Por: André | 20 Novembro 2014
Na América Latina, eles arrancam da Igreja católica milhões de fiéis. Mas o Papa tem para eles apenas palavras de amizade. É sua maneira de fazer ecumenismo, revelado aqui em duas mensagens por vídeo.
Fonte: http://bit.ly/1uJziMP |
A reportagem é de Sandro Magister e publicada no sítio Chiesa, 19-11-2014. A tradução é de André Langer.
Com a maestria que lhe é reconhecida em todo o mundo, o Pew Research Center de Washington tornou concreta, com uma pesquisa em grande escala, uma informação que em sua generalidade já se sabia: a impressionante queda da pertença católica no subcontinente latino-americano.
Em meados do século passado, na área geográfica que se costuma indicar hoje como o novo baricentro mundial da Igreja católica mundial, a quase totalidade da população, 94%, era formada por católicos. Ainda em 1970, os católicos eram uma maioria esmagadora, 92%.
Mas, depois veio a queda. Hoje, a cota de católicos é 33% mais baixa, 69% da população. O recorde negativo pertence a Honduras, onde os católicos caíram para menos da metade, de 94% para 46%. Para ter uma ideia de quão repentina é esta queda basta pensar que esta se verificou apenas no arco de tempo do ministério episcopal do cardeal Óscar Andrés Rodríguez Maradiaga, arcebispo de Tegucigalpa e coordenador dos oitos cardeais chamados pelo Papa Francisco para ajudá-lo no governo da Igreja universal.
A queda do número de católicos corresponde em todas as partes a um crescimento vertiginoso dos cristãos “evangélicos” e pentecostais, de raiz protestante. Isto já se sabia, mas o Pew Research Center evidenciou que aqueles que passam de uma pertença a outra não são normalmente os mais tímidos na fé, mas os mais fervorosos.
Efetivamente, os convertidos às comunidades “evangélicas” são mais dinâmicos na propagação da fé cristã. E há também diferenças na ajuda aos pobres. Enquanto os católicos os se limitam a ajudá-los, os “evangélicos” não apenas são mais ativos nas obras de caridade, como não perdem a ocasião para pregar a fé cristã aos pobres.
A diferença também é muito evidente na prática religiosa. Na Argentina, por exemplo, os “evangélicos” que dão grande importância à religião em sua vida, rezam diariamente e vão à igreja cada semana são 41% do total, ao passo que os católicos são apenas 9% e ocupam o fundo da classificação junto com o Chile e o laicizado Uruguai.
A pesquisa do Pew Research Center mostra, além disso, que aqueles que se converteram do catolicismo às comunidades “evangélicas” não são atraídos por um laxismo maior em matéria de aborto ou homossexualidade.
A realidade é a contrária. Os mais resolutos em se oporem ao aborto e aos casamentos entre pessoas do mesmo sexo encontram-se entre os neoprotestantes, não entre os católicos.
Na Argentina, por exemplo, mais da metade dos católicos, 53%, é a favor dos “casamentos” homossexuais, que nesse país já são legais. Ao passo que entre os neoprotestantes os favoráveis são apenas 32%.
A pesquisa do Pew Research Center, com grande quantidade de dados sobre este importante fenômeno, é de leitura obrigatória.
E é, portanto, compreensível que um pastor como Jorge Mario Bergoglio – que como argentino viveu em primeira pessoa a queda da pertença católica em seu país e no continente – queira agir em consequência.
Não se explicaria de outro modo, de fato, o incessante esforço que o Papa Francisco realiza em relação aos líderes mundiais desses movimentos “evangélicos” e pentecostais que na América Latina são os mais temíveis competidores da Igreja católica. Não para combatê-los, mas para tornar-se amigo deles.
É um esforço que ele começou muito antes da sua eleição como Papa e que ultimamente teve seu momento mais chamativo na visita que fez a Caserta, em 27 de julho passado, para encontrar-se com o pastor pentecostal Giovanni Traettino, amigo seu desde a época em que era arcebispo de Buenos Aires.
No discurso pronunciado nessa ocasião, o Papa Francisco explicou em grandes linhas sua visão das relações ecumênicas como “unidade na diversidade”: uma espécie de Igreja universal com forma de poliedro, no qual a Igreja católica encontra-se num lado, assim como as outras Igrejas e denominações.
Não está claro como Francisco harmoniza esta sua visão com o que afirmou o magistério da Igreja precedente em matéria de ecumenismo. O que está claro é que tem grande importância no seu pontificado, como se pode ver nos frequentes discursos informais que dirige a um ou outro dos pastores “evangélicos” que encontra.
O Papa Bergoglio costuma recebê-los na Casa Santa Marta ou vai até eles, em diferentes lugares do mundo, com mensagens de vídeo.
As palavras que ele disse nessas ocasiões, que nunca figuram nos órgãos de comunicação oficiais do Vaticano, entram em circulação graças ao lançamento que os destinatários fazem na internet, com evidente satisfação.
Um dos últimos encontros deste tipo entre o Papa e alguns líderes “evangélicos” aconteceu em Santa Marta durante o Sínodo de outubro passado. Francisco recebeu a viúva e os colaboradores de um bispo da Communion of Evangelical Episcopal Churches, Tony Palmer, sul-africano, seu amigo há anos, que morreu em um acidente de carro em julho passado.
Poucos meses antes, Francisco havia dirigido uma mensagem por vídeo de grande impacto a uma reunião presidida precisamente por Palmer e por outra personalidade “evangélica” de renome, o pastor do Texas Kenneth Copeland, defensor da “teologia da prosperidade”, ambos recebidos em Roma pelo Papa em 24 de junho.
Aqui está o acesso para o encontro de outubro (em espanhol), durante o qual o Papa tinha ao seu lado a viúva de Palmer, Emiliana, e o bispo “evangélico” que é também o seu sucessor, Robert Wise.
Na sequência, segue a transcrição textual das palavras pronunciadas por Francisco, com sua visão do ecumenismo.
_______
“Não esperemos que os teólogos se coloquem de acordo”
O Papa Francisco aos líderes da Communion of Evangelical Episcopal Churches
Antes de mais nada, felicito-os pela coragem. Ontem me encontrei, na porta do salão do Sínodo, com um bispo luterano e lhe disse: “Você está aqui? Que coragem!” Porque em outra época os luteranos eram queimados vivos [risos].
Ontem houve uma reunião organizada por Tony [Palmer]. Ele estava muito esperançoso com esta reunião e eu também e estou agradecido ao bispo Robert Wise e a Emiliana que quiseram tomar a tocha, a “fiaccola”, a tocha deste sonho, este sonho que Tony tinha. O sonho de caminhar na unidade.
Estamos pecando contra a vontade de Cristo, porque nos fixamos nas diferenças. Mas todos temos o mesmo batismo e o batismo é mais importante que as diferenças. Todos cremos no Pai, no Filho e no Espírito Santo. Todos temos dentro de nós o Espírito Santo que reza, ora em nós, o espírito que reza em nós.
E todos sabemos que há também um pai da mentira, o pai de toda divisão, o “anti-Pai”, o demônio que se mete e divide, divide... Falávamos tanto disso com Tony: de seguir em frente e caminhar, caminhar juntos naquilo que nos une. E que o Senhor Jesus, com sua força, venha nos ajudar para que aquilo que nos divide não nos divida tanto.
Não sei, é uma loucura... Ter um tesouro e preferir usar imitações do tesouro. As imitações são as diferenças, o que interessa é o tesouro. Pai, Filho e Espírito Santo, a vocação à santidade, o mesmo batismo e o chamado para pregar o Evangelho até os confins do mundo. A certeza de que Ele está conosco ali onde estivermos... Não está comigo apenas porque sou católico; não está comigo porque sou luterano; não está comigo porque sou ortodoxo... Um manicômio teológico! [risos]
Cada um tem sua própria identidade e pressuponho que cada um de nós está à procura da verdade. Enquanto isso, caminhemos juntos. Rezemos uns pelos outros e façamos obras de caridade juntos. Mateus 25 juntos. E as Bem-aventuranças, juntos. E todos temos em nossas Igrejas bons teólogos. Que eles façam o trabalho do estudo teológico. É outra maneira de caminhar também. Mas nós não esperemos que se coloquem de acordo... [risos] É o que creio [aplausos].
Há outra coisa. Isto se chama ecumenismo espiritual, mas há outra coisa. Atualmente, estamos vendo como os cristãos são perseguidos e... Acabo de estar na Albânia. Eles me contavam que não lhes perguntavam se eram católicos ou ortodoxos... És cristão? Pum! Atualmente, no Oriente Médio, na África, em tantos lugares, quantos cristãos são mortos! Não lhes perguntam se são pentecostais, luteranos, calvinistas, anglicanos, católicos ortodoxos... São cristãos? Matam-nos porque creem em Cristo. Este é o ecumenismo de sangue.
Lembro de uma vez que estava em Hamburgo, lá por 1986 ou 1987, e conheci um pároco. E ele estava trabalhando na causa da beatificação de um sacerdote católico que foi guilhotinado pelos nazistas por ensinar o catecismo às crianças. Mas, estudando, viu a lista dos sentenciados à morte nesse dia e logo atrás dele havia um pastor luterano que também foi condenado pelo mesmo motivo. De tal maneira que o sangue do sacerdote se misturou com o sangue do pastor. O pároco foi ao bispo e lhe disse: “Ou prossigo com as duas causas juntas ou não faço nada”. Ecumenismo de sangue.
Não sei, não queria dizer mais, eu não sei... Uma coisa também me contava Tony, quando ele era jovem, rapaz. Na África do Sul, no colégio, brancos e pessoas de cor iam juntos, brincavam juntos, mas na hora de comer estavam separados e eles diziam: “Queremos comer juntos”. E tinha esse desejo dentro de si: caminhemos juntos para podermos comer juntos o banquete do Senhor [aplausos]. Como o Senhor quiser, como o Senhor quiser.
Quero agradecer a presença do pastor Robert Wise, o pai espiritual de Tony. E a presença de Emiliana, mulher forte... Os dois herdam muitas coisas de Tony. Sejamos conscientes de que foi ele que nos reuniu. Não sei se este desejo de unidade, de prosseguir marcando a unidade, rezando uns pelos outros, cumprindo as Bem-aventuranças juntos, cumprindo Mateus 25 juntos... Sem criar uma instituição, livremente, como irmãos.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Como Francisco se faz amigo dos pentecostais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU