13 Outubro 2014
Não há consenso ainda no Sínodo dos bispos dos dias 5 a 19 de outubro sobre a controversa questão de permitir que os católicos divorciados e recasados civilmente recebam Comunhão, de acordo com a presidente da Conferência dos Bispos dos EUA. Mas ele disse que muitos bispos norte-americanos têm suas dúvidas.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio Crux, 10-10-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os prelados norte-americanos geralmente têm "uma grande preocupação com a manutenção do vínculo do matrimônio, com a integridade desse vínculo", disse o arcebispo Joseph Kurtz, de Louisville, Kentucky, que está participando do Sínodo.
Tanto os bispos norte-americanos quanto os bispos de todo o mundo que participam do Sínodo parecem defender, segundo Kurtz, um processo simplificado de nulidade, ou seja, uma declaração da Igreja de que uma primeira união nunca foi um matrimônio de verdade, porque fracassou em cumprir um ou mais testes de validade.
Ele também previu que, se um processo de reforma acabar significando mais nulidades a cada ano, qualquer repercussão sobre tal aumento será administrável. Kurtz alertou, porém, que, concentrando-se nos matrimônios que se rompem, pode-se perder o quadro mais amplo da melhoria do apoio da Igreja aos casais que ainda estão tentando fazê-los dar certo.
Kurtz está no Sínodo no seu papel de presidente dos bispos dos EUA, uma posição que reflete o respeito que ele goza em um amplo leque de prelados norte-americanos. A verdade, porém, é que, mesmo que Kurtz não detivesse tal posto, ele provavelmente estaria aqui de qualquer maneira.
A família é uma paixão especial de Kurtz, tendo atuado por um mandato como presidente da comissão dos bispos sobre Matrimônio e Vida Familiar e tendo ajudado a redigir uma carta pastoral sobre o matrimônio adotada pelos bispos dos EUA em 2009.
Dado esse pano de fundo, Kurtz provavelmente será uma voz importante nas deliberações do Sínodo, rumo à sua conclusão. A seguir, trechos da sua entrevista ao site Crux, que ocorreu no Colégio Norte-Americano de Roma.
Eis a entrevista.
Este é o seu segundo Sínodo dos bispos, mas o processo foi modificado para tornar a discussão mais livre. Isso está funcionando?
Acho que sim. Por um lado, é um grupo menor. Outro elemento novo é o testemunho dos casais casados. Isso dá um tom totalmente diferente. Claro, todos nós viemos de famílias, por isso temos alguma experiência com essas coisas, mas ouvir a experiência real de casais casados de todas as partes do mundo tem sido muito enriquecedor e bom.
O senhor ouviu algo que o surpreendeu?
Sempre sou enriquecido ao ouvir experiências de outros continentes. Eu realmente não tive tantas oportunidades para ouvir bispos de outras partes do mundo. Há coisas da África, por exemplo, que eu sabia a respeito, mas não estava tão consciente quanto estou agora. Vários africanos que falaram sobre isso descreveram, por exemplo, como às vezes as ajudas são oferecidas aos seus países com a única condição de que eles façam coisas contrárias aos seus valores. Acho que eu sabia disso intelectualmente, mas não tinha ouvido isso ser explicado tão bem.
Obviamente, ouvimos muitas coisas das pessoas do Oriente Médio. Agora, será que sei conceitualmente sobre a situação das pessoas que sofrem, como os imigrantes e as pessoas que fogem das perseguições? É claro, mas ouvir as pessoas que realmente estão in loco é uma coisa diferente.
Houve muita especulação sobre o que o Sínodo pode fazer sobre a questão da Comunhão aos católicos divorciados em segunda união. O senhor vê a formação de um consenso sobre isso, de uma forma ou de outra?
Eu acho que é muito cedo, mas posso dizer que agora estou mais convencido da sabedoria de ter dois sínodos. [Nota: o Sínodo atual está preparando outra cúpula maior de bispos sobre a família em outubro de 2015.] Obviamente, estamos todos muito interessados em ir ao encontro das famílias que estão divorciadas e recasadas, incluindo tanto aquelas que ainda são ativas na Igreja, e são muitas, mas também aquelas que estão distantes da Igreja. Respondendo à sua pergunta, no entanto, eu não acho que tenha visto um consenso.
Onde o senhor acha que os bispos norte-americanos se encontram sobre a questão da Comunhão aos católicos divorciados em segunda união? Aqueles com os quais eu tenho falado parecem estar dizendo que a defesa do matrimônio é um valor fundamental, agora mais do que nunca, e que eles estariam hesitantes em fazer qualquer coisa que pareça diluir a ideia de que o casamento é permanente. Essa também é a sua leitura?
Eu acho que é essa é uma boa leitura sobre as coisas, eu concordo com você. Gostaria de acrescentar que, embora haja uma grande preocupação com a manutenção do vínculo do matrimônio, a integridade desse vínculo, muitos bispos também acreditam que tudo o que pudermos fazer para ajudar no processo de nulidade, para agilizá-lo, vale a pena ser feito. Isso tem sido muito forte.
Como bispo norte-americano, o senhor se orgulha do fato de que o resto do mundo tenha ridicularizado os Estados Unidos por ser uma "fábrica de nulidade", embora agora muitos pareçam querer um sistema global mais parecido ao de vocês?
Eu vou deixar que outra pessoa diga que somos um exemplo, mas vou dizer que, como pastor, eu conheço pessoas que se beneficiaram com isso. Então, como não elogiá-lo? Eu realmente espero que melhoremos nisso. Deixe-me dar um exemplo. A nulidade é um processo canônico que não se destina a ser terapêutico, mas o que eu estou ouvindo [no Sínodo] é que tem que haver um contexto pastoral para ele. Quando um casal ou uma pessoa vem pedir a nulidade, isto não deve ser sentido como algo completamente burocrático.
Deixe-me me exibir de Louisville. Quando viemos para a nossa visita ad limina recentemente [uma visita a Roma que os bispos católicos são obrigados a fazer a cada cinco anos], nós visitamos a Signatura [o Supremo Tribunal do Vaticano], e eles perguntaram: "Quem é de Louisville?". Eu levantei a mão , e eles nos agradeceram por preparar aqueles que se chamam de "auditores". Nós temos uma série inteira desses auditores, quase um por paróquia, que foram preparados tanto pastoral quanto canonicamente para acolher os casais em busca de uma nulidade. Precisamos fazer mais disso, eu diria.
Um processo "simplificado" significa mais nulidades?
Isso depende dos casais que se manifestam. Eu espero que isso signifique menos frustração para o casal que se apresenta e mais simpatia e compreensão para os passos que eles têm que dar. Eu gosto de dizer às pessoas que passam pelo processo, especialmente se não são católicas, que a razão pela qual elas estão fazendo isso é por amor à pessoa com quem você quer se casar, e essa é uma causa digna e nobre. Na medida em que possamos reduzir a nossa frustração, isso vai ajudar não só os nossos casais, mas também os nossos padres.
Se o sistema se tornar menos frustrante e mais eficiente, mais pessoas podem usá-lo, e o resultado final será mais nulidades. A Igreja está pronta para isso?
Acima de tudo, como pastor, a minha experiência é de que as pessoas acolhem aqueles que receberam a nulidade. Não há uma grande preocupação no nível da paróquia. Nunca vi ninguém protestar que esta pessoa nunca deveria ter recebido a nulidade ou qualquer coisa desse tipo.
Por outro lado, nós realmente temos que nos preocupar com a confiança que as pessoas têm da sua capacidade de serem bem-sucedidas no matrimônio. Eu realmente fiz disso o meu primeiro objetivo na oração, quando vim aqui para o Sínodo. Eu rezo para que as pessoas que estão se casando não fiquem pensando se elas estão à mercê das estatísticas. Será que eu não tenho uma chance? A partir do meu pano de fundo do trabalho social, eu me preocupo com a profecia autorrealizadora da desgraça. Se eu digo a mim mesmo que não vai funcionar, então não vai funcionar. Então, não queremos puxar o tapete de debaixo das pessoas sugerindo que nós realmente não esperamos que o seu matrimônio dure.
Temos que evitar de dar a impressão de que não estamos interessados em pessoas em matrimônios estáveis. Temos que apoiá-las. Se sairmos [do Sínodo] com uma forte mensagem de apoio às pessoas depois que elas se casam, assim como indo ao encontro daquelas que, infelizmente, se divorciaram, então eu acho que nós vamos estar em uma boa situação.
Se vocês conseguirem isso, então um pequeno aumento no número de nulidades não será um problema?
Eu não acho. Eu sou pastor há 12 anos e, na minha experiência de envolvimento no processo de nulidade, eu me alegrava quando eles olhavam ao redor e também viam um forte apoio aos casais casados. Quando os bispos dos Estados Unidos escreveram uma carta pastoral sobre o matrimônio há alguns anos, essa era a resposta número um quando pedíamos um feedback para as pessoas. Os casais nos diziam que, depois que a celebração do casamento terminava, eles eram tratados como um produto acabado, e a Igreja tinha pouco a lhes oferecer.
Pode-se dizer, em outras palavras, que o foco sobre os católicos divorciados em segunda união e sobre as nulidades corre o risco de ocultar a questão maior, que é como evitar que os matrimônios se rompam, acima de tudo?
Absolutamente. A abordagem preventiva é importante. É claro que nunca deveríamos fazer uma escolha entre ajudar as pessoas que sofrem e tentar impedi-las de se machucarem, em primeiro lugar. Temos que fazer as duas coisas.
O que seria mais útil para o senhor, como bispo norte-americano, neste Sínodo?
Acho que o resultado mais útil seria uma confirmação da beleza do ensino da Igreja e uma determinação por parte da Igreja em todos os níveis, e não apenas dos bispos, de apoiar o matrimônio e a família. Se tivermos essa confiança e essa determinação, o Sínodo terá sido um "dinheiro bem gasto".
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Presidente dos bispos dos EUA diz que não há consenso sobre Comunhão a divorciados, mas aposta nas nulidades - Instituto Humanitas Unisinos - IHU