22 Agosto 2014
Na semana em que publica uma série de textos sobre as eleições para o governo do Pará, o site Mídia e Desmatamento na Amazônia entrevistou o engenheiro florestal Paulo Barreto, pesquisador sênior do Instituto Homem e Meio Ambiente na Amazônia (Imazon), prestigiosa entidade não-governamental sediada em Belém (PA).
A entrevista é publicada por EcoDebate, 21-08-2014.
O aproveitamento econômico das extensas áreas sem utilização econômica, a especulação e a regularização fundiária e o aumento do desmatamento em 2013 foram os principais tópicos abordados.
Eis a entrevista.
Existe uma grande área desmatada e ociosa no Pará, onde seria possível expandir a pecuária. O que é preciso para que essa área se torne produtiva?
A Embrapa e o Inpe estimaram que, em 2010, havia cerca de cinco milhões de hectares de pastos sujos e capoeiras, pasto com regeneração florestal, o que equivalia a um terço do total de pasto no Pará. Considerando apenas o potencial natural, somente uma parte desta área deveria ser dedicada à produção agropecuária, enquanto outra parte deveria voltar a ser floresta nativa.
Essa parte que deveria ser floresta é constituída por áreas com baixo potencial agropecuário por motivos como relevo muito acidentado ou devido à inundação do solo. O fato de que o pasto está sujo mostra que já está ocorrendo regeneração natural da floresta. Assim, basta deixar regenerar, impedindo incêndios. Talvez cerca de 30% da área de pastos sujos esteja em áreas que deveriam voltar a ser floresta.
Na parte com melhor potencial agropecuário seria possível a produção pecuária, agrícola ou florestal. Em geral, é necessário melhorar o solo, incluindo a calagem (aplicação de calcário) e adubação. A produção nestas áreas pode ser lucrativa, mas é necessário investimento relativamente alto. Além disso, precisaria melhorar a infraestrutura, especialmente as estradas, pois é necessário trazer insumos como o adubo e pessoal especializado, pelo menos para treinar o pessoal local. Um impedimento para investir é a falta de documentos das terras.
Sem, isso o crédito fica mais difícil por falta de garantia, além do que o próprio posseiro tem menos confiança em fazer grandes investimentos na área. Ele prefere apenas extrair os recursos do solo até eles se esgotarem. Finalmente, a área desmatada e mal usada é grande demais, o que torna inviável aproveitar tudo de uma vez. Não haveria demanda para tanta produção se toda a área fosse recuperada e faltaria gente treinada para aplicar as melhores práticas. Portanto, a recuperação tem que ser gradativa.
Ou seja, a pecuária na Amazônia precisa se modernizar, receber investimentos, mas boa parte das fazendas são fruto de um processo de apropriação ilegal de terras públicas. Como sair desse impasse?
Este é um nó complicado, mas os governantes têm que ter a coragem de desatá-lo. Para facilitar os investimentos e, portanto, aumentar a produção, é necessário documentar as terras. Porém, teria que regularizar as posses de forma que não estimulasse novas ocupações. Para isso, o governo deveria acelerar a regularização destes imóveis, mas sem subsídios – ou seja, o governo teria que cobrar o preço de mercado pelas terras em vez doá-las ou vendê-las por um preço abaixo do mercado, como tem feito.
Enquanto não regulariza, o governo deveria cobrar um aluguel pelas áreas para evitar a continuação do subsídio que incentiva novas ocupações. Se o governo regularizar as terras de maneira subsidiada, continuará a corrida violenta e devastadora para ocupar e desmatar áreas em excesso na região. Como o problema é muito amplo, o governo deveria priorizar a regularização nos municípios que já reduziram o desmatamento e que têm uma grande parte já registrada no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Assim, além de resolver o problema fundiário, premiaria quem já demonstrou compromisso em melhorar a gestão ambiental.
Há várias iniciativas em curso no Pará que conciliam esforços de governo, prefeituras e terceiro setor para por fim ao desmatamento. Como tem reagido as entidades que representam setores econômicos que induzem o desmatamento no estado? Elas têm colaborado de fato, aderiram a esse esforço?
Uma parte do setor, incluindo produtores, parte da indústria e o varejo já entenderam que é inaceitável continuar desmatamento ilegalmente. Esse entendimento ocorreu devido pressões legais, como multas, embargos e confisco de gado, além de pressões do mercado, como boicotes e demandas por compromissos ambientais impulsionados por campanhas ambientalistas. Por isso, hoje há sindicatos rurais, frigoríficos e cadeias de supermercados envolvidas em projetos para melhorar a produção e evitar o desmatamento.
Estas iniciativas contam com apoio de profissionais experientes em boas práticas agropecuárias e de restauração florestal. Ao mesmo tempo, uma parte do setor ainda se beneficia de práticas como o desmatamento para a apropriação de terras públicas, vulgarmente chamada de grilagem. Assim, esses agentes procuram dificultar a disseminação das boas práticas, tentando desacreditá-las e bloquear as pressões contra o desmatamento.
Como parte do controle do desmatamento, 61,27% dos imóveis rurais do Pará já aderiram ao CAR e, em tese devem, fazer a adequação ambiental segundo o novo Código Florestal. No entanto, o desmatamento no estado, em 2013, subiu 37% em relação a 2012. Por que isso ocorreu?
Em geral, o contexto ficou mais favorável ao desmatamento em toda a Amazônia, onde o desmatamento aumentou 28%. Primeiro, porque o preço de produtos agropecuários aumentou, o que torna a produção mais atrativa. Segundo, porque houve o enfraquecimento das regras ambientais. O Código Florestal novo anistiou parte do desmatamento ilegal, cerca de 29 milhões de hectares no Brasil, criando a sensação de que a lei ambiental no final das contas não vai pegar. O governo federal também reduziu unidades de conservação no Pará para atender a pressão de ocupantes ilegais e para facilitar a instalação de hidrelétricas no Tapajós. Infelizmente, ainda ocorre desmatamento em áreas já registradas no CAR mostrando que o governo estadual não está fiscalizando como deveria.
Finalmente, o acordo dos frigoríficos que se comprometeram a comprar apenas de áreas sem desmatamento ilegal cadastradas no CAR ainda é limitado. Recentemente, um comprador de gado declarou que é possível burlar o acordo, pois quem não está cadastrado vende por meio de uma fazenda cadastrada. Além disso, o acordo trata apenas das fazendas que vendem o boi gordo, ou seja pronto para o abate, diretamente para os frigoríficos. Mas, muitas destas fazendas de engorda compram bezerros e novilhos de outras, chamadas de fazendas de cria e recria. Os frigoríficos não controlam as fazendas de cria e recria. Assim, uma parte expressiva das fazendas pode desmatar ilegalmente e continuar vendendo, seja por meio de fraude ou porque estão livres do acordo pela carne legal. Portanto, os acordos devem ser ampliados e melhor implementados.
Em uma reportagem publicada há algumas semanas, você afirmou: “Não precisamos mais desmatar no Brasil, mas, para isso, o governo tem que ir além da fiscalização”. O que o governo federal deve fazer para ir além da fiscalização?
A fiscalização é essencial. Porém, é importante corrigir falhas gravíssimas que incentivam o desmatamento desnecessário, especialmente a especulação fundiária. A especulação é facilitada por regras que beneficiam quem descumpre a lei. Ainda existem muitas florestas na Amazônia que são terras públicas. Como o governo não toma conta destas áreas, muita gente ganha dinheiro tomando posse ilegalmente destas terras, seja para produzir ou para vender no futuro. A forma mais clara de demonstrar que tem a posse, é desmatar para evitar que outros ocupem.
A ocupação continua sendo atrativa por dois motivos. Embora a ocupação seja originalmente ilegal, o poder público é pressionado pelos posseiros (incluindo aqueles que são políticos) e aprova regras que permitem regularizar as posses ilegais até uma certa data. Atualmente, a data é dezembro de 2008. Além do mais, a regularização geralmente prevê facilidades, como a doação de terras ou a venda por preços abaixo do mercado. Quando o governo tenta retomar estas posses, os processos tendem a ser muito longos e, pior ainda, há juízes que dizem que o posseiro só pode ser removido se receber uma indenização pelas benfeitorias. Ironicamente, o principal item considerado como benfeitoria é a área desmatada ilegalmente.
Portanto, o poder público tem que parar essa fábrica insana de desmatamento ilegal e desnecessário. Para isso, tem que parar de legalizar posse ilegal; tem que parar de doar e vender terra por preço abaixo do mercado e tem que parar de considerar desmatamento ilegal como benfeitoria.
Outra forma de desestimular a especulação é cobrar efetivamente o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural. O ITR estabelece alíquotas maiores para imóveis com baixo grau de utilização para evitar que as pessoas ocupem grandes áreas sem produzir. Entretanto, um técnico da Receita Federal estimou que, em 2002, a arrecadação atingiu apenas 6% do valor potencial no Brasil. O Ministério do Meio Ambiente deveria convencer a Casa Civil a convocar os outros setores do governo responsáveis pelas políticas fundiárias e fiscais a ajudarem no combate ao desmatamento.
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‘O poder público precisa parar essa fábrica insana de desmatamento ilegal e desnecessário’. Entrevista com Paulo Barreto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU