1]. Aqui, apresento uma síntese dos seus principais conteúdos, para depois me deter nas observações dirigidas ao texto pela Congregação para a Doutrina da Fé.
A obra de Dupuis, em primeiro lugar, é uma introdução geral à teologia das religiões, em que o autor se pergunta qual significado positivo pode possuir, no plano divino para a humanidade, o atual pluralismo religioso. De um ponto de vista histórico, ele se preocupa em evidenciar como, na Palavra de Deus e na teologia dos Padres, havia os fundamentos de uma tal visão.
Em particular, ele se concentra na teologia do Lógos em João, que, por sua vez, está ligada à mensagem vetero-testamentária da Sabedoria, que estava presente com Deus antes que o mundo fosse criado e através do qual foram feitas todas as coisas; delineia-se, assim, um envolvimento universal e ativo de Deus na história humana, "que torna possível uma abordagem positiva às religiões do mundo" [2].
No mesmo rastro colocaram-se os Padres que elaboraram a teologia das "sementes do Verbo": aos seus olhos, a história da salvação ultrapassa as fronteiras da economia judaico-cristã para se estender às culturas vizinhas com as quais ela se encontrou.
Dupuis documenta, assim, a existência, na tradição mais antiga, de uma fé na presença salvífica de Deus junto a todos os povos, mediante o seu Verbo. Essa consciência, enraizada no Novo Testamento, atribuía a Cristo um significado cósmico pelo qual a sua influência se estende, como em círculos concêntricos, para além do espaço da Igreja visível até os próprios limites do universo. Todos os seres humanos, por isso, são alcançados, de algum modo, pelo Lógos.
A história religiosa da humanidade, nas suas várias articulações, era, assim, integrada na única história do diálogo entre Deus e o mundo, que culminou na Encarnação do Verbo.
A partir daí, Dupuis realiza um panorama ao longo das atitudes cristãs positivas em relação às outras religiões, assinalando alguns nomes representativos: Gregório VII, Pedro Abelardo, Francisco de Assis, Raimon Lull, Nicolau de Cusa.
É uma verdadeira corrente orientada para a abertura que nunca desaparece, nem mesmo depois da atestação explícita, na doutrina magisterial, do axioma "Fora da Igreja não há salvação", com o Concílio de Florença, em 1442 [3].
Se, para conquistar a salvação, é indispensável a fé cristã vivida em comunhão com a Igreja – esse é o sentido da fórmula –, decorre daí a condenação de todos os não cristãos? A fim de reiterar a universalidade da vontade salvífica de Deus declarara pela Escritura, ao responder a essa pergunta, a reflexão teológica propôs aqueles que foram definidos como "substitutos" da fé em Jesus Cristo e da pertença à Igreja, que estariam substancialmente presentes também em formas não conscientes e manifestas.
Essas tentativas receberam um reconhecimento indireto do magistério com a condenação do baionismo e do jansenismo (entre os séculos XVI e XVII), com a qual foi rejeitada a tese de que fora da Igreja não é concedida nenhuma graça.
A reconstrução de Dupuis é preciosa por documentar como uma tradição inclusiva esteve presente ao longo de toda a história do catolicismo, embora minoritária em certos períodos, desmentindo, assim, as críticas ao ensinamento do Concílio Vaticano II, que vai na mesma direção, visto como uma espécie de ruptura em relação à autêntica fé cristã.
O diálogo tem a sua razão de ser no Evangelho e é um desenvolvimento seu, como eu já tive ocasião de defender. A obra do teólogo, porém, não se reduz ao aspecto histórico – em certificar e reiterar o que já foi dito –, mas busca novos desenvolvimentos.
De fato, uma vez introduzidas as recentes tendências da teologia das religiões, Dupuis se dedica à questão mais importante para ele.
"A nova perspectiva não se limita mais ao problema da 'salvação' dos membros das outras tradições religiosas, nem mesmo ao do papel de tais tradições na salvação dos seus membros. Ela busca mais em profundidade, à luz da fé cristã, o significado que a pluralidade das fés vivas e das tradições religiosas pelas quais estamos cercados reveste dentro do desígnio de Deus para a humanidade. Em tal desígnio, as tradições religiosas do mundo, talvez, estariam destinadas a uma convergência universal? Onde, quando e de que modo?" [4].
É a situação de fato, da qual eu também parti, que solicita essas novas perguntas. Quando o outro é um estranho, pertencente a um mundo separado e distante, é fácil vê-lo apenas como um inimigo. Bem diferente é o contexto planetário de hoje, em que a convivência é uma necessidade.
Dupuis responde apresentando a unicidade e a universalidade de Jesus Cristo como "constitutivas", já que a sua pessoa e a sua história pascal possuem valor salvífico para toda a humanidade, e como "relacionais", já que tal pessoa e tal evento se inserem em um desígnio abrangente de Deus para a humanidade, que é dotado de muitas facetas e cuja realização na história é composta de diversos tempos e momentos.
Em Jesus, a plenitude da revelação de Deus assumiu rosto e carne humanos, como narra o Prólogo do Evangelho segundo João, como ápice de uma presença de Deus, que, ao longo da história, se manifestou à humanidade "de diversos modos" (cf. Hebreus 1, 1). Uma presença que não se limita apenas à tradição judaico-cristã, já que em uma perspectiva trinitária o Espírito está presente e ativo em toda experiência autêntica de Deus.
Em substância, através do Espírito, a salvação de Jesus Cristo está presente e opera também nas outras fés religiosas, que, por isso, estão em relação com ele. A esse propósito, Dupuis fala de uma "complementaridade recíproca" entre fés religiosas, "mediante a qual, entre o cristianismo e as outras tradições, ocorre um intercâmbio e uma partilha de valores salvíficos do qual pode brotar um enriquecimento e uma transformação recíprocos" [5].
Aqui, não estou fazendo uma exposição detalhada da pesquisa do teólogo jesuíta, mas sim um convite à leitura da sua obra. Não posso, porém, ignorar o fato de que ela também despertou críticas, até mesmo acesas, segundo as quais ele teria realizado uma relativização da figura de Jesus como único revelador e salvador, e do papel salvífico da Igreja.
É sabido como o texto foi objeto de uma investigação por parte da Congregação para a Doutrina da Fé, presidida pelo então cardeal Joseph Ratzinger, que foi motivo de sofrimento para o padre Dupuis, e levou a uma Notificação (24 de janeiro de 2001), em que foram relatadas as verdades de fé a serem mantidas em mente na leitura do livro.
O documento vaticano não "condena" a obra, mas pretende evitar ambiguidades e mal-entendidos por parte do leitor, com base em formulações individuais ou explicações insuficientes nela contidos, para além das intenções do autor. O que significa que, para o magistério católico, a proposta de Dupuis é válida, considerada no seu conjunto e à luz das pontualizações da Congregação.
Uma vez reiterado que a ação salvífica do Verbo não opera independentemente da encarnação em Jesus de Nazaré e que, n'Ele, a revelação divina é completa e perfeita, pode-se defender que as sementes de verdade e de bondade presentes nas diversas tradições religiosas são causa de salvação por motivo da sua participação na revelação de Cristo, razão pela qual, como defende Dupuis, estão em relação com ele.
"Dizer que Deus é o Cristo-Verbo significa confessá-lo na origem dos caminhos de Deus na história humana" [6], na história judaico-cristã, mas não só. Reconhecer em Jesus a plenitude da revelação significa garantir que a universalidade da salvação corresponde ao desígnio original de Deus para a humanidade.
O ponto verdadeiramente problemático é o da complementaridade ao qual se reconecta o papel da Igreja. A Notificação destaca que, segundo a fé cristã, Jesus é o mediador, o cumprimento e a plenitude da revelação, e que a revelação histórica de Jesus Cristo oferece tudo o que é necessário para a salvação e não precisa ser completada por outras religiões.
Por outro lado, especifica que só se terá o pleno conhecimento da revelação divina no dia da vinda do Senhor. Se a revelação é completa, não o são o conhecimento e a compreensão que nós possuímos podemos dela, por sermos limitados e marcados pelo pecado. Jesus Cristo, crucificado e ressuscitado, é a verdade, e os cristãos estão a caminho rumo a ele.
Então, as sementes de verdade que existem nas outras religiões – sem negar ou ignorar as diferenças existentes – podem ajudar os cristãos a descobrir e aprofundar aspectos da revelação ainda não plenamente conhecidos. Complementaridade não é acrescentar alguma coisa que não existe, mas fazer com que venha à luz aquilo que ainda não está totalmente claro.
Nessa linha, no que diz respeito à Igreja, sinal e instrumento de salvação, se o Espírito operante depois da ressurreição de Jesus "é sempre o espírito de Cristo enviado pelo Pai, que atua de maneira salvífica também fora da Igreja visível" [7] – como atestam a Gaudium et spes (n. 22) e a Redemptoris missio (n. 28-29) –, os não cristãos, como depositários da efusão do Espírito, por sua vez, estão unidos à Igreja.
De fato, a Lumen gentium (n. 8) reconhece explicitamente que os elementos de santificação e de verdade, que se encontram fora do órgão eclesial visível, pertencem propriamente, por dom de Deus, à única Igreja de Cristo.
As outras religiões, com os seus textos sagrados, por isso, constituem vias de salvação complementares, não como adjuntivas ou alternativas à Igreja de Cristo, mas porque o dom do Espírito de que elas são depositárias as une a ela, embora de modo não evidente. É a Igreja composta por círculos concêntricos cada vez mais vastos que se dilatam em torno de Cristo.
"Não é o Evangelho que muda. Somos nós que o compreendemos um pouco melhor", confidenciava João XXIII dez dias antes de voltar para o Pai. O valor positivo das outras religiões e o serviço da pesquisa teológica, assim como a realizada por Jacques Dupuis em fidelidade à Igreja Católica, está justamente em aumentar a compreensão do Evangelho.
Notas:
[1] Jacques Dupuis. Verso una teologia cristiana del pluralismo religioso. Bréscia: Queriniana, 1999.
[2] J. Dupuis, op. cit., p. 75.
[3] O axioma, atribuído a São Cipriano, pode ser remontado, em uma formulação diversa, a Inácio de Antioquia. Sobre a sua história e interpretação, remeto a Giacomo Canobbio. Nessuna salvezza fuori della Chiesa? Storia e senso di un controverso principio teologico. Bréscia: Queriniana, 2009.
[4] J. Dupuis, op.cit., p. 19.
[5] J. Dupuis, op.cit., p. 439.
[6] Alberto Cozzi. Conoscere Gesù Cristo nella fede. Una cristologia. Assisi: Cittadella, 2007, p. 209.
[7] Congregação para a Doutrina da Fé. Artigo ilustrativo da Notificação a propósito do livro de Jacques Dupuis (12 de março de 2001).
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Unidade das religiões na complementaridade: a teologia de Jacques Dupuis - Instituto Humanitas Unisinos - IHU