Roteiro bíblico da Semana Santa: cronologia da Paixão

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Por: André | 16 Abril 2014

Igrejas e povoados se enchem nestes dias com a programação da Semana Santa, onde se anunciam sobretudo procissões (de interesse turístico!) e, às vezes, missas e tempos de oração.

A reportagem é de Xavier Pikaza e publicada no seu blog, 12-04-2014. A tradução é de André Langer.

 
Fonte: http://bit.ly/1hTfNG3  

Agências de viagens e hotéis tentam vender estas últimas pechinchas da páscoa profana com viagens para Cefalu (Itália) ou Samarcanda (Uzbequistão), para Laos ou a Tailândia (com o último reduto turisticamente não “pisado” da face da terra).

De maneira muito mais simples, quero oferecer aos meus leitores um “roteiro” com a cronologia da Semana Santa de Jesus, para aqueles que queiram percorrer seu caminho, segundo a Bíblia.

Há outras versões dessa cronologia, que discuto com certa amplitude em História de Jesus (Estella: Verbo Divino, 2013), como poderá ver quem desejar estudar o tema. Aqui apresento uma visão mais tradicional, que continua sendo, na minha opinião, a mais verossímil. Não é muito o que posso oferecer aos meus leitores, apenas um pequeno mapa com o percurso da Paixão de Jesus, um guia da sua Semana Santa, mas talvez possa servir para alguns, como verá quem continuar lendo.

– Primeira imagem: um roteiro da Semana Santa, sem indicação de local, sem tabela de procissões. Apenas quatro luzes sobre um fundo escuro. Soaram os tambores, talvez se faça silêncio e comece a vibrar no ar da noite uma seta.

– Segunda imagem: a mais solene das procissões da Semana Santa, que se vem celebrando desde antigamente em Jerusalém: Peregrinos de fora e cristãos do lugar “descem” com Jesus do monte das oliveiras (ladeando o cemitério judeu) para entrar na cidade da condenação e da vida (onde brilha a cúpula do Templo).

Bons dias a todos. Uma Semana Santa feita caminho de vida.

Duas cronologias

Tratei delas várias vezes neste blog:

– Alguns dizem que a Semana Santa foi mais que uma semana..., que a Ceia de Jesus não foi na Quinta-Feira Santa, mas alguns dias antes (seguindo um calendário essênio), e que o tempo do julgamento de Jesus no Sinédrio e no Pretório foi mais longo.

– Apesar dos valores dessa tese, continuo defendendo a Semana Santa curta, de oito dias, pois me parece que concorda melhor com os dados que temos sobre Jesus. Prefiro, pois, a cronologia curta e penso que os fatos básicos da paixão de Jesus (ceia, horto, julgamento, morte e sepultamento) duraram apenas 24 horas.

Introdução, um esquema panorâmico:

1. Sábado: Jesus descansa em Jericó antes de iniciar a última jornada (cf. Mc 10,46-52).
2. Domingo: Subida a Jerusalém e entrada real sobre um jumento (cf. Mc 10,46-11,11).
3. Segunda-feira: Maldição da figueira (Mc 11,12-14) com a purificação do Templo (Mc 11,15-18).
4. Terça-feira, grande disputa: Vinhateiros homicidas, sermão escatológico (Mc 11,20-13,37).
5. Quarta-feira: Os sacerdotes decidem prender Jesus. Ceia em Betânia (Mc 14,1-11).
6. Quinta-feira: Última Ceia, Horto das Oliveiras, prisão e julgamento (Mc 14,12-72).
7. Sexta-feira: Condenado por Pilatos, crucificação e sepultamento (Mc 15,1-47).
8. Sábado: Grande páscoa judaica, os seguidores de Jesus ficaram em silêncio.
9. Domingo: Páscoa cristã, com as mulheres na sepultura (Mc 16,1-8).

Visão detalhada dos três últimos dias

1. Noite de quinta-feira para sexta-feira

Estritamente falando, essa noite (que para os judeus já era sexta-feira, pois o dia começava, segundo eles, após o pôr do sol), foi uma noite de vésperas, não de ceia pascal, e nela Jesus quis “antecipar” os principais (finais) aspectos do seu compromisso a serviço do Reino, como destaquei no capítulo anterior. Mas também foram de vigilância dos seus vigilantes, aqueles que queriam condená-lo, a começar pelos sacerdotes:

– Ao pôr do sol da quinta-feira (começo da sexta-feira judaica), Jesus e seus discípulos se reuniram para a Ceia de anúncio e preparação para a Páscoa do dia seguinte que, para Jesus, marcaria o começo do Reino, que ele quis antecipar e prefigurar com sua entrega, convidando os seus para a próxima Taça pascal no Reino (Mc 14,25). Os sacerdotes (avisados por Judas) preparavam a sua prisão.

– Primeira vigília (das 18h às 22h, iniciada já a sexta-feira judaica): Ceia messiânica de Jesus, ratificando sua entrega e preparando a próxima Páscoa do Reino; foi um momento de máxima tensão entre Jesus e seus discípulos: Jesus compartilha com eles o pão, e promete-lhes a próxima taça no Reino, que começará na noite seguinte (com a Páscoa). O texto supõe que eles a aceitam (comem e bebem com ele), mas não compartilham sua opção messiânica, seu gesto de dar a vida. Por isso, esta Ceia parece vincular-se com a entrega de Cristo (cf. 1 Cor 12,23).

 
Fonte: http://bit.ly/1hTfNG3  

– Segunda vigília (das 22h às 2h da noite da sexta-feira): Oração no Horto do Monte das Oliveiras. Jesus invoca a Deus, pedindo a chegada do Reino nesse Monte, enquanto se estreita a trama daqueles que querem prendê-lo e matá-lo. É nesse contexto que se deve ver a traição de Jesus, que o entrega, e o abandono geral dos Doze, que fogem. Os sacerdotes e Judas haviam preparado cuidadosamente a prisão, no meio da noite, de forma que os galileus não pudessem defendê-lo. Talvez os outros não prepararam nem previram o que poderia acontecer. É possível que a prisão de Jesus os pegasse de surpresa, mas seu abandono estava prefigurado já na Ceia. Esta foi a grande crise, a decisão irreparável. Jesus não foge nem se defende, ficando nas mãos dos que vêm para prendê-lo.

– Terceira vigília (das 2h às 6h da madrugada da sexta-feira): Julgamento informal na casa de Caifás, com a negação de Pedro. Não sabemos se é histórico o dado de João (cf. Jo 18,12-14.24), quando afirma que se reuniram primeiro na casa de Anás, sacerdote mais influente, para depois ir à casa de Caifás, seu genro, que era Sumo Sacerdote. Mas está claro que a prisão e o primeiro julgamento de Jesus correram a cargo da aristocracia sacerdotal do Templo, não do povo enquanto tal. Não parece que neste contexto se possa falar de uma reunião de todo o Sinédrio (visão histórico-teológica de Mc 14,55), mas melhor dos principais sacerdotes. Jesus os havia criticado e agora fica em suas mãos, esperando a resposta de Deus.

2. Manhã da sexta-feira

Os partidários da cronologia “longa” costumam afirmar que os acontecimentos que a tradição “reúne” nessa manhã são muitos e não caberiam nela; além disso, supondo que fosse manhã da Páscoa (na linha de Marcos), parece difícil que pudesse ter havido o julgamento público, pelo impróprio do dia. Mas, como disse, não era o dia da páscoa, mas vésperas, e todos os fatos puderam acontecer com rapidez, pois assim o queriam os sacerdotes e Pilatos:

– Primeira hora (das 6h às 9h): Ao nascer do sol, julgamento rapidíssimo na casa de Caifás, talvez com a presença de parte do Sinédrio, embora pareça preferível a visão de João, que fala apenas de uma reunião de sacerdotes, sem participação do tribunal inteiro (cf. Jo 18,24). Segue-se um julgamento sumaríssimo na presença de Pilatos, sem que fosse necessário supor que sejam históricos os diálogos, discussões e “votações” (com Barrabás de fundo) descritos por Mc 15,1-20 e par. Não é possível que Pilatos enviasse Jesus para Antipas (cf. Lc 23,6-7); e, embora o fizesse, isso poderia ter acontecido muito rapidamente.

– Terça hora (das 9h às 12h): Crucificação. A cena da flagelação, que pode ser histórica, não necessita de muito tempo. A distância entre o pretório e o Gólgota é pequena (alguns minutos de caminhada). As cruzes estavam preparadas, tanto as verticais (no local) como as horizontais, levadas pelos réus. O gesto de Simão Cirineu pode ser histórico, assim como a condenação de dois ladrões (lêstai, no sentido social ou político), que situam Jesus no seu contexto político, embora com sentido simbólico. O letreiro da Cruz (Jesus nazareno, rei dos judeus), deve ser histórico, embora não em três línguas, mas apenas em uma.

3. Tarde da sexta-feira

Parece que todos queriam que a morte fosse rápida, para que o assunto Jesus ficasse resolvido antes que o sol caísse e entrasse a noite, o dia seguinte, pois começava a Páscoa Oficial, que era de festa (para sacerdotes e povo) e de risco (celebrava-se a libertação do povo e Pilatos devia estar atento, para evitar insurreições).

– Sexta hora (em torno das 12h). Este é o centro do tempo em que Jesus esteve crucificado, em pleno dia, diante das portas da cidade, de forma que todos pudessem vê-lo, como sinal do fracasso de um “falso” movimento messiânico. Nesse tempo situa-se a zombaria dos sacerdotes e parte do povo, que mostra o significado da condenação de Jesus e não deve ser tomado no sentido histórico estrito. A escuridão de Mc 15,33 parece ser um sinal teológico, também o diálogo de Jesus com os ladrões, assim como com sua mãe e seu discípulo amado (Jo 19,25-27).

 
Fonte: http://bit.ly/1hTfNG3  

– Nona hora (em torno das 15h), grito de Jesus e morte. Jo 19,31-37 supõe que morreu quando estavam sacrificando os cordeiros pascais no Templo (não quebraram seus ossos, não quebravam os ossos dos cordeiros pascais!). O grito (Por que me abandonaste?) pode ser histórico, embora as interpretações difiram. Nesse contexto pode se situar o “abandono” de Deus, que é sua presença maior, e as implicações da entrega de Jesus, que finalmente compreende e compreendendo morre, como interpretou a tradição cristã. É neste pano de fundo que se deve entender os outros símbolos: véu rasgado, confissão do centurião, terremoto. Entre a crucificação e a morte passam-se seis horas das atuais, que são um tempo longo.

– Opsias (Ao cair da tarde: Mc 15,42)... Entre a nona hora e o pôr do sol (das 15 às 18h): Desceram Jesus da cruz, envolveram-no no pano e o enterraram, segundo a lei, de forma que quando o sol se punha José de Arimateia e os que com ele o sepultaram voltaram aos seus trabalhos pascais e as mulheres amigas de Jesus (que olhavam de longe) ao seu choro. É histórico o enterro, como veremos, e parece também histórico o fato de que as mulheres olhassem de longe. Tudo devia terminar antes que o sol se pusesse completamente e começasse a festa da Páscoa, pois depois não se podia “trabalhar”. Havia-se cumprido o “tempo” iniciado com a Última Ceia. Foram apenas 24 horas, toda a história humana condensada na condenação e morte de Jesus.

4. Sábado e domingo

Em sentido estrito, a história da paixão termina na sexta-feira à tarde, com a morte e o sepultamento, antes do pôr do sol. O que acontece depois pertence à memória cristã, vinculada à experiência (fé) da Igreja. De qualquer forma, de um modo geral, podemos ordenar dessa maneira os acontecimentos:

– Sábado, Páscoa judaica. Desde o pôr do sol da sexta-feira (após o sepultamento de Jesus) até o novo pôr do sol passaram-se 24 horas, tempo em que os judeus celebraram a páscoa (na noite) e descansaram (dia seguinte). Os sacerdotes puderam pensar que tudo se havia resolvido de um modo satisfatório, e Pilatos tranquilizar-se. Para os cristãos posteriores foi um sinal o fato de que Jesus morresse no começo da vigília e que nesse ano a páscoa caísse no sábado.

– Domingo, Páscoa cristã. Segundo Mc 16,1-7, as mulheres chegaram à sepultura na manhã do domingo muito cedo, quando o sol estava saindo, mas encontraram a sepultura já aberta e um jovem sentado à sua direita (Mc 16,1-7). Dessa maneira, indica-se simbolicamente (sem dizê-lo) que Jesus teria ressuscitado ao nascer do sol do domingo (como sol verdadeiro). Teria estado morto cerca de 39 horas, um pouco mais que um dia e meio: três horas da sexta-feira – das 15 às 18h –, 24 horas do sábado – das 6h às 18h – e 12 horas do domingo – das 18h do dia anterior às 6h da manhã. De qualquer forma, essas horas (três dias) da morte de Jesus são computadas de diversas formas, segundo os diferentes textos.

A cronologia longa da paixão (com a Última Ceia entre terça-feira e quarta-feira) tinha a vantagem de espaçar os acontecimentos do julgamento, de maneira que se ordenavam em um transcurso maior, mas criava uma dificuldade maior. Tanto os sacerdotes como Pilatos queriam um julgamento sumaríssimo; a ninguém convinha um Jesus dando voltas de um lugar a outro para ser julgado, durante três dias, pelo risco que implicava a sua condenação em um contexto de páscoa, com muitos galileus reunidos em Jerusalém para a festa.