05 Mai 2014
Reunidos numa sala do Colégio São Vicente no mês passado, pais de alunos que se formarão no fim deste ano no ensino médio ouviam o produtor da empresa Forma Ideal Obah! falar sobre as exigências dos estudantes para o grande evento. Tudo chamava atenção. O preço, o tamanho da festa, os cuidados e, principalmente, a quantidade de bebidas alcoólicas oferecidas numa noite em que menores de idade serão a maioria.
A reportagem é de Marina Cohen, publicada pelo jornal O Globo. 26-04-2014.
Jägermeister, tequila, uísque, champanhe, vodca importada, energéticos... Todas essas bebidas, sempre das melhores marcas, são comuns em festas de formaturas de escolas particulares como Santo Inácio, pH e Notre Dame. Mas a ostentação não fica por aí. Shows grandiosos com artistas conhecidos, como Mr. Catra, Marcelo D2 e Furacão 2000, fazem parte da programação. Cascatas de chocolate suíço, áreas VIP, ambulância com paramédicos na porta e até a participação de anões contratados, novo modismo nesse universo, são “itens” quase obrigatórios de eventos milionários, que custam até R$ 3,5 mil por aluno e arregimentam perto de R$ 1 milhão.
— Essa formatura é uma lista de insanidades que chega a parecer que estamos falando com um bando de alucinados — comenta Josemar Cruz, que participou da comissão de pais do ano passado no colégio Santo Inácio para tentar mudar o quadro de formaturas suntuosas, mas enfrentou forte resistência de outros pais. — Mas há uma distância entre a indignação e a ação, ainda mais quando se trata de dizer não para os filhos. Para enfrentar o problema do modelo nababesco é necessário que haja uma conversa em família, algo que está ficando raro nos tempos atuais.
Filho de Josemar, Arthur, hoje com 18 anos, se recusou a participar da festa do ano passado, junto com mais dez amigos.
— Não bebo e não via sentido em gastar R$ 3 mil para me mostrar para as outras pessoas. Essas festas são mais ostentação do que comemoração — opina Arthur, que estuda Engenharia Mecânica na UFRJ e preferiu gastar o dinheiro em uma viagem aos Estados Unidos. — Muita gente não concorda com o que rola nas festas, mas o lobby das empresas de eventos com os alunos é muito forte. Eles começam a seduzi-los no segundo ano. Quem não embarca acaba se sentindo excluído.
Mesmo ainda a três anos de distância do grande dia, uma aluna do primeiro ano do Santo Inácio comenta que já se fala sobre as festas de formatura nos corredores do colégio.
— A expectativa é enorme desde o ensino fundamental. A série inteira vai à festa e, se você não vai, fica de fora de todos os assuntos — observa a adolescente.
No ano passado, no Colégio Santo Inácio, pouco mais de 230 alunos arrecadaram quase R$ 700 mil apenas com o pagamento de suas parcelas, para uma festa de 3 mil pessoas, segundo informações passadas por pais de ex-alunos. A cifra, somada à quantia recolhida com a venda de ingressos extras (cada um custa R$ 300), chega perto de R$ 1 milhão. Ao concordar com o pacote oferecido pela companhia carioca, cada aluno teve direito a cinco convites e a participar de dois churrascos de confraternização, os “kalangos”, aquecimentos para o grande dia.
As noitadas são uma batalha de status. Segundo o contrato de adesão à festa, assinado pelos pais dos formandos, a empresa FormaIdeal Obah! se responsabiliza pelo custeio de até R$ 50 mil para contratação de atração musical, além de R$ 150 mil na decoração. Com a locação do espaço, geralmente o Riocentro ou o Centro de Convenções SulAmérica, o gasto é até de R$ 115 mil. O buffet inclui comida japonesa, café da manhã, mesa de guloseimas, mesa de tortas e cascatas de chocolate preto e branco.
A lista de bebidas alcoólicas, no esquema “open bar” é grande: cerveja Stella Artois, Jägermeister, tequila, Santa Dose, Red Bull, uísque Johnnie Walker Red Label e Chandon Brut para todos os convidados. Os formandos, que têm acesso a uma área VIP, ainda degustam de uísque Green Label, chopp Heineken, Smirnoff Ice, além dos demais serviços de bar e buffet. Mas muitos pais não concordam com esse estilo de “formatura ostentação”.
— Acho válida a comemoração, mas não há a menor necessidade de tanta ostentação. Isso acabou se tornando uma “disputa” entre quem fará a maior e melhor festa de formatura — diz a mãe de um ex-aluno do Colégio Santo Inácio, que pagou cerca de R$ 3 mil pela festa do filho, em 2012, a contragosto.
A festa do Colégio São Vicente deste ano também será produzida pela FormaIdeal Obah! e, entre os pedidos dos estudantes, está uma luta na espuma entre dois anões, porque “anões estão na moda”, segundo os alunos. Os formandos pagarão R$ 1.500 pelo baile de gala e mais dois churrascos. Apesar de não concordar com o padrão ostensivo da festança, a mãe de um aluno da escola de Laranjeiras acredita que reclamar apenas da variedade de bebidas alcoólicas é hipocrisia.
— Os pais, preocupados, vão às reuniões com a comissão de formatura, mas os argumentos são hipócritas. Os adolescentes querem vodca. Eles vão beber, vão encher a cara e ficar de ressaca de qualquer forma, então é melhor que a vodca seja boa — diz a mãe.
Segundo Guízela Mello, que tem uma filha no primeiro ano do ensino médio no Colégio Santo Inácio, achar que os adolescentes começam a beber aos 17, 18 anos seria inocência. As farras regadas a álcool começam muito antes, nas festas de 15 anos.
— Os bailes de debutantes já são open bar. Enquanto a mesa de comida só tem cachorro-quente e minipizza, o bar, sempre com drinks liberados, tem uma enorme variedade de opções. E os pais são coniventes. Dizem que a bebida é só para os maiores, mas, na verdade, não existe nenhuma fiscalização e muitos menores bebem à vontade — diz Guízela, que acredita que os pais são os principais culpados por este comportamento. — Quando minha filha tiver 18 anos, ela vai poder decidir, mas, até lá, é minha responsabilidade orientá-la.
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, “é proibida a venda à criança ou ao adolescente de bebidas alcoólicas”. Para não infringir a lei, a produtora FormaIdeal Obah! distribui pulseiras para os maiores de idade e, em teoria, apenas os que apresentam o acessório nos bares são autorizados a retirar os drinks.
Respaldo legal
O presidente da Comissão de Seguranca Pública da OAB-Rio, Breno Melaragno, diz que a empresa está respaldada legalmente com o sistema de pulseirinhas, mas ressalta que cabe à Vara da Infância, Juventude e Idoso ou à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente fiscalizar se a lei está sendo cumprida, assim como é feito em casas noturnas.
— Se alguma autoridade flagrar menores consumindo bebidas alcoólicas enquanto membros da produtora do evento testemunham a infração, pode ser que recaia alguma responsabilidade para a empresa — destaca Melaragno.
Já o Colégio Santo Inácio deixa claro que não se envolve com o baile de formatura. Segundo o reitor, padre Luiz Antonio Monnerat, a escola nem permite que os funcionários das empresas de eventos entrem no colégio. Há dois anos, ele também passou a convocar os pais para participarem da comissão de formatura, antes formada apenas por alunos.
— Nós promovemos apenas a colação e a missa de formatura, o resto fica a cargo dos alunos e dos pais — garante o diretor.
— Inclusive, nas minhas conversas com pais e alunos, insisto para que os estudantes façam outro tipo de comemoração, sem álcool.
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Pais se alarmam com consumo de bebidas alcoólicas em festas do ensino médio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU