16 Mai 2014
O mais novo livro de David Bentley Hart, The Experience of God: Being, Consciousnes and Bliss [A experiência de Deus: existência, consciência e êxtase], tem causado rebuliço nos dois lados do Atlântico. David é teólogo da Igreja Ortodoxa Oriental e vem se destacando pelas criticas que faz aos "novos ateus", como Richard Dawkins, Christopher Hitchens e Sam Harris.
A análise é do escritor James Mumford, pesquisador de pós-doutorado do Instituto de Estudos Avançados em Cultura da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos. O artigo foi publicado na revista inglesa Standpoint, de maio de 2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Um teólogo que sabe escrever. Um estudioso profundo e conciso. Um conceituado acadêmico que é mestre em língua inglesa. Se para você isso soa como uma série de oximoros, você deve ler David Bentley Hart, o escritor religioso mais empolgante da última geração.
Sobre Dawkins et al, ele diz: "Os livros dos 'novos ateus' não são nada mais do que ataques espasmódicos e desamparados a exércitos inteiros de homens de palha". Ele oferece a cada um o seu melhor: Dawkins é o "zoólogo e incansável escritor de tratados" e o livro The End of Faith, de Sam Harris, é "extravagantemente inexperiente".
E também nem tudo é retórica. Hart é inteligente, com a substância de uma vida de pesquisa acadêmica. Por exemplo, isso é o que ele tem a dizer sobre a afirmação central do naturalismo filosófico, de que a verdade só é encontrada em explicações materiais da realidade: "É uma proeza de pensamento sublimemente circular: a física explica tudo o que nós sabemos, porque tudo o que existe deve ser explicado pela física, o qual sabemos porque a física explica tudo".
Finalmente, temos um escritor religioso que consegue jogar contra os grandões.
Curiosamente, no entanto, e felizmente, o impacto de Hart é equilibrado por um lirismo raro. Depois do tsunami ocorrido no Oceano Índico em 2004, ele escreveu uma reflexão comovente sobre a questão da teodiceia intitulada The Doors of the Sea [As portas do mar]. "Muito abaixo da superfície da água", escreveu, "sobre e abaixo do fundo do oceano, encontra-se uma fonte de violência elementar tão vasta, convulsiva, imprevisível, perene e destrutiva que quase se poderia ser tentado a pensar que ela própria é um tipo de Deus particularmente indomável e infernal". Nada frio ou clínico sobre esse envolvimento com a questão do sofrimento.
O novo livro de Hart, The Experience of God: Being, Consciousness and Bliss [A experiência de Deus: existência, consciência e êxtase] (Yale University Press, 2013) vem causando um rebuliço em ambos os lados do Atlântico. "Esse é o livro de teologia que todos os ateus devem ler", disse Oliver Burkeman no Guardian, uma exortação ecoada por Ross Douthat, colunista do New York Times. Leia-o "do começo ao fim", aconselhou Douthat no meio de uma conversa longa e calorosa com o escritor Adam Gopnik, da The New Yorker, a respeito dos argumentos de Hart. Hart tem se destacado em uma arena a que poucos líderes religiosos, muito menos escritores, tem sido admitidos.
Nascido em 1965 e criado em Maryland, nos EUA, Hart não teve origens privilegiadas. Na escola pública (ou seja, estatal) no condado de Howard, onde estudou, ele mergulhou no latim e no grego. Fora do currículo, estudou francês, alemão, espanhol, italiano, russo e grego moderno; e continua fluente em todos eles. Na Universidade de Maryland, estudou os clássicos: história, literatura mundial, estudos religiosos e filosofia, também aprendeu a ler chinês e sânscrito no tempo livre. Essa educação extraordinariamente ampla também tinha um elemento existencial. Ele ficou tão atraído pela teologia dos Padres da Igreja que se converteu para a Igreja Ortodoxa Oriental aos 21 anos.
Assim como G. K. Chesterton, Hart destaca-se em neutralizar as narrativas preguiçosas e ideologicamente carregadas que herdamos. Assim, as guerras religiosas "devem realmente ser lembradas como as primeiras guerras das nações do Estado moderno". Elas não tinham nada a ver com a fé. Elas tinham a ver com príncipes regionais na Europa que utilizavam as crenças religiosas como pretextos para ganhar poder. Mesmo a história da ciência é distorcida. Hart chama a atenção para o heliocentrismo de pensadores cristãos que remonta ao século V na Alexandria.
Apesar de sua determinação, os projetos intelectuais de Hart são relativamente bem contidos, até mesmo modestos. Em seu livro Atheist Delusions [Delírios ateus] ele não pretende fazer proselitismo. Não, ele simplesmente acha que os novos ateus entendem erroneamente o passado. Ele quer corrigir a situação. Ele quer defender "a pura imensidão da ininterrupta tradição ocidental cristã", a forma como as suas ideias - por exemplo, sobre a dignidade do ser humano - "entraram na sociedade antiga um pouco como um meteoro em um céu claro".
A ambição do novo livro de Hart é igualmente específica. Em The Experience of God, ele tenta meramente oferecer uma definição da palavra "Deus" que seja reconhecida por todas as principais tradições religiosas. Enquanto o debate se desencadeia sobre a crença em Deus, o próprio conceito de Deus "tem permanecido estranhamente obscuro".
"Meu principal objetivo", escreve, "não é aconselhar os ateus sobre o que eu acho que eles deveriam acreditar. Eu quero apenas ter certeza de que eles tenham um conceito claro do que é que eles afirmam não acreditar". Assim, Hart aprofunda a diferença entre "Deus" e "deuses" no hinduísmo Vedanta e Bhaktic, o significado do monoteísmo dos judeus helenistas e as três definições em sânscrito da natureza divina: sat (existência), chit (consciência) e ananda (êxtase).
Em tudo isso, talvez a sua maior habilidade seja ser apologético - no sentido de dar uma "apologia", ou razão para a crença religiosa - sem desculpas. Defender a fé de forma não defensiva. David Bentley Hart se parece com o pensador que você estava esperando.
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Existência, consciência, êxtase: Deus visto por um teólogo ortodoxo em diálogo com as grandes tradições religiosas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU