09 Setembro 2014
“As escolas de hoje não ensinam sobre a diversidade do ser humano”. Com essas palavras, o filósofo e antropólogo francês Edgar Morin abriu neste sábado uma das mais concorridas palestras do encontro internacional Educação 360.
A reportagem é de Leonardo Vieira, publicada pelo jornal O Globo, 06-09-2014.
As cerca de 600 pessoas que lotaram o auditório na Escola Sesc de Ensino Médio, em Jacarepaguá, ouviram as críticas de Morin ao atual modelo de ensino no mundo, que segundo ele, se especializou em fornecer conhecimentos fragmentados. De acordo com o pensador, a escola não atende mais às necessidades vitais do cidadão, que passariam por um aprendizado integrado e observando todos os aspectos da realidade humana:
- Aprendemos na escola muitos conceitos, muitos conhecimentos, mas todos dispersos. Precisamos desenvolver um modelo educacional que ligue esses conhecimentos, que lhes coloque em perspectiva. As escolas acumularam saberes, mas não são capazes de organizá-los.
Morin era um dos palestrantes mais aguardados do seminário Educação 360, que começou na sexta e termina neste sábado, com a palestra do presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Francisco Soares. O filósofo francês conquistou a plateia logo de início, quando arriscou poucas palavras em português dizendo que não ousaria falar durante toda a conferência na língua de Camões, já que isso só seria possível se ele tomasse "algumas caipirinhas".
Já em excelente francês, Morin pregou que a verdadeira reforma educacional no mundo só será possível assim que os currículos das diversas disciplinas se preocupassem em pensar conjuntamente o ser humano.
- Há uma realidade mutilada de nós mesmos, fatiada. Nas aulas de Biologia, eu conheço nosso organismo. Na de economia, somos traduzidos apenas em números frios. Em ciências humanas, fico sabendo como como agimos em sociedade. Mas há conhecimentos separados de tudo isso, e precisamos integrá-los. O aluno precisa entender que a diversidade é o tesouro da humanidade.
Morin se aprofundou no debate filosófico para defender sua tese. Para ele, é preciso que as questões do "eu" e do "nós" sejam trabalhadas conjuntamente, de forma que a pessoa não seja sufocada pela sociedade. Dissertando sobre a alteridade, o francês afirmou que não só o aluno, mas os cidadãos em geral precisam conhecer e compreender o "outro". O esforço de a realidade no outro lado deve começar, principalmente, pela batalha do autoconhecimento:
- Não ensinamos nem a nos conhecer. As escolas deveriam estimular que alunos escrevessem diários, e depois os lessem com o passar do tempo. E essa prática poderia perpassar ao longo de toda a educação básica. Só conhecendo nossas fraquezas é que conhecemos também as fraquezas dos outros, e assim, as compreenderemos.
Em cerca de uma hora de discurso, houve espaço também para a introdução de conceitos já defendidos por Morin em seus trabalhos, como por exemplo a "ecologia da ação". Nela, o aluno precisa estar consciente de que toda decisão é uma aposta, e que somente desenvolvendo estratégias de ação é que seria possível o professor lidar com as incertezas dos estudantes quanto ao futuro. Segundo o pensador, esse seria um dos maiores anseios da sociedade moderna:
- E escola e o conhecimento que ela produz não nos prepara para lidarmos com as incertezas que nos cercam. Professores têm que incutir nos alunos a consciência da tomada de ação. A plateia também participou do debate.
No momento em que a palestra foi aberta para perguntas, Morin se deparou com questões como o possível conteudismo nos currículos da educação básica, a formação defasada do professor e o dilema entre integrar o conhecimento no ensino fundamental e médio, e lidar no final do ciclo com a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que também pecaria pelo excesso no foco em conteúdo.
- Também acho que todos esses problemas estejam acontecendo. Concordo com tudo isso. Mas esse fenômeno acontece também porque os professores se retraíram em suas próprias disciplinas, sem dialogar com docentes de outras áreas. O individualismo está exacerbado, e precisamos estimular a solidariedade.
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‘A revolução na educação passa pelo conhecimento do próprio ser humano’, diz Edgar Morin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU