10 Novembro 2014
O homem não vive somente de pão, temos que pedir algo ao outro, cada um de nós é devedor de gosto e de sentido a quem está ao nosso lado. Porque "o sabor não é acidental, mas substância", não só à mesa, mas também na vida: por isso, "sabor e saber têm a mesma raiz".
A opinião é do monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado no jornal La Stampa, 08-11-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Perdemos o gosto da mesa. Não só e não tanto no sentido da qualidade dos alimentos que comemos, mas pelo modo em que os degustamos.
Acontece cada vez mais de comermos em pé, com as mãos, sozinhos, e chamamos de modernidade globalizada esse retorno à barbárie. Ou, se nos pomos à mesa em casa – naturalmente não juntos, mas cada um quando quer –, a comida de que não sabemos nada sai do congelador, passa pelo micro-ondas e chega na frente do televisor.
Mas a humanidade deu um passo cultural decisivo quando descobriu o alimento "cozido" e o sentar-se juntos para banquetear ou, mais simplesmente, para compartilhar a refeição e tudo o que nos alimenta: as palavras, os rostos, os pensamentos dos companheiros.
No preocupante quadro cultural atual, Massimo Montanari – professor de história medieval e de história da alimentação na Universidade de Bolonha – oferece-nos um extraordinário livro de receitas para redescobrir o gosto da mesa.
Na realidade, no seu I racconti della tavola (Ed. Laterza, 218 páginas), não há sequer uma receita: ao contrário, há a narração daquilo que as boas receitas podem despertar nos comensais, e há o ensino prático sobre como redescobrir o sentido profundo que o comer juntos à mesa contém, assim como os alimentos contêm um gosto pela vida.
Montanari elabora uma fascinante série de refeições ocorridas ao longo dos séculos, do banquete de Carlos Magno em Pavia, em 774, ao de Cristina da Suécia em Mântua, em 1655: trata-se de relatos históricos, de lendas amenas, de invenções literárias que nos deixam de boca aberta.
Saboreando essas páginas, damo-nos conta de quanta verdade pode passar todos os dias sobre a nossa mesa. De fato, quando dizemos "sentar-se juntos à mesa", incluíamos realidades muito variadas: há os convidados e os excluídos, há a alegria ou a dor que motivam o estar juntos, há o esforço daqueles que trabalharam para cultivar e preparar a comida e a bebida daqueles que as degustam, há a memória de estações e pessoas passadas e a esperança de novos laços e oportunidades.
Porém, se eu tivesse que escolher um só desses relatos, eu tomaria o único que foi ambientado fora da Europa, na sarracena Alexandria do Egito do século XIII, um apólogo em que não há uma refeição à mesa, mas apenas um pobre que "rouba" o perfume dos pratos de comida de um cozinheiro de estrada e saboreia o seu pedaço de pão: lá, se cozinha e se come na via pública, até a fumaça será paga – mas só com o barulho de uma moeda... – e não há traço de convivialidade.
Mesmo assim, há a verdade da qual estamos conscientes, mas que removemos constantemente: o homem não vive somente de pão, temos que pedir algo ao outro, cada um de nós é devedor de gosto e de sentido a quem está ao nosso lado.
Porque "o sabor não é acidental, mas substância", não só à mesa, mas também na vida: por isso, "sabor e saber têm a mesma raiz". Se você não concorda, tentemos discutir sobre isso juntos à mesa.
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Sabor e saber: a verdade que nasce dos alimentos. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU