13 Outubro 2014
É uma pena que nenhuma das intervenções apresentadas por cardeais, bispos, leigos e outros participantes do Sínodo são tornadas públicas, um sentimento compartilhado por mais do que alguns, entre eles o cardeal Gerhard Müller.
Mas podemos dar uma olhada em pelo menos uma, que foi proferida nessa quarta-feira à tarde pelo cardeal Godfried Danneels, arcebispo emérito de Malines-Bruxelas, na Bélgica. O cardeal Danneels foi um dos padres sinodais escolhidos pessoalmente pelo Papa Francisco.
O texto foi publicado no blog In Caelo et in Terra, 09-10-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Deus é justo e misericordioso. Ele não pode Se contradizer. Ele pode separar o bem e o mal em um grande espacate. Nós temos dificuldade, porque somos apenas pobres bailarinos por um momento em toda a história.
Cabe a nós, pobres pecadores, encontrar formas de misericórdia que não neguem a verdade; encontrar uma forma para os tempos em que vivemos e para cada cultura. Cabe a nós descobrir formas de misericórdia.
Vou me limitar a uma única forma de misericórdia, que é tão necessária hoje. Muitos se confrontam com o fracasso do seu primeiro matrimônio e se comprometeram com um segundo matrimônio, que, no entanto, não é nem válido para a Igreja, nem sacramental. Hoje, existem muitas pessoas nessa situação.
O que fazemos por elas? Elas muitas vezes desejam a regularização, mas sabem que não há opções. Enquanto muitos caem, há outros que sofrem muito. O que fazemos por todos esses irmãos e irmãs que desejam poder se casar de novo na Igreja?
Regularmente, eu penso que poderíamos estabelecer na Igreja algo como o catecumenato e a ordo penitentium do passado, de modo que a Igreja pudesse ser uma mãe. Na verdade, o que mais importa é organizar algum cuidado pastoral para as pessoas divorciadas em segunda união, e menos uma mudança institucional. Como formar padres e leigos para esse ministério específico, como, no passado, para os catecúmenos e para aqueles que se encontram no processo de receber o perdão por seus pecados?
Em primeiro lugar, somos convidados a respeitar muito os nossos irmãos e irmãs, os divorciados em segunda união. A misericórdia começa onde temos respeito incondicional por todos aqueles que querem viver dentro da Igreja, mas não podem se casar de novo na Igreja e receber a Comunhão.
O mesmo respeito é devido a todo matrimônio real. Alguns carregam dentro de si as sementes que esperam pela primavera. Muitas vezes, os fiéis divorciados em segunda união, consciente ou inconscientemente, estão procurando por uma saída. Mas não há nenhuma saída. Em muitos casos, os casais estão a caminho do ideal que eles tanto desejam. O respeito deve ser o ministério da nossa Mãe Igreja, um ministério que vê o crescimento, a jornada.
Como criar espaço na missão da Igreja para um ministério para as pessoas divorciadas em segunda união? Em primeiro lugar, tentemos encontrar essas pessoas. Muitas estão se escondendo e não se atrevem a falar sobre isso, às vezes nem mesmo com o seu parceiro. Há muito sofrimento oculto. Cabe a nós, padres, procurar pela ovelha que quer voltar para casa, mas não têm a coragem de dizê-lo.
Convidemos essas pessoas a se unirem, a se encontrarem e a ouvirem umas às outras, mas na presença do pastor. Um pastor que ouve com o seu coração. Não deveria haver um foco imediato na dolorosa questão da Comunhão que é negada àqueles que entraram em um segundo matrimônio. A verdadeira escuta carrega a cura dentro de si.
É muito importante falar com elas, deixá-las falar sobre a beleza do matrimônio e da família cristã. A beleza é muito poderosa! Obviamente, não se trata de uma beleza estética, mas de uma beleza que é irmã da verdade e da bondade. Segundo Aristóteles, "a beleza é a verdade em toda a sua glória". Pulchrum est splendor veri.
Dentre os nossos contemporâneos, há muito ceticismo sobre a verdade; a bondade também pode desencorajar, mas a beleza desarma. A beleza cura. Arquimedes disse sobre o nosso mundo de hoje: "Dê-me um ponto de apoio, e eu levantarei o mundo".
Os divorciados em segunda união não são os únicos filhos que sofrem, mas há muitos mais do que pensamos. O meu apelo – em toda a sua simplicidade – é: amar os filhos de Deus. A sua dor e sofrimento muitas vezes são grandes. Eles não pedem imediatamente que os regulamentos da Igreja mudem. O seu clamor, ao invés, é aos pastores que têm os seus corações no lugar certo, que carregam o cordeiro ferido em seus ombros. A beleza desarma. Nós seguramos as cartas: de fato, não há nada mais bonito do que o matrimônio cristão e uma família profundamente fiel. Mas temos que comunicar a verdade para as pessoas divorciadas em segunda união – delicadamente – com as palavras de São Francisco em mente, que falou aos superiores das suas pequenas comunidades: "Nunca permitam que alguém lhes entristeça".
+ Cardeal Godfried Danneels
Roma, 8 de outubro de 2014
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Um Deus justo e misericordioso: o discurso do cardeal Danneels no Sínodo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU