14 Novembro 2014
A Modernidade enquanto um momento de reconhecimento do ser humano como autossuficiente, racional e autônomo, bem como detentor da crença que a razão “ilumina” e é objetiva, foi a provocação inicial feita pelo Prof. Dr. Leandro Karnal na tarde desta quinta-feira, 13-12-2014, na mesa-redonda intitulada A companhia de Jesus e a Modernidade. O evento faz parte da programação do XVI Simpósio Internacional IHU - Companhia de Jesus. Da supressão à restauração, cuja programação completa pode ser encontrada em http://bit.ly/CiaJes2014. A reportagem é de Márcia Junges.
Entre outros apontamentos, o pesquisador acentuou que esse período da História coincide com a criação da imprensa e a expansão marítima. Alguns historiadores apontam o ano de 1517, quando Lutero prega na porta da catedral de Wittenberg suas teses que deram vazão à Reforma, como o começo da Modernidade. Outros tributam ao invento da imprensa o começo desse período, ao passo que há uma corrente que localiza a descoberta da América como marco fundador.
Karnal acrescentou, ainda, que para compreender a política desse tempo era imprescindível ler o capítulo 18 de O Príncipe, o clássico de Nicolau Maquiavel. “Trata-se de um manifesto do racionalismo político”, disse, referindo-se à obra. “A partir de Maquiavel fica claro que política não tem a ver com o bem comum. A política é, na verdade, um projeto para conquistar o poder e dele retirar benesses.”
Esse projeto de Modernidade foi identificado com os jesuítas, que representavam uma modernidade religiosa, observa. Na literatura pós-pombalina predomina a ideia de que os membros dessa ordem são mais modernos e autônomos. A Companhia de Jesus é tida como racional, prática, confiante na razão do homem. Além disso, os jesuítas são muito práticos e não têm inúmeras obrigações que outras ordens devem cumprir, como o voto de pobreza, por exemplo. “O jesuíta deve ser tão pobre quanto precise para realizar a sua missão.”
Karnal discutiu, também, o surgimento da propaganda na Igreja Católica através do domínio da escrita e da palavra. Enquanto uma sociedade letrada, a Companhia de Jesus domina sua própria propaganda e produção e consegue constituir a produção de um significado muito importante.
Panóptico interior
A querela dos ritos, ocorrida na China em função da inculturação da religião católica naquele país, protagonizada pelos jesuítas, poderia ser vista como um passo para a Modernidade, pois faz uma distinção significado-significante, valendo-se do Cristianismo como chave de leitura de culturas.
Já os Exercícios Espirituais nos convidam que façamos um panóptico de nós mesmos, algo como uma capacidade de internalizar a vigilância. “A Modernidade jesuítica é dialética, pois aponta para o controle do indivíduo sobre si, mas pode ser uma instrumentalização desse controle”, destacou.
Karnal observou que Inácio de Loyola, o fundador da Companhia de Jesus, pode ser considerado como um homem intelectualmente limitado. Ele aprendeu latim já adulto, e não conseguiu desenvolvê-lo bem como o fez Antonio Vieira. Se Inácio é o fundador e possui tais senões, os autores da Companhia de Jesus tornam-se famosos como grandes intelectuais, conhecidos por sua inserção nas mais variadas áreas do saber.
Modernização reacionária
Seria uma moralidade conservadora aquela que “moderniza” a cristandade medieval? A pergunta de Karnal causa um certo desconforto na plateia. Toda a modernidade é instrumental e visa a um fim, e é elaborada para o controle de um grupo, emenda. “Toda modernização é, em si, conservadora. Não há modernização revolucionária, mas reacionária. O projeto de poder vem acoplado com um projeto de pensamento”.
Nesse contexto ele convidou a refletir sobre a chegada da Companhia de Jesus no Brasil, em 1549, quando Inácio ainda era vivo. “Esta era uma Companhia missionária”, embora seja fundamental compreender que a Companhia não é um bloco homogêneo, e assim não pode ser rotulada como um todo único.
“Os jesuítas pertencem a um momento no qual está sendo elaborado o conceito de humanidade, no lugar de cristandade. Esse conceito estava longe de ser inclusivo, e assim é que precisa ser ponderada a defesa dos índios pelos jesuítas, e o tráfico de negros pelos missionários na África”, acrescentou. Na realidade, pode-se falar de duas modernidades complementares: a de Lutero e a de Inácio.
Lutero, que utiliza a razão para denunciar que as indulgências são absurdas, é o mesmo homem que se alia aos nobres e manda afogar os camponeses em sangue. “As contradições de Lutero são as mesmas de Inácio”, sentenciou Karnal. Ele frisou, ainda, que é preciso pensar que tanto o surgimento da Companhia de Jesus, em 1540, bem como a sua restauração, em 1814, ocorrem em períodos econômicos decisivos da Europa sobre os outros continentes, e os jesuítas são centrais neste processo globalizador.
Ao final de sua fala, Karnal pontuou que a Modernidade à qual os jesuítas pertencem possui uma aspiração transcendental, com suas raízes fundadas no além, já que tudo deve ser feito “para a maior glória de Deus”, como diz o lema da Companhia de Jesus.
Quem é Leandro Karnal?
Leandro Karnal é graduado em História pela Unisinos, com doutorado em História Social pela USP. Trabalha há muitos anos com capacitações para professores da rede pública e publicação de material didático e de apoio para os professores. Atualmente é professor da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, membro do corpo editorial da Revista Brasileira de História e da Revista Poder & Cultura. Entre suas publicações, destacamos A Escrita da Memória - Interpretações e Análises Documentais (São Paulo: Instituto Cultural Banco Santos, 2004) e Cronistas da América (Campinas: Unicamp, 2004).
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A Companhia de Jesus e a Modernidade de aspiração transcendental - Instituto Humanitas Unisinos - IHU