16 Abril 2014
Resta a esperança de que, nos países ocidentais, os cristãos ortodoxos, mais abertos ao ecumenismo, ajudem as Igrejas mães da Ortodoxia a sair da sua crise de identidade e a reencontrar o longo caminho da única Igreja de Cristo, anunciadora da boa notícia do Reino de Deus sobre a terra.
A opinião é do historiador francês Antoine Arjakovsky, codiretor do polo "Sociedade, Liberdade, Paz" do Collège des Bernardins, da Universidade de Paris, e diretor emérito do Instituto de Estudos Ecumênicos de Lviv, na Ucrânia. O artigo foi publicado na revista italiana Missione Oggi, de abril de 2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Segundo o Atlas do Cristianismo Global, os ortodoxos dobraram no século XX, passando de 125 milhões para 274 milhões em 2010, ou seja, 12% de todos os cristãos do planeta. A Europa oriental concentra 177 milhões deles, ou 61% da população desses países. Na Europa ocidental, apenas 2,2 milhões, isto é, 1,2% da população.
A atual crise da Igreja Ortodoxa
Hoje, as contradições entre ortodoxia e ortopraxia nas Igrejas Ortodoxas favorecem uma onda crescente de secularização das populações ortodoxas. As causas judiciárias entre as Igrejas de Constantinopla e de Moscou, que têm como objeto os edifícios eclesiásticos – como a que contrapôs em 2009-2012 o Estado russo e a comunidade ortodoxa da catedral de Nice, na França – são frequentes.
Depois da publicação em Sofia, em 2012, dos arquivos secretos da era comunista, sabemos que 11 dos 15 metropolitas da Igreja Ortodoxa Búlgara eram informantes do Estado. Muitos meios de comunicação da Grécia têm uma atitude hostil para com a Igreja Ortodoxa por causa do seu enriquecimento, que eles consideram incompatível com a situação econômica do país. Em Jerusalém, Moscou e Nova York, muitos escândalos ligados aos costumes ou à corrupção envolveram o clero.
Em 2006, foi publicado um relatório avassalador sobre alguns casos de desvio de fundos, malversação e violações das normas contáveis que envolveram a Igreja Ortodoxa nos Estados Unidos por 20 anos. Em 2012, o processo contra duas das três cantoras do grupo Pussy Riot, reconhecidas como condenadas por terem cantado uma oração contra Putin na Catedral de Cristo Salvador em Moscou, revelou a incapacidade da Igreja Russa de tomar distância do Kremlin.
Essa proximidade entre o Patriarca Kirill e o presidente Putin se deve ao fato de que ambos compartilham a nostalgia pelos dias do poder soviético, o medo do Ocidente, que consideram ultraliberal e decadente, e o desejo de retomar o espaço mitológico do "mundo russo" através da União Eurasiática. Essa ideologia levou os dois a invadir a Crimeia em março de 2014 por represália em relação ao desenvolvimento pró-democrático e pró-europeu da Ucrânia. As duas principais nações ortodoxas do mundo estão agora em guerra aberta.
Os desafios do próximo Concílio da Igreja Ortodoxa
Preocupados com esses desdobramentos de longa data, os patriarcas ecumênicos de Constantinopla quiseram reunir um concílio pan-ortodoxo desde os anos 1930. Em 1976, as Igrejas Ortodoxas se puseram de acordo sobre dez temas que exigiam um consenso entre si, como a diáspora ortodoxa, um calendário comum, as relações das Igrejas Ortodoxas com todo o mundo cristão, as modalidades de atribuição da autocefalia e da autonomia às igrejas locais etc.
Mas esse trabalho preparatório que dura há quase 40 anos não levou a nenhum progresso significativo, salvo um tímido consenso em favor do movimento ecumênico. Esse é o motivo pelo qual, apesar do anúncio no dia 8 de março de 2014 do desenvolvimento do Concílio pan-ortodoxo em 2016, muitos observadores se opõem a levá-lo em conta, considerando que ele acabaria apenas por endurecer a já forte na tensão existente entre as Igrejas sobre os temas debatidos.
Elas não conseguiram encontrar nenhuma prática comum nem sobre a data da Páscoa, nem sobre os impedimentos para o matrimônio, nem sobre os requisitos para o jejum. As decisões tomadas a propósito da diáspora e da atribuição da autocefalia e da autonomia são tão contraditórias a ponto de serem julgadas pelos observadores como mais uma recuperação da sua autoridade por parte das Igrejas mães do que uma real tomada de consciência do deslocamento eclesiológico que ocorreu no século XX, com o advento das Igrejas Ortodoxas nos países de tradição católica e protestante.
No entanto, resta a esperança de que, nos países ocidentais, os cristãos ortodoxos, mais abertos ao ecumenismo, ajudem as Igrejas mães da Ortodoxia a sair da sua crise de identidade e a reencontrar o longo caminho da única Igreja de Cristo, anunciadora da boa notícia do Reino de Deus sobre a terra.
As duas famílias das Igrejas Ortodoxas
No cristianismo ortodoxo, há duas famílias de Igrejas. As sete igrejas "ortodoxas orientais" (Igreja Apostólica Armênia, Igreja Assíria do Oriente, Igreja Ortodoxa Siríaca, Igreja Ortodoxa Siríaca Malankara, Igreja Copta Ortodoxa, Igreja Ortodoxa Etíope, Igreja Ortodoxa Eritreia), fundadas pelos apóstolos e pelos seus primeiros discípulos.
As suas concepções eclesiais se baseiam nos ensinamentos dos dois (para a Igreja assíria) ou três (para as outras seis) primeiros concílios ecumênicos (Niceia, em 325; Constantinopla, em 381; Éfeso, em 431). Essas Igrejas representam cerca de 60 milhões de cristãos, têm grandes comunidades da diáspora no Oriente Médio, Europa, Ásia, Austrália, América do Norte e do Sul, e aderem ao Conselho Ecumênico das Igrejas.
As Igrejas "Ortodoxas Calcedonianas" se distinguem das Orientais, porque reconheceram o Concílio de Calcedônia, em 451, que afirmou a dupla natureza divina e humana de Jesus Cristo "sem confusão nem mudança, sem divisão ou separação". Hoje, tal distinção não é mais válida, porque, depois de um trabalho de esclarecimento teológico, desde 1993, ambas as famílias concordaram em professam a mesma fé na humanidade divina de Cristo.
As Igrejas Ortodoxas chamadas calcedonianas são "autocéfalas", já que podem eleger livremente o seu próprio primaz, sem referência a outra Igreja. São 14 ou 15, dependendo do seu grau de reconhecimento (sedes de Constantinopla, Alexandria, Antioquia, Jerusalém, Moscou, Sérvia, Romênia, Bulgária, Geórgia, Chipre, Grécia, Polônia, Albânia, República Tcheca e Eslováquia, Estados Unidos).
As Igrejas Ortodoxas calcedonianas "autônomas", isto é, que gozam de uma autonomia interna, mas cujo primaz é eleito sob os auspícios de uma das Igrejas autocéfalas, são quatro ou sete, dependendo do seu grau de reconhecimento: Igreja do Monte Sinai (Jerusalém), Igreja finlandesa (Constantinopla), Igreja Apostólica estoniana (Constantinopla), Igreja japonesa (Moscou), Igreja chinesa (Moscou), Igreja da Ucrânia nos EUA e no Canadá (Constantinopla), Arquidiocese de Ohrid (Sérvia).
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A Ortodoxia hoje. Artigo de Antoine Arjakovsky - Instituto Humanitas Unisinos - IHU