03 Novembro 2014
"É bom que o pontífice convide aos cientistas a seguir em frente com o seu trabalho, e os fiéis, a crerem em Deus sem, por isso, rejeitar a ciência. Mas é um grave erro dizer que o Big Bang exige a intervenção de um criador divino." O físico Carlo Rovelli ouviu com atenção as palavras que o Papa Francisco dirigiu à Pontifícia Academia das Ciências.
A reportagem é de Stefania Parmeggiani, publicada no jornal La Repubblica, 28-10-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ele gostou do que ouviu, porque o papa convidou os fiéis, também aqueles que negam a teoria da evolução, a respeitarem a ciência, a lógica e os fatos, mas o cientista pensa que seria melhor se ele não as tivesse pronunciado: "Ciência e fé devem permanecer separadas."
Eis a entrevista.
Não é a primeira vez que um pontífice se aventura nesse campo...
No dia 22 de novembro de 1951, o Papa Pio XII declarou em um discurso público que a teoria do Big Bang confirmava o relato da criação do Gênesis. George Lemaître, grande cientista, que foi o primeiro idealizador da teoria do Big Bang, e sacerdote católico, conseguiu convencê-lo a abrir mão disso. Até hoje o Vaticano tinha se atido a esse conselho.
Por quê?
A ideia de Lemaître era de que era um erro tentar misturar os dois planos. A teoria do Big Bang não é o fim da ciência. Sabemos que houve uma grande explosão, mas não sabemos o que havia antes.
Faz sentido perguntar-se se houve um antes? O Big Bang não se coloca fora do tempo?
O fato de que antes do Big Bang não existia o tempo é uma possibilidade, mas há outras possibilidades. Por exemplo, podemos pensar em outro universo antes daquele que vemos... É um absurdo que a Igreja ligue a si mesma a uma teoria científica. Poderia ser desmentida no dia seguinte. A busca da ciência não tem nada a ver com os relatos do Gênesis. Lemaître aconselhou Pio XII a não confundir planos diferentes. Esse conselho ainda é válido.
Como se explica a escolha do Papa Francisco? Por que tocar justamente agora em assuntos que há décadas inflamam os ânimos?
Eu acho que ele não falou em polêmica com a ciência, mas com aqueles que leem a Bíblia de forma literal. Nos Estados Unidos, a metade dos fiéis acredita que não houve a evolução das espécies, e em algumas escolas apagaram Darwin dos currículos... Acho que ele está se dirigindo a esses cristãos, dizendo-lhes que a Igreja Católica não concorda com isso.
É possível encontrar Deus na ciência?
Não. Há um único modo pelo qual a ciência pode explicar Deus: através da antropologia e da psicologia. Ela pode estudar o fenômeno religioso e como a humanidade, no seu fazer-se, o construiu. Mas certamente não pode procurar o divino no espaço, no tempo e nas leis da física. Isso não significa que os cientistas não sintam o mistério, a maravilha ou a sacralidade do universo. Estes são sentimentos humanos, que continuam verdadeiros, com ou sem Deus.
Como o senhor se definiria?
Como Margherita Hack e como a maioria da comunidade científica, eu diria que sou serenamente ateu.
Quando o senhor vê o universo, vê a ordem ou o caos?
Vejo a maravilha de muita ordem que nasce das infinitas combinações das coisas. E a maravilha do modo pelo qual essa ordem se reflete em nós e no nosso olhar.
Não poderia ser a mesma ordem que um crente vê?
Eu acho que sim. E a emoção é a mesma. O crente chama essa emoção de Deus. Eu a chamo de emoção.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
''Ciência e fé devem permanecer separadas.'' Entrevista com Carlo Rovelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU