21 Novembro 2014
Em agosto de 2014, ao voltar da sua viagem à Coreia do Sul, o Papa Francisco queria parar no Curdistão, uma área incrustada entre a Síria, a Turquia, o Iraque e o Irã. Ele tinha a intenção de lançar também de lá o seu apelo em favor dos cristãos do Oriente Médio, massacrados pelos fundamentalistas islâmicos. Mas os serviços secretos o pararam, listando para ele os perigos que a mudança de programa representaria. O episódio volta à tona nestes dias, enquanto os temores sobre a sua segurança aumentaram imperceptivelmente.
A reportagem é de Massimo Franco, publicada no jornal Corriere della Sera, 20-11-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Talvez seja só um reflexo da desorientação psicológica, além de geopolítica, do Ocidente. São os vídeos dos reféns decapitados pelos carrascos do Isis, o Estado Islâmico que já está superando em crueldade a Al-Qaeda; e que, além de fazer seguidores na Europa, alimenta os temores de um ataque contra o pontífice que uniu em oração católicos, judeus, muçulmanos e ortodoxos.
Assim, aos fantasmas do atentado do turco Ali Agca contra João Paulo II em maio de 1981, justamente na Praça de São Pedro, no meio da multidão, soma-se o fantasma de uma ação subversiva do fundamentalismo islâmico. A dúvida de que algo pode acontecer paira desde que ele se tornou papa.
A escolha de viver na Casa Santa Marta, altamente simbólica, é uma incógnita. É um hotel, embora único, e, portanto, recebe de fora os fornecimentos de massas, pães, carnes. É um pequeno porto de mar, embora supercontrolado, separado da Itália apenas pelos muros que levam à Via di Porta Cavalleggeri. Portanto, teoricamente, o perigo aumenta. Somam-se as audiências nas quais o papa busca encontrar e entreter-se com o máximo de pessoas possível.
Carro blindado e agentes secretos
Em suma, alguns motivos de apreensão se justificam, porque, além disso, Francisco vive com um toque de impaciência as medidas de segurança. A Gendarmeria vaticana sabe algo disso, pois, no início, custou para convencer o primeiro pontífice argentino a aceitar o mínimo de prevenção.
"Subam vocês no carro blindado!", contam que foi assim que ele acolheu a primeira oferta de proteção, rotineira, contudo. Durante a visita à paróquia de Tor Sapienza, na periferia romana, em dezembro de 2013, ele disse do púlpito: "Se alguma coisa perturbou vocês com essa visita, talvez um excesso de segurança, saibam que eu não concordo com isso, concordo com vocês".
E, alguns meses depois, quando decidiu ir visitar um amigo protestante em Caserta, na Campania, não foi fácil fazer com que ele entendesse que usar o carro em vez do helicóptero envolveria problemas maiores: Autostrada del Sole congestionada, escolta policial, postos de bloqueio. No fim, ele se adaptou a um pequeno helicóptero.
Ele não é um papa muito "manejável", embora tenha se acostumado a conviver com os imperativos da prevenção e a aceitá-los. Parece que até mesmo os seus colaboradores às vezes brinquem com ele sobre as ameaças de morte. "Santo Padre, ainda não o mataram hoje?", zombam, superando o temor reverencial que, mesmo assim, ele incute.
"Jorge, protegem-no o suficiente?", gritam-lhe os compatriotas nas audiências, sob os olhos inquietos dos agentes secretos com o fone de ouvido, estrategicamente dispostos à distância em torno dele, mesmo no adro da Praça de São Pedro.
O pontífice impôs um modelo de religiosidade que significa a destruição de qualquer barreira entre o papa-rei e os seus súditos: um estilo que o tornou um mito das multidões e um alvo terrorista potencialmente "fácil".
A bandeira preta no obelisco
Além disso, a Dabiq, a revista online do Isis, divulgada desde julho até na Europa, em diversos idiomas, em outubro de 2014 colocou na sua capa digital uma fotomontagem. Exibe uma imagem da Praça de São Pedro, com o obelisco encimado pela sua bandeira preta e o título: "A Cruzada fracassada".
O Isis promete não parar a jihad, a guerra santa do Islã, "enquanto nos encontrarmos sob as oliveiras de Roma e tivermos destruído aquele edifício obsceno que se chama Casa Branca". O nome da revista é altamente simbólico. Dabiq é o vilarejo sírio onde, em 1516, os otomanos derrotaram os mamelucos, consolidando o último califado da história. E as suas ameaças são levadas a sério.
Nas embaixadas ocidentais em Roma sente-se uma certa inquietação. Entre os diplomatas, trocam-se impressões que dão corpo aos cenários mais obscuros. Mas os serviços de segurança italianos e vaticanos parecem ser mais cautelosos.
Analisando a revista Dabiq, a sensação da inteligência é que, com as suas proclamações, o Isis (acrônimo para Islamic State of Iraq and Syria) está falando principalmente para dentro do mundo muçulmano, para impôr o primado sunita contra os odiados xiitas e credenciar-se como o único verdadeiro inimigo do Ocidente.
Mas não existem indícios de atentados flagrantes sendo preparados pelo grupo terrorista. O único temor é de que algum filiado europeu, por imitação, prepare uma ação demonstrativa faça-você-mesmo: talvez utilizando um drone pilotado sobre a Praça de São Pedro durante uma audiência. "Por enquanto", explicam, "o perigo não é o de grandes atentados, mas o da atomização da subversão".
O nó de Santa Marta
São informações semelhantes às que circulam nos centros de estudo sobre o antiterrorismo, de Washington a Londres. Foram examinados documentos e relatórios que falam de ameaças ao papa. Mas ainda não são considerados fortes o suficiente como validar a tese de um plano sofisticado em incubação ou de uma ameaça concreta.
A sensação dos analistas é que, por enquanto, o Isis está concentrando os seus assassinatos na Mesopotâmia, sem sair daquelas fronteiras religiosas e geográficas: embora exorte os seus seguidores europeus a atacar, e o número de terroristas ingleses e franceses "alistados" pela organização dá calafrios.
Mas o pontífice continua levando a vida de sempre. Uma dos aspectos que as pessoas que trabalham com ele apontam é que ele quer ser dono do seu tempo e da sua agenda, cioso da sua liberdade.
Uma vez, o cardeal norte-americano Timothy Dolan explicou em uma entrevista que Francisco deverá se acostumar com as restrições necessárias para garantir a sua incolumidade pessoal: ele mesmo havia se resignado a isso quando era presidente dos bispos norte-americanos.
Mas não está claro o quanto o pontífice realmente está adaptado para isso. Um cardeal italiano que conhece bem a Casa Santa Marta defende há muito tempo que, mais cedo ou mais tarde, poderia acontecer alguma coisa a ponto de sugerir a transferência do papa para o apartamento papal no Palácio Apostólico: aquele ocupado pelos seus antecessores, hoje vazio, até por ser identificado com as intrigas e os escândalos do Vatileaks: o furto de documentos confidenciais de Bento XVI, cometido pelo seu mordomo.
Mas Francisco não parece nem perturbado nem assustado com o que está acontecendo. Ele é atormentado pelas perseguições e pelos massacres dos cristãos no Oriente Médio e não deixa de lembrar as vítimas do terrorismo. Ele recém-condenou o último atentado à sinagoga de Jerusalém. Mas não se preocupa com os riscos que corre pessoalmente; nem tem a intenção de mudar de residência e de hábitos.
O jornal La Nación, de Buenos Aires, informou que Juan Carlos Molina, um padre argentino de uma organização que combate o tráfico de drogas, a Sedronar, no dia 12 de novembro, esteve conversando com Francisco por 40 minutos. Tomaram juntos o mate quente, típico do seu país.
E Molina contou que dissera ao papa, chamando-lhe de "tu", como fazem muitos padres que o conhecem desde os tempos em que era arcebispo de Buenos Aires: "Cuidado, podem te matar. E Francisco respondeu: 'É a melhor coisa que poderia acontecer. E também para ti...'".
Não eram palavras resignadas. Ele parecia dizer, mais simplesmente, que é preciso estar pronto até ao martírio.
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Ameaças do Isis: aumenta a proteção para o papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU