28 Novembro 2014
A partir da frase de Jó, no Antigo Testamento, "Vou tapar a boca com a mão" (40, 4), o cardeal italiano Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, reflete sobre os ecos sapienciais na literatura contemporânea. O artigo foi publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 23-11-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
"A sapiência não é nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria e o máximo de sabor possível." Assim, Roland Barthes, ancorando-se no valor semântico primário do verbo latino sapere, "ter sabor", definia esse dom que muitos confundem com a inteligência.
Ora, no Antigo Testamento, está presente todo um setenário de escritos que o uso exegético rubricou sob o título de "livros sapienciais": Jó, Salmos, Provérbios, Qohelet-Eclesiastes, Cântico dos Cânticos, Sabedoria, Sirácides-Eclesiástico; estes dois últimos, tendo chegado até nós em grego, no entanto, estão excluídos do cânone hebraico.
Muitas outras páginas, também do Novo Testamento, porém, trazem o mesmo sinal, marcado por uma qualidade literária particular, a partir de um abordagem mais universalista (o protagonista é mais o homem do que o judeu) e existencial (aquelas que Bufalino definia como "as perguntas grandes") e de uma original compreensão teológica do mistério de Deus.
Assim, pensou-se em um congresso realizado em junho de 2012 – cujas atas foram agora publicadas [Massimo Naro. Mi metto la mano sulla bocca. Echi sapienziali nella letteratura italiana contemporanea. Roma: Città Nuova, 2014] – para filtrar, através de algumas figuras emblemáticas da cultura moderna e contemporânea, a ardente oração do Salmista, a amarga meditação de Qohelet, a doçura terna do Cântico dos apaixonados, o ardente protesto de Jó e assim por diante, em um palimpsesto muito variado, posto sob a insígnia de um lema proferido pelo grande sofredor Jó, no auge do seu conturbado itinerário.
De fato, depois de ter pedido formalmente que Deus descesse para depôr em um processo ideal não por rogatória, mas em uma autodefesa direta, ele declarava: jadî samtî lemô-pî, "vou tapar a boca com a mão" (40, 4).
A expressão tem um valor jurídico (seria quase como o ato de retirada da querela), mas, acima de tudo, sapiencial. De fato, é um sinal de espanto, um ato de silêncio, um gesto de admiração diante do abismo de um mistério que faz desaparecer toda réplica balbuciante. Porém, Deus, no seu depoimento, paradoxalmente tinha indicado não respostas, mas uma rajada de perguntas que produziram em Jó um senso de impotência argumentativa, não diante de um horizonte mistérico irracional, porém, mas de um projeto (em hebraico, 'etsah), metarracional e transcendente, dentro do qual pode encontrar lugar também aquilo que transborda da racionalidade humana restrita, como acontece com o sofrimento e o mal.
Como escrevia Ricoeur no seu Le mythe de la peine (1967), "não é uma resposta aquilo que Jó recebeu, mas é o poder de suspender a sua pergunta, compreendendo que há uma ordem incompreensível", mas não absurda.
Jó, cujos versos também estão costurados por perguntas, nos vários ensaios que compõem este livro, é um dos protagonistas, até porque a sua própria fisionomia espiritual e a sua busca é proteiforme: São Jerônimo, o célebre tradutor latino da Bíblia, não hesitava em compará-lo com "uma enguia ou uma pequena moreia: quanto mais você a aperta, mais ela escorrega da sua mão".
Com ele e com outro personagem bíblico, em certo sentido desconcertante, como Qohelet, Leopardi não podia deixar de se defrontar, revelando nas entrelinhas, várias vezes, a mesma ânsia de interrogar um céu por muito tempo mudo.
Jó intriga intimamente outra figura solitária e incompreendida como Guido Morselli, cujo lema é "Sofro, logo existo", e que ao paciente bíblico dedica páginas ardentes e iluminadoras na sua originalíssima coletânea póstuma de ensaios Fede e critica (1977).
A propósito do termo "paciente" aplicado a Jó, resta assinalar um equívoco hermenêutico comum, que se tornou, aliás, um estereótipo: por causa do retrato narrativo que serve de marco nos capítulos 1-2, entendeu-se esse adjetivo não no sentido de "sofredor", mas segundo o perfil ético da paciência que tudo suporta, uma acepção desmentida por todo o posterior e imponente texto poético, onde o grito do "paciente" é dilacerante e até blasfemo.
Por isso, Jó está mais em sintonia com autores de forte tensão religiosa e existencial, e com razão Sergio Quinzio também está envolvido na sinopse entre hebraicidade antiga e modernidade em um dos ensaios do livro. Nele, é tentado um ousado entrelaçamento entre Jó e o Cântico dos Cânticos, porque, mesmo neste último poeminha, que é tão primaveril e solar, não faltam dois noturnos de obscuro impacto doloroso.
Quinzio, assim, consegue tecer juntos os diferentes fios das duas obras bíblicas, como escreve o autor do ensaio: em Quinzio, "o amor diferido do Cântico tornou-se escatológico, o sinal supremo da expectativa de um reino sempre postergado e, por isso, marcado pela dor e pela expectativa de uma consolação maior do que a própria criação".
Muitos são os escritores convocados nos vários capítulos para um debate com a matriz sagrada: de Campo e Guidacci a Cattafi, Primo Levi, Merini e assim por diante.
Gostaria de dedicar apenas uma indicação também para o avanço no Novo Testamento através de uma análise comparada reservada a dois personagens literários que eu tive a sorte de incluir entre os meus amigos mais caros, Luigi Santucci e Mario Luzi.
Aqui está em ação – tanto em gênero (o primeiro é romancista, o segundo é poeta) quanto em registros diferentes – uma "cristomachia" [1], alimentada de sangue e de lágrimas, de vida e de morte, de medo e de esperança. Porém, ela tem como destino uma antropologia.
Significativa a esse respeito é aquela espécie de cristologia narrativa que é o Volete andarvene anche voi? (1971) de Santucci, em que entra em cena "o homem, que é uma grande praga vertical, inutilmente lavada pelas mães, um expurgo sanguíneo vestido com um pano vermelho, porque lhe foi narrado que é o rei deste mundo".
Mas é justamente através da redução a esse nível ínfimo (São Paulo diria a kénosis, o "esvaziamento") que o Filho de Deus consegue permear a nossa criaturalidade miserável de transcendência, de salvação, de redenção e, portanto, de autêntica realeza. E é isso que igualmente será celebrado em verso ou em textos de densidade e intensidade supremas por Luzi (pensemos em Nel magma, de 1963, o nas iluminadas Conversazioni sul cristianesimo, com Stefano Verdino, de 1997, ou na admirável Via crucis, de 1999).
Nota:
1. Nome de uma obra em versos de um religioso da ordem do Carmo, em Gante, na Bélgica, morto em 1528, aos 26 anos, na qual tenta combater a religião cristã.
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A sapiência está nos versos. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU