19 Novembro 2014
Muita gente está descobrindo agora um pouquinho acerca de como funciona a relação entre empreiteiras e poder público no Brasil. Não custa, então, relembrar como foi feito o leilão de Belo Monte, a obra mais cara da história do país, com custo agora quase 10 vezes superior ao inicialmente orçado. Roberto Smeraldi, diretor da ONG Amigos da Terra, escreve Idelber Avelar, em post publicado em seu perfil do Facebook, 17-11-2014.
Eis o relato de Roberto Smeraldi.
"Em tempos de lava-tudo, é oportuno lembrar (inclusive à PF e MPF) como ocorreu o leilão de Belo Monte, em 20/4/10: em primeiro lugar, a cartelização explícita foi usada supostamente para viabilizar uma obra que não tinha qualquer viabilidade econômica e precisava ser realizada por decisão política. Dessa forma os principais concorrentes (Odebrecht, Camargo Correa, etc.) se retiraram e a Queiroz Galvão 'ganhou' o leilão com um consórcio claramente sem condição para tocar a obra. Logo em seguida veio a explicação: os concorrentes retirados na realidade entraram como sub-contratados do consórcio 'ganhador'. Para completar a farsa, um segundo consórcio 'perdedor' foi escalado (com a Andrade Gutierrez): perdedor mesmo, pois para não ter erro ofereceu 10 centavos (!) abaixo do preço-teto, ou seja realmente entrou para perder. Obviamente a Andrade depois também foi agraciada pela sub-contratação coletiva (ou seja, ninguém se preocupou de disfarçar muito...). Em segundo lugar, o próprio leilão, como se não bastasse, ocorreu de forma irregular. Como podem ver na imprensa da época (http://bit.ly/1xwPgMc), ganhamos uma liminar de suspensão às 12hs e o leilão ocorreu às 13:20hs, quando não poderia ter ocorrido. Dessa forma omitiram a divulgação do resultado e aguardaram para anunciar até que a liminar fosse suspensa no TRF-1, o que jamais poderia ter acontecido. Ou seja, foi um leilão ostensivamente abusivo".
Segundo Idelber Avelar, ao relato de Roberto, há que se acrescentar o depoimento de Célio Bermann, um dos maiores especialistas do país em questões energéticas, a Eliane Brum, sobre o valor fictício do megawatt-hora (http://glo.bo/1xwQCGS):
"Bermann: Em 2006 o projeto foi anunciado com um custo de R$ 4,5 bilhões. Você sabe, as cifras avançaram violentamente. Antes de ir para o leilão, a usina foi avaliada em R$ 19 bilhões. Foi feito o leilão e se definiu um custo fictício de geração de energia elétrica de R$ 78 o megawatt-hora.
Brum: Por que fictício?
Bermann - Fictício porque esse custo não remunera o capital investido. É por isso que várias empresas caíram fora do empreendimento, sob o ponto de vista da geração da energia elétrica. Mas as grandes empreiteiras estão presentes, porque não é na venda da energia elétrica, mas sim na obra que se dá uma parte significativa da apropriação da renda. Com o consórcio constituído com 50% entre Eletrobrás e Eletronorte, as empreiteiras voltaram para fazer a obra. A elas interessa a obra – e não ficar vendendo energia elétrica. Essa situação é entendida pelos dirigentes, pelo governo, como normal. Para o governo federal, é uma parceria público-privada que está dando certo. Em que termos? A obra hoje está oficialmente orçada em R$ 26 bilhões. Imagine, de R$ 4,5 bilhões para R$ 26 bilhões..." [nota: Bermann fala em R$ 26 bilhões porque a entrevista é de 2011; hoje, o custo já ultrapassou os R$ 30 bilhões: http://bit.ly/1xwQU0m]
Para completar o relato de Roberto Smeraldi e a entrevista de Bermann, indico de novo a compilação bibliográfica que fiz sobre Belo Monte, onde há abundante material sobre o papel das empreiteiras. "50 leituras sobre o ecocídio de Belo Monte, 1ª parte" http://bit.ly/1xwPP8D; "50 leituras sobre o ecocídio de Belo Monte, 2ª parte" http://bit.ly/1xwPClP.
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Empreiteiras e poder público no Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU