27 Outubro 2014
O amor eterno existe ou é apenas um ideal? Uma pergunta existencial que a filósofa Olivia Gazalé evidenciou durante o festival Philosophia, em Saint-Émilion, no dia 16 de maio passado. Em uma conferência cheia de humor e de emoção, a filósofa analisou a evolução da noção de amor nas nossas sociedades contemporâneas.
A reportagem é de Matthieu Stricot, publicada no jornal Le Monde des Religions, 10-10-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"O amor pode permitir que se superem as fronteiras", postulou o filósofo Daniel Truong-Loï como introdução à conferência de Olivia Gazalé. Ele lembrou que, "em Fedra, Platão afirma que, com o amor, pode-se fazer a experiência da eternidade".
"Somos loucos quando prometemos o amor eterno?",pergunta Olivia Gazalé. O escritor Romain Gary tinha advertido que, "com o amor materno, a vida nos fez, na aurora, uma promessa que nunca mantém".
"O amor é sempre absoluto e infinito no seu nascimento", afirma Olivia Gazalé. "Não se diz: 'Eu te amo por dois anos'. Mas quantos de nós somos capazes de fazer uma promessa de 50 anos? A vida é um movimento perpétuo".
Por que é uma promessa tão difícil de manter? Em primeiro lugar, por razões de herança cultural. Estamos imersos em uma sociedade em que acreditamos na paixão adúltera, memória do amor cortês do qual a história de Tristão e Isolda é uma bela ilustração.
"A moral conjugal é encarnada pela Igreja. A literatura apresenta, ao contrário, a beleza do amor adúltero, criando uma estética da infidelidade. O amor cortês é uma reação à brutalidade da conjugalidade feudal, com as mulheres agredidas ou repudiadas. É o amante que promete a fidelidade eterna. E se mata quando o amor é impossível."
Matrimônio de amor, uma prisão
No amor cortês, amor e matrimônio são antinômicos. Uma concepção que se complica no século XVIII, com o aparecimento do matrimônio de amor. "O amor conjugal torna-se um dever. Consequentemente, a infidelidade torna-se imperdoável, porque renegar significaria renegar a si mesmos. Nessas circunstâncias, o matrimônio de amor aprisiona muito mais do que o matrimônio combinado."
Deve-se condenar sem apelo aquele que se sente restringido nessa constrição conjugal? O que é pior: trair o outro ou trair a si mesmo? Stendhal escrevia que "o amor é como a febre: vem e vai sem nenhuma vontade da nossa parte". A promessa dos esposos não pode fazer nada contra novos sentimentos.
"Quer-se o homem total, a mulher total"
Outro desafio é o conflito entre as normas morais e a evolução social. No amor pós-moderno, coexistem o dogma da fusão e o culto da liberdade individual.
"Os nossos avós se limitavam à subdivisão tradicional dos papéis. Hoje, quer-se tudo: um esposo, um amante, um confidente, um pai, um irmão, um amigo, um protetor, mas não autoritário. Quer-se o homem total, a mulher total. Daí a expressão: 'Você é tudo para mim', entendida como 'você é o revelador da minha existência'."
"Não somos obrigados a dividir tudo para nos amarmos", lembra a filósofa, tomando o exemplo dos casais jovens que compram os móveis juntos: "Eles querem se instalar, mas, ao mesmo tempo, têm um desejo frenético de individualismo". O desejo da duração e a vontade de novidade perturbam a relação.
"Os aniversários são celebrados como vitórias da existência, e pode-se entender isso. A lógica amorosa é cada vez mais consumista. Busca-se a novidade, o imediatismo, a flexibilidade, a intercambialidade, com a obsessão da performance."
A filósofa usa conscientemente o vocabulário da economia. "A relação amorosa se transforma em um CDD (contrato de duração determinada). Continua-se a 'parceria' apenas se o balanço for considerado positivo por ambos os parceiros. A ruptura é concebível desde o início. A separação é preferida à reparação. A lógica compulsiva de consumo chega a interferir na relação amorosa."
Casais abençoados pelo amor
Mas Olivia Gazalé não se desespera, encorajada por aqueles "casais abençoados pelo amor". Como a do filósofo André Gorz e da sua esposa, Dorine. Dorine ficou doente, André não podia viver sem ela. O casal se suicidou em 2007, juntos.
"Antes da sua morte, André escreveu uma carta comovente à sua esposa, confessando-lhe: 'Eu te amo mais do que nunca'." Porque o amor não é um estado, mas um agir e um devir.
"O amor deve ser capaz de evoluir e de se reinventar. De encontrar o equilíbrio entre estabilidade e mobilidade, mudança e identidade, novidade e hábito, risco e confiança, vertigem e sabedoria. É preciso buscar o infinito no coração do finito."
Para a filósofa, "o amor é uma energia criativa: o segredo da alegria do amor é encontrar a própria alegria na alegria do outro. Você existe, logo eu existo".
Olivia Gazalé lembra Edgar Morin. Em 2009, o sociólogo e filósofo dedicou um livro à sua esposa, Edwige, intitulado Edwige, a inseparável.
"A ternura era o nosso oxigênio", afirma o escritor. "Ela era para ele uma fonte de poesia permanente", continua Olivia Gazalé. "O segredo deles: deixavam bilhetinhos com palavras de amor todos os dias."
Edwige ficou doente. Edgar passou com ela por essa experiência até a morte da sua amada.
"O verdadeiro amor se reconhece, talvez, mais nos momentos difíceis do que nos felizes?", pergunta-se a filósofa. "Não é preciso amar só a pessoa que se tem pela frente, mas também amar 'o amor' em comum. Os atos são a própria substância do amor."
"O amor tem as suas razões"
Prometer o amor eterno, então, é razoável? Sim, segundo Olivia Gazalé. "É o ato mais autenticamente humano que existe."
Mas é preciso distinguir entre a promessa e o compromisso. "O compromisso é um ato condicional. Ocorre em um espaço social onde as circunstâncias exteriores podem impedi-lo."
Em vez disso, a promessa é incondicional. "É um ato de palavra. O amor é um ato voluntário. Podem-se prometer atos, não sentimentos."
A filósofa lembra um ponto essencial: "É preciso considerar o amor mais por aquilo que se espera dar ao outro do que por aquilo que se espera receber. O amor é o encontro de duas generosidades capazes de desarmar o seu 'amor próprio'. Mas, para isso, é preciso também saber receber".
É uma questão de maturidade. "Buscar o amor eterno é um pouco imprudente aos 20 anos. O amor se aprende. É a mais bela filosofia da vida."
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É possível prometer amor eterno? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU