Por: Cesar Sanson | 30 Setembro 2014
As ações judiciais, especialmente as ações que tramitam no STF concernentes à terceirização do trabalho, afetam a vida de milhões de pessoas e precisam ser conhecidas e divulgadas. O comentário é de Renata Dutra, doutoranda em direito pela Universidade de Brasília e Vitor Filgueiras, pesquisador do CESIT (Centro de Estudos Sindicais do Trabalho) e pós-doutorando do Instituto de Economia da UNICAMP em artigo publicado pelo Brasil de Fato, 29-09-2014.
Eis o artigo.
A disputa em torno da regulação da terceirização trabalhista tem ocupado a agenda pública do Legislativo e do Judiciário brasileiros. Após a momentânea paralisação da tramitação do PL 4330 no Congresso Nacional, os olhares e esforços passaram a se concentrar no Supremo Tribunal Federal (STF), numa tentativa empresarial de afastar a atuação da Justiça do Trabalho, contando com uma atuação mais liberal da Corte Suprema.
As iniciativas empresariais têm rendido frutos, com o reconhecimento da Repercussão Geral do ARE 713211-MG, e, não menos importante, da Repercussão Geral 739, no bojo do ARE 791932, específica sobre a terceirização no setor de telecomunicações.
Em que pesem as especificidades procedimentais e, inclusive, terminológicas, que podem dar a impressão de conteúdo complexo e afastar o interesse da maioria da população, as ações judiciais, especialmente as ações que tramitam no STF concernentes à terceirização do trabalho, afetam a vida de milhões de pessoas e precisam ser conhecidas e divulgadas.
Se admitir a terceirização do trabalho na atividade fim das empresas, o STF vinculará todos os demais órgãos do Judiciário, encerrando a possibilidade de recurso extraordinário sobre o tema. Na prática, provocará grande liberalização da terceirização e restringirá a regulação protetiva do direito do trabalho.
A Repercussão Geral 739 foi proferida pelo STF em sede de recurso extraordinário interposto contra o acórdão proferido pelo Tribunal Superior do Trabalho, em que foi confirmada por decisão do TRT de Minas Gerais, que considera ilícita a terceirização de call center no setor de telecomunicações e reconhece o vínculo empregatício diretamente com a empresa tomadora de serviços.
No ARE 791932, de relatoria de Teori Zavaski, os Ministros entenderam que há repercussão geral na controvérsia sobre se a não aplicação do art. 94, II, da Lei nº 9.472/97 (que supostamente permitiria a terceirização de atividade-fim pelas teles) pelos Tribunais Trabalhistas demandaria observância da cláusula de reserva de plenário, prevista no artigo 97 da Constituição Federal, que dispõe que: “Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”. Assim, será deliberado se a decisão do TST equivaleria a uma declaração de inconstitucionalidade desse artigo.
E, nessa última quarta-feira (24/9/2014), o Ministro Teori Zavaski, relator do processo, deu um passo adiante, sinalizando concordar com as alegações dos empresários, ao determinar o “sobrestamento de todas as causas que apresentem questão idêntica à que será resolvida com foros de repercussão geral no presente caso, sem prejuízo do término de sua fase instrutória, bem como das execuções já iniciadas”.
A decisão do relator representa uma forte sinalização de antecipação do seu entendimento a respeito da terceirização em si, e não apenas da questão processual, na medida em que o sobrestamento alcança a primeira instância, em que os juízes monocráticos podem declarar inconstitucionalidade de normas sem submeter-se à cláusula de reserva de plenário.
Portanto, embora aparente que a questão recursal revista-se de contornos apenas formais, que podem dar ensejo a uma mera determinação do Supremo no sentido de que o TST submeta a questão ao seu Plenário, para sanar o problema do quórum exigido pelo art. 97 da Constituição Federal, é importante ter em mente que, de acordo com a sistemática processual da repercussão geral hoje em vigor, nada impede que, ao decidir a questão processual à qual se atribuiu repercussão geral, o Supremo prossiga no julgamento para enfrentar a questão de mérito relativa à possibilidade ou não de o art.94, II, da LGT autorizar a terceirização de atividade-fim por parte das empresas de telecomunicações. Se o fizer, a Corte vinculará todos os demais órgãos do Judiciário. E essa intenção aparece por meio da preocupação do relator em sobrestar todos os processos, inclusive os que se encontram no primeiro grau.
A questão, portanto, possui relevância crucial para a regulação do trabalho no país por duas razões:
Primeiro, pela exceção que representa em relação à regra geral firmada no ordenamento jurídico, que atualmente determina que a terceirização de atividade-fim é ilícita, visto que se caracteriza como intermediação de mão de obra e implica rebaixamento das condições de trabalho. Dentre os vários indicadores que demonstram a relação entre terceirização de atividade fim e precarização do trabalho, cite-se a estreita relação entre a terceirização e os dois limites da relação de emprego: o trabalho análogo ao escravo e os acidentes de trabalho fatais.
Segundo, pela possibilidade de o Poder Judiciário reconhecer e legitimar a terceirização justamente nos call centers, um setor em que essa forma de contratação tem contribuído para provocar a precarização das condições de trabalho e de vida dos trabalhadores envolvidos.
A categoria de trabalhadores que se ativa nos call centers é sub-remunerada (81,3% percebem até dois salários mínimos) e caracteriza-se como uma das mais rotativas do país (De acordo com dados do DIEESE, a categoria de teleatendimento observou, em 2011, uma taxa de rotatividade bruta de 63,6%). Não bastasse isso, os dados sobre adoecimento no setor têm alarmado especialistas e se relacionam intimamente com a precarização decorrente da terceirização: identificamos que o número de Comunicações de Acidentes de Trabalho emitidas para teleatendentes contratados por meio das empresas de call center é mais de 100 vezes maior do que aquele emitido para os teleatendentes diretamente contratados pelas empresas de telefonia, o que nos aproxima de duas considerações finais:
1) As piores condições de trabalho verificadas no teleatendimento terceirizado em comparação às tomadoras de serviço implicam uma maior quantidade e incidência de adoecimentos decorrentes das atividades laborais, como sugerem, além dos dados do INSS, os pedidos e decisões judiciais, inclusive no âmbito do TST.
2) Sendo a gestão da força de trabalho nas atividades de teleatendimento mais predatória, gestão essa controlada pelas empresas tomadoras dos serviços, a terceirização contempla a tentativa de externalização da doença e suas responsabilidades (mas não a gestão da atividade, que permanece sob a égide do tomador).
Em suma, as ofensivas patronais contra o direito do trabalho não se restringem às plataformas presidenciais, e todos precisam estar atentos para que o STF não viabilize o desastre às condições de trabalho de milhões de pessoas que o avanço da terceirização provocaria.
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Mais um passo perigoso em direção da maior liberação da terceirização: o Supremo e o setor de telecomunicações - Instituto Humanitas Unisinos - IHU