09 Dezembro 2014
Não é um encontro previsível. Antes, querendo ser sinceros, os encontros imprevisíveis são dois.
Aquele entre um mestre saltimbanco que para os eclesiásticos jamais tem mostrado excessiva simpatia. “Avvenire” encontra Dario Fo, Prêmio Nobel de Literatura, que encontra Santo Ambrósio, bispo de Milão e de Milão patrono.
A ocasião é fornecida pela televisão. Amanhã será às 21,10, logo após a direta da “primeira” do Fidelio da Scala, Rai5 manda em onda o registro de Santo Ambrósio e a invenção de Milão, o espetáculo que Fo encenou em 2009 no Piccolo Teatro. Uma reprise à qual o autor é particularmente ligado, porque é a última na qual recitou junto à mulher, a inseparável Franca Rame, falecida aos 29 de maio de 2013.
Nas semanas subseqüentes a mesma rede transmitirá uma série de comédias de Fo – dez ao todo – inspirada prevalentemente nos grandes pintores do passado, de Giotto a Picasso, de Michelangelo a Mantegna. Na TV, de resto, Fo sempre recolheu um púbico fiel. Em junho passado, por exemplo, Lu santo jullàre Francisco, superou os 10% de share na primeira noitada de Rai1. Do pobrezinho de Deus ao Flagelo do arianismo, no entanto, o salto é empenhativo.
A entrevista é de Alessandro Zaccuri, publicada por Avvenire, 06-12-2014.A tradução é de Benno Dischinger.
"Mas não, mas não – corrige logo o Nobel -, ele diz coisas porque ao verdadeiro Ambrósio não o conhece ninguém. E quem o conhece, prefere censurá-lo”.
Realmente?
Ambrósio era um homem de poder, sobre isto não se discute. Mas detestava a hipocrisia, a corrupção. Era, mais que qualquer outro, um defensor dos pobres. Uma figura de extraordinária atualidade, isso posso assegurar-lhe.
Partimos do poder?
Na época de Ambrósio Milão era capital do Império romano, um primado que durou por mais de um século e que, uma vez mais, parece que ninguém mais recorda. Bem, nesta capital Ambrósio tinha um papel de extrema relevância, era o consularis magnus, o primeiro conselheiro do imperador Valentiniano. Naquela altura chega, inesperada e não desejada, a designação a bispo.
Ele, então, que coisa faz? Subtrai-se, encena uma fuga, se transveste, constringe a polícia a intervir. Ele que era chefe da polícia, entende?, faz de modo a terminar em meio a um escândalo.
Nada feito, cabe-lhe apresentar-se outra vez diante do público. Siga-me bem, porque aqui vem o belo.
Não perco uma palavra.
Ambrósio começa a acusar-se. Sou um infame, diz, não sou digno desta função, dentro de mim há algo que me obriga a recusar. Basta, devo ir embora. Aceitai minha demissão antes que eu acabe aceitando o encargo. É a este ponto que, segundo a tradição, se levanta a voz do menininho que diz: não, tu és um santo homem. Depois se levanta outra voz: por certo o é, repete, porque é o único homem de poder que, em vez de mascarar o seu triste comportamento, o denuncia e o admite. Me diga você se esta não é uma democracia.
E luta à corrupção.
E luta à corrupção, certo. Também se, do ponto de vista político, Ambrósio conhecia a arte do compromisso, mas jamais para fins pessoais. Vê-se isso na disputa com Simmaco, que é talvez sua obra prima na arte oratória. Um golpe após o outro, põe o interlocutor num canto, o reduz ao silêncio, argumentando a favor da libertação dos escravos, da comunidade dos bens....
Você está fazendo dele um precursor de Francisco.
Do santo de Assis e também do Papa atual, estou convencido. Nestes homens encontro a mesma coragem de golpear duramente o poder, a mesma falta de sujeição, a mesma vontade de não se rebaixar a pactos. Basta escutar com atenção as prédicas que o Papa pronuncia a cada dia em Santa Marta para dar-se conta que linguagem é aquela, aqueles são os objetivos.
Você o sabe, é verdade, que nem todos os católicos têm antipatia a Dario Fo?
Certamente o sei.
Mas a você os católicos são simpáticos?
Jamais tive prevenções, se é isto que está me perguntando. Ao contrário, a Igreja tem sido muito importante na minha vida. Recordo duas circunstâncias, em particular. A primeira remonta à minha infância. De meu lado, entre Varese e o lago Maior, há este paísinho, Domo Valtravaglia, do qual por tradição eram recrutados os pequenos cantores do Duomo de Milão. Tocou também a mim e foi deste modo que aprendi a ler a música, a trabalhar sobre a voz. Os meus mestres eram todos padres, infelizmente não os mais apreciados no ambiente eclesiástico, mas gente viva, espirituosa, que se esforçava por entender a si mesma para melhor entender os outros.
E o outro episódio?
Ainda Milão, no após-guerra. Eu freqüentava os socialistas, os comunistas, mas a marcar-me mais intensamente foram os jesuítas, que naquele momento eram capazes de empreendimentos incríveis no campo social e, mais ainda, de iniciativas muito audazes no âmbito da arte. Às vezes eu os escutava pregar e me dizia: é possível que isto seja um jesuíta? Foi então que ouvi pela primeira vez falar de Santo Ambrósio como de uma figura revolucionária. Eis, a padres deste tipo permaneci sempre próximo no decurso dos anos e eles permaneceram próximos de mim. Procuraram-me com frequência, ajudei-os toda vez que pude. A mim agrada a Igreja que está no meio dos pobres, me agradam as pessoas corajosas, que põem o valor humano na base de seu agir.
Agrada-lhe Ambrósio, em suma.
Sim, agrada-me Ambrósio, agrada-me Francisco e me agrada o Papa Francisco”.