03 Novembro 2014
Neste sábado John L. Allen Jr., destacado correspondente do Vaticano para o jornal The Boston Globe, falou sobre o reinado do Papa Francisco no “Santuário Nacional de Nossa Senhora das Neves, em Belleville, no estado de Illinois. O evento cobriu os três pilares da visão do papa para a Igreja.
Nesta sessão de perguntas e respostas, a jornalista de religião Lilly Fowler conversa com Allen sobre os seus anos de cobertura do catolicismo, sobre o novo website do The Boston Globe (cruxnow.com) e a liderança do Papa Francisco até o momento.
A reportagem é de Lilly Fowler, publicada por St. Louis Post-Dispatch, 31-10-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis a entrevista.
Para as pessoas que não o conhecem, o que você pode dizer sobre como se tornou homem uma referência em relação a assuntos relacionados à Igreja Católica?
Em 1999, fui enviado a Roma porque o National Catholic Reporter, tal como todo meio de comunicação no mundo, pensou que o Papa João Paulo II iria morrer a qualquer momento. Óbvio, ele não morreu. Mas cheguei a Roma numa época em que outras organizações midiáticas americanas estavam retrocedendo em suas coberturas no exterior.
De repente, várias coisas aconteceram ao mesmo tempo. Em primeiro lugar, houve o 11 de setembro de 2001, o que fez se tornar importante todo e qualquer choque civilizacional entre o Islã e o ocidente bem como o papel do Vaticano nisso tudo. Em seguida, houve os escândalos de abusos sexuais envolvendo crianças em 2002; a guerra no Iraque em 2003 e o papel do Papa João Paulo II de oposição a ela. Logo depois tivemos as crises repetidas de saúde pelas quais este pontífice passou.
Todas estas coisas combinadas fizeram o Vaticano extremamente importante no mercado midiático americano, e durante certo tempo eu era a única pessoa lá fazendo a cobertura.
Você é o principal correspondente deste novo sítio dedicado especificamente à cobertura da Igreja Católica, chamado Crux. Pode nos falar um pouco sobre este projeto?
Penso que a oportunidade singular que temos com o Crux é que podemos estar distantes de alguma história envolvendo o catolicismo e, mesmo assim, acertar. Quer dizer, diferentemente de vários de meios católicos de comunicação promovidos/apoiados por diferentes grupos, nós não estamos compromissados com um lado ou outro nos debates internos da Igreja. Queremos ser imparciais.
O problema de muitas das coberturas seculares sobre a religião é que elas simplesmente não possuem os recursos para prestar aquela espécie de atenção redobrada necessária a fim de, real e verdadeiramente, compreender o que está acontecendo.
O que você considera como sendo as principais forças e fraquezas até o momento do Papa Francisco?
O elemento mais impressionante é a forma como ele mudou completamente a narrativa sobre a Igreja Católica. Há 18 meses, as grandes histórias católicas eram os escândalos envolvendo abusos sexuais, as repreensões a irmãs consagradas e controvérsias políticas contundentes. Estas histórias, obviamente, não foram embora, mas elas não são mais a narrativa católica predominante.
Hoje, a narrativa católica predominante se parece mais com um papa “rock star” a conquistar o mundo inteiro. Ele criou uma percepção pública de si mesmo como um homem de simplicidade genuína, cuidando de forma também genuína das pessoas comuns; apresentou-se como um alguém que está tentando levar a Igreja a ser uma amiga para o mundo. Esta é uma narrativa muito atraente para muitas pessoas, o que significa que elas estão olhando de forma mais compreensiva para a Igreja Católica.
Ele igualmente é um reformador sério que lançou, entre outras coisas, uma operação de limpeza interna no próprio Vaticano, começando por uma maior transparência e responsabilidade financeira. Também, em termos de pessoal que ele está promovendo, este papa claramente tem uma preferência por líderes não ideológicos, moderados. Ele vem mudando a composição das lideranças na Igreja.
Por outro lado, é preciso que se diga que uma das ironias deste Papa Francisco é que, embora seja querido universalmente do lado de fora da Igreja, ele se tornou meio que um para-raios dentro da própria instituição. Há um campo mais conservador, ou mais tradicional, no catolicismo que está preocupado sobre onde as coisas estão indo.
Ele quer ser o papa de todos. Se quiser ser capaz de fazer isto, terá que encontrar formas de trazer junto de si estas resistências internas.
Ainda há um monte de notícias sobre casos de abusos sexuais. Você acha que haverá um momento em que este assunto vai voltar a ser a narrativa dominante novamente?
[O papa Francisco] fez todas as coisas certas. Ele criou uma nova comissão encarregada das reformas, e nomeou pessoas para compô-la que são vistas como especialistas nas melhores práticas relativas à proteção infantil. O teste verdadeiro será: Ele está falando sério sobre a responsabilização e, mais especificamente, veremos algum bispo ser responsabilizado por não ter seguido a política de tolerância zero? Ele deu início a uma investigação sobre o caso Dom Robert Finn, bispo da Arquidiocese de Kansas. Se este processo acabar com uma renúncia do bispo, ou seja, com ele perdendo o seu cargo, então acho que muitas pessoas estariam inclinadas a dizer que algo significativo esteja acontecendo.
Será que vai haver mudança real? Os fiéis devem esperar para ver coisas do tipo católicos divorciados e recasados participando da Sagrada Comunhão em alguns anos?
Não sei como prever isso. Seria muito mais fácil se você me perguntasse se eles deveriam esperar ver mulheres ordenadas ao sacerdócio, ou se os fiéis deveriam esperar para ver a Igreja celebrar o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo. A resposta é claramente não. Francisco tirou estes assuntos da pauta de discussão.
Quando quanto à Comunhão para os divorciados e casados novamente, acho que é quase impossível prever. Ele obviamente tornou possível o diálogo. Temos agora um ano pela frente, antes o Sínodo dos Bispos sobre a família em outubro de 2015, onde este assunto vai, mais uma vez, estar no centro das atenções. Ele deixou passar indícios de que está aberto à mudança.
Mas também ele falou que quer governar de forma colaborativa. Ou seja, ele não quer simplesmente impor a sua própria vontade. Claramente os bispos estão divididos sobre este assunto.
Para mim, a questão é: Qual lado do Papa Francisco irá prevalecer? Será que ele vai dizer: “bom, fui escolhido para governar, então vou querer ir nesta direção”? Ou vai dizer: “me comprometi em governar por consenso”?
Devemos esperar algo em particular para 2015?
Para os americanos, obviamente o grande destaque de 2015 vai ser a viagem papal aos Estados Unidos, em setembro. Esperamos que ele visite a Filadélfia, Nova York e Washington. Esta será a sua primeira viagem ao país, não só como papa, aliás, mas como a sua primeira viagem na vida. Serão dias de muito movimento. Ele atrai enormes multidões em todo o lugar onde vai. É como um imã para a humanidade.
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O primeiro ano do Papa Francisco. Entrevista com John Allen - Instituto Humanitas Unisinos - IHU