10 Outubro 2014
Não existe uma "economia católica", diz o padre Gaël Giraud. Existe um "fórum público mundial em que se discutem as opções políticas. Nesse fórum, os economistas têm um papel importante para ajudar na alocação dos recursos."
A reportagem é de Cesare Martinetti, publicada no jornal La Stampa, 08-10-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A voz do jesuíta de 40 anos Gaël Giraud, que antes de se tornar jesuíta estudou como economista nas altas escolas parisienses (Normal e Polytechnique), tem um peso próprio nesse "fórum" e – obviamente – uma originalidade própria. Não só pela denúncia do "cinismo" de muitos colegas economistas. E não só pela batalha pessoal contra o costume perverso de bancos e política em fazer recair sobre a coletividade os erros dos banqueiros.
Premiado em 2009 pelo Le Monde como o melhor jovem economista, o padre Giraud tornou-se um ouvido protagonista do debate público francês e um interlocutor do presidente Hollande. Até agora – admite –, sem muito sucesso.
Em Turim, ele expôs as suas teses no congresso "Economia e Teologia", organizado na Casa Valdense pelo centro de cultura Pascal e pelo centro de estudos Pareyson.
Eis a entrevista.
Padre Giraud, por que o senhor briga tanto com os bancos?
Como muitos economistas, eu acredito que uma das causas mais fortes da crise está no setor bancário. Os grandes bancos na Europa, Paribas na França, Deutsche Bank na Alemanha, Montepaschi na Itália, são bombas-relógio para as economias dos seus países e para a União Europeia. É preciso absolutamente separar a atividade de crédito das de negócios. Se esta última fracassar, o Estado não deve se sentir obrigado a fazer onerosos resgates para proteger os depósitos dos poupadores. François Hollande havia se comprometido durante a campanha eleitoral, mas, na realidade, fez uma fingida lei de separação.
Como o sistema reagiu à sua denúncia?
Os bancos franceses estavam furiosos com o padre jesuíta que denunciava manipulações e enganos, e me causaram um monte de problemas. O fato é que os nossos grandes bancos têm um peso tão forte a ponto de exercerem um poder de chantagem em relação à política. O Paribas tem um orçamento que tem o mesmo peso do PIB francês. É preciso uma política corajosa que saiba se livrar da hipnose dos bancos.
Mas o grande problema das economias europeias hoje – França, Itália – é a dívida pública. Não concorda?
Eu acho que a dívida privada é muito mais importante do que a pública. Em particular, a dívida dos bancos e a dívida a curto prazo. Com efeito, os bancos são os mais endividados na Europa e estão em situação muito arriscada. A austeridade de orçamento, a meu ver, é uma enorme bobagem. Ter dívida pública é muito menos grave do que ter dívida privada. Para mim, a verdadeira prioridade é o desendividamento dos bancos.
A França está hoje no centro do confronto com Bruxelas sobre o retorno do déficit. No entanto, o ministro das Finanças, Sapin, apresentou um orçamento financeiro de 2015 com muitos cortes e, portanto, muita austeridade. Como avalia isso?
Podiam fazer ainda mais austeridade, mas, felizmente, não fizeram mais. Esse é um falso debate. A austeridade nos orçamentos não é, absolutamente, a prioridade hoje na Europa por causa da deflação. Se todos saírem da dívida ao mesmo tempo, a dívida real – dívida menos inflação – aumenta. É particularmente paradoxal, mas é uma armadilha. Tomemos a Grécia. Matamo-la dividindo a sociedade, e será preciso uma geração para reconstruí-la, mas a dívida grega continua aumentando. E corremos o risco de fazer a mesma coisa na Itália e na França. A austeridade de orçamento, a meu ver, é uma enorme bobagem. O que a Alemanha fez com duas guerras mundiais ela o está refazendo no plano econômico.
Padre Giraud, o senhor também faz parte da comissão nacional para a "transition écologique". Do que se trata?
Se quisermos reencontrar a prosperidade na Europa, devemos passar da economia de hoje, que depende muito do petróleo, do carvão e do gás, para uma economia das energias renováveis e, talvez – é um debate democrático –, da energia nuclear. É um grande projeto de sociedade que temos diante de nós, é um grande projeto político para a Europa, nem de direita, nem de esquerda. Cria trabalho, uma sociedade verde, menos poluente, mais acolhedora para a humanidade e para toda a natureza. Na França, fizemos um grande trabalho. Sabemos o que se pode fazer desde já.
Mas vocês têm soluções concretas ou se trata daquelas propostas fascinantes que beiram a utopia?
Nada disso: são concretas. Começa-se com a restauração térmica dos edifícios, depois com a mobilidade verde, carros elétricos, híbridos, a gás, mais trens do que aviões, reorganização do território, agricultura limpa nos arredores das pequenas cidades, reestruturação da produção agrícola e industrial. Tudo isso é quantificado, sabe-se o que custa, podem-se encontrar os financiamentos.
Então, quais são as dificuldades?
Os medos dos políticos que não sabem dar o pontapé inicial. Três semanas atrás, estive almoçando com o presidente da República, François Hollande. Eu lhe expliquei tudo, lhe disse que tínhamos a oportunidade de fazer isso. Mas ele hesitava. Ele me disse: é preciso encontrar o bom momento político.
Que nunca chega, no entanto.
O problema é político e, mais uma vez, bancário. Os bancos não querem financiar esses projetos, porque são de longo prazo e não dão lucros imediatos. Eles preferem continuar apostando nos mercados financeiros, onde correm risco, mas ganham muito e, quando quebram, sempre pagam o contribuinte.
Padre Giraud, é possível, aqui na terra, uma economia justa?
Sim. É o neoliberalismo que tenta nos fazer acreditar há cerca de 30-40 anos que a economia obedeceria a uma lógica natural, independente de todas as questões de justiça e de política. Do meu ponto de vista, a economia é uma disciplina política e, portanto, deve ser submetida à deliberação democrática. Por isso, existem critérios de justiça na economia.
E o que a sua fé lhe diz?
Ela me faz esperar na capacidade de diálogo da humanidade e na possibilidade de realizar soluções razoáveis.
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"O problema não é a dívida pública, mas os bancos.'' Entrevista com Gaël Giraud - Instituto Humanitas Unisinos - IHU