13 Outubro 2014
Em todos os anos desde que o Sínodo dos bispos foi instituído em 1965, nenhum papa jamais começou uma primeira sessão de trabalho de uma assembleia com um discurso como o que o Papa Francisco proferiu na segunda-feira. Seu antecessor mais recente ofereceu reflexões bíblicas durante a oração da manhã, mas nunca disse aos bispos como ele esperava que eles realizassem os seus trabalhos. Era muito claro o que Bento XVI esperava e mais ainda o que João Paulo II exigia. Mas eles nunca articularam isso diante de toda a assembleia. O Papa Francisco, com certeza, sim.
A reportagem é de Robert Mickens, publicada no sítio da revista Commonweal, 09-10-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"Esta é uma condição geral básica: falem com clareza", disse ele aos bispos antes que o Sínodo sobre a família começasse. "Vocês devem dizer tudo o que pensam com parrésia", continuou ele, usando uma palavra de origem grega que significa falar com franqueza, honestidade e ousadia. Se você acha que isso é óbvio, é melhor pensar de novo.
Eu testemunhei um cardeal censurar um bispo auxiliar no primeiro Sínodo para a Europa em 1991, depois que ele se atreveu a questionar a proibição da Igreja à comunhão para os católicos divorciados em segunda união. Os bispos foram informados através de vários canais de que João Paulo II não queria ouvir nada disso. O Papa Francisco diz que, desta vez, não há tal proibição.
"Depois do último consistório (em fevereiro de 2014), no qual se falou da família, um cardeal me escreveu dizendo: é uma pena que alguns cardeais não têm a coragem de algumas certas coisas por respeito pelo papa, considerando, talvez, que o papa pensa algo diferente", disse Francisco aos bispos. "Isso não é bom, isso não é sinodalidade; porque é preciso dizer tudo o que, no Senhor, se sente o dever de dizer ... sem pavidez", disse o papa. "Por isso eu lhes peço, por favor, essas duas atitudes de irmãos no Senhor", continuou. "Falar com parrésia e escutar com humildade".
(Nota da IHU On-Line: O vídeo com a parte mais significativa do discurso do Papa Francisco pode ser vista, em italiano, clicando aqui.)
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Nos dias que precederam o Sínodo, vários congressos relacionados com a Igreja estavam em andamento aqui em Roma. Entre eles, o Fórum sobre a Família, um encontro de dois dias de organizações pertencentes à Catholic Church Reform International (CCRI). Essa rede global, que afirma ter representantes de cerca de 60 países, convocou o Sínodo a ser "inclusivo às famílias católicas em todas as suas diversidades" e a permitir que todos os batizados participem da "tomada de decisão dentro da Igreja".
Eu fui convidado para oferecer sugestões sobre como navegar na "burocracia vaticana" e para partilhar a minha experiência como participante de seis assembleias sinodais entre 1989 e 2000, enquanto trabalhava na Rádio Vaticano.
Pela cidade, enquanto isso, o Fórum Europeu de Grupos Cristãos LGBT realizava um congresso de um dia chamado "Os caminhos do amor". Delegados internacionais apelavam ao Sínodo para elaborar uma pastoral nova e mais inclusiva aos "homossexuais e transexuais". Os palestrantes incluíam Dom Geoffrey Robinson, bispo auxiliar emérito de Sydney, e o teólogo inglês James Alison. Ambos os encontros chamaram a atenção da mídia.
Mas outra importante reunião em Roma escapou à atenção de quase todo mundo fora das suas portas fechadas. Foi uma sessão do Comitê Vox Clara. Esse é o grupo de altos bispos residentes que o Vaticano criou em 2001 para policiar os trabalhos da Comissão Internacional do Inglês na Liturgia (ICEL), um corpo de tradução fundado por prelados de língua inglesa durante o Concílio Vaticano II. A obra-prima do Vox Clara, é claro, é a nova tradução ao inglês das orações da missa (Missal Romano).
No seu encontro dos dias 1º a 3 de outubro, os membros do comitê começaram revisando a tradução do ICEL preliminar do Rito de Exorcismo. Eles se encontraram no Domus Australia, um hotel de peregrinos de vários milhões de dólares que foi criado há alguns anos pelo ex-arcebispo de Sydney, o cardeal George Pell. Curiosamente, ele ainda é o presidente da Vox Clara, embora como secretário do Vaticano para a Economia ele não seja mais um bispo residencial.
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O Papa Francisco continua mistificando os observadores do Vaticano por causa das suas nomeações episcopais. Na quarta-feira, ele enviou o arcebispo Celso Morga Iruzubieta, a autoridade número dois da Congregação para o Clero, de volta à sua nativa Espanha para ser o bispo coadjutor de Mérida-Badajoz. Bento XVI tinha nomeado o então padre de 66 anos ao cargo de secretário do Clero e, depois, o ordenara arcebispo em 2011.
Como o espanhol passou os últimos 27 anos trabalhando nesse departamento vaticano, pode-se argumentar que já era tempo de ele ser transferido. Mas o momento da transferência de Morga permanece confuso. O Papa Francisco o reconfirmara no cargo vaticano há cerca de apenas um ano, e acreditava-se que ele permaneceria lá até pelo menos o fim do mandato de cinco anos para o qual os empregados da Cúria Romana são geralmente nomeados. Esses prazos são rotineiramente estendidos, mas o do arcebispo Morga não deveria nem terminar até dezembro de 2015.
O prelado espanhol é membro da Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz, promovida pelo Opus Dei. Ele também foi um colaborador de longa data do cardeal Mauro Piacenza, o ex-prefeito da Congregação do Clero e um dos principais "ratzingerianos" na Cúria. Quando o Papa Francisco transferiu o cardeal para o cargo menos importante de penitenciário-mor, em setembro do ano passado, alguns disseram que ele estava limpando os escritórios mais importantes do Vaticano dos assessores mais próximos do ex-papa. Estranhamente, ele moveu o cardeal Piacenza no mesmo dia em que ele reconfirmou o arcebispo Morga.
Então, alguns podem concluir que o papa jesuíta tem algo contra o Opus Dei, especialmente depois de ele ter recentemente removido um bispo do Opus Dei no Paraguai. Mas isso seria um erro. Na quarta-feira, ele também nomeou um sacerdote do Opus Dei para ser bispo auxiliar em uma diocese no Brasil (Nota da IHU On-Line: Trata-se do padre Levi Bonatto, paranaense de São José dos Pinhais, nomeado bispo auxiliar de Goiânia (GO).
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Discursos papais e nomeações episcopais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU