09 Dezembro 2014
Agora que o Papa Francisco confirmou sua viagem aos Estados Unidos em setembro próximo, com destino à cidade da Filadélfia para um encontro de famílias promovido pelo Vaticano e, provavelmente, também às cidades de Nova York e Washington, os meios de comunicação norte-americanos já estão começando a acelerar o ritmo para uma saturada cobertura midiática.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio Crux, 06-12-2014. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
Uma narrativa que parece destinada a aparecer cada vez mais, à medida que nos aproximamos da viagem do papa aos EUA, é a de uma suposta resistência dos bispos conservadores norte-americanos à agenda progressista do Papa Francisco.
Percebendo isso, vou lançar aqui um ataque preventivo, tentando explicar por que o refrão que diz que os "bispos dos EUA estão contra o papa" pode ser exagerado. Eu não tenho nenhuma ilusão de que meus pensamentos tenham qualquer efeito sobre a forma como a viagem será coberta, mas, pelo menos, alguma coisa vai ficar registrada.
Para começar, as impressões não são de todo sem fundamento.
O anfitrião do papa na Filadélfia, por exemplo, será o arcebispo Charles Chaput, visto como um campeão da ala conservadora da Igreja, que recentemente disse que a cobertura da mídia do Sínodo dos Bispos sobre a família em outubro tinha criado "confusão".
O cardeal aposentado e doente de Chicago, Francis George, que continua a ser um ponto de referência, apontou algumas questões que ele gostaria de perguntar a Francisco em uma entrevista recente, incluindo se o papa percebe que tem dado a impressão de que o ensinamento da Igreja está no ar.
"Eu não sei se ele está consciente de todas as consequências de algumas das coisas que ele disse e fez que levantam dúvidas na mente das pessoas", disse George.
O fato de que o cardeal Raymond Burke emergiu como um líder do ramo mais tradicionalista no sínodo estimula o enredo "Estados Unidos contra Francisco", assim como o recente rebaixamento de Burke.
Em geral, o catolicismo norte-americano coloca dois desafios únicos para um papa que é um populista econômico, e que prometeu diminuir a retórica sobre as guerras culturais. Em nenhum outro lugar do mundo, existe uma tal e forte infra-estrutura católica dedicada a defender o capitalismo, e em nenhum outro lugar, a clareza sobre as "questões da vida", como aborto e casamento gay, é uma característica definidora da identidade católica.
No entanto, há ainda quatro boas razões para que a narrativa "bispos dos EUA contra Francisco" tem que ser vista com cautela.
Em primeiro lugar, há um grande número de bispos no país, e nem todos eles pensam da mesma forma.
Os Estados Unidos têm 195 dioceses, arquidioceses e outras jurisdições, o que totaliza quase 200 bispos. Acrescentando os bispos auxiliares e aqueles que estão aposentados, o total sobe para cerca de 450.
Como resultado, é quase insignificante perguntar o que os "bispos dos EUA" pensam sobre qualquer coisa. É preciso especificar de quais bispos estamos falando, e as respostas vão variar muito.
Por exemplo, alguém realmente acredita que o cardeal Sean P. O'Malley, de Boston, ou que Dom Blase Cupich, de Chicago - o primeiro, conselheiro do papa, e o segundo, escolhido a dedo para a Cidade dos Ventos - estejam "resistindo" a Francisco?
Em segundo lugar, o Papa Francisco é o 267o papa, dependendo de como se conta, e ele também é, provavelmente, o 267o a ter que enfrentar problemas com alguns de seus bispos.
Essas tensões remontam ao Novo Testamento, e um confronto famoso entre Pedro e Paulo sobre os requisitos para os gentios que se tornaram cristãos.
Mais recentemente, tanto o papa João Paulo II quanto Bento XVI encontraram forte resistência interna, inclusive nos Estados Unidos. Quando João Paulo tirou alguns poderes do liberal arcebispo Raymond Hunthausen, de Seattle, em 1986, o presidente da Conferência dos Bispos dos EUA teve que organizar uma sessão de reconciliação entre os bispos norte-americanos e os assessores papais, por medo de que a animosidade pudesse estragar a viagem do papa aos Estados Unidos em setembro de 1987.
Seja qual for a resistência que Francisco possa ter, isso não é nada novo.
Em terceiro lugar, Francisco convocou um debate aberto sobre as questões da Igreja. No início do Sínodo, em outubro, ele leu em voz alta uma carta que tinha recebido de um cardeal dizendo que alguns prelados sentiam-se amordaçados, temendo que o papa tivesse uma opinião diferente, e Francisco pediu-lhes para não sentirem-se assim e falar abertamente.
É, portanto, falso culpar os bispos por atiçar uma "resistência" ao papa a cada vez que expressam suas opiniões sobre algum assunto. Pode-se facilmente dizer que eles estão obedecendo, e não desafiando.
Em quarto lugar, não importa o que alguns bispos norte-americanos possam pensar em particular, já que eles têm um poderoso incentivo para querer o sucesso de Francisco. Isso é porque ter um papa popular torna as suas vidas mais fáceis.
Não muito tempo atrás, quando qualquer bispo era convidado a falar na televisão norte-americana, as perguntas tratavam dos escândalos sexuais, a repressão sobre as freiras e os conflitos políticos. Hoje, eles são mais propensos a ser tratados com delicadeza devido ao papa rock-star da Igreja.
Quando os bispos vão às paróquias, as pessoas estão mais propensas a estar mais jubilosas do que com raiva. É mais fácil obter favores dos legisladores hoje, porque nenhum político quer estar do lado errado com esse papa. Quando um bispo entra em um restaurante ou entra em um táxi, a primeira coisa que provavelmente ele ouve é algo positivo sobre o Papa Francisco.
Esse impulso do "efeito Francisco" vai estar em exibição em setembro pelas enormes multidões e a cobertura intensa que ele atrai em todos os lugares que vai.
Por essas razões, muito cuidado com o comentário exagerado de denominar os bispos norte-americanos como os líderes da oposição anti-Francisco da Igreja. Há tensões, com certeza, mas uma nova revolução norte-americana não está no mapa.
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Os bispos norte-americanos estão realmente resistindo ao Papa Francisco? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU