14 Abril 2014
No momento em que se organiza a doação de gametas com base nos princípios de gratuidade e de anonimato, desaparecem muitos perigos: não é o casal que escolhe os doadores, mas sim os médicos, que decidem com base em critérios estritamente sanitários; os doadores nunca são remunerados pela doação que fazem e não adquirem qualquer relação jurídica parental com as crianças; a doação é só "doação de material genético", e não tem nem "rosto" nem "nome".
A opinião é da filósofa italiana Michela Marzano, professora da Universidade de Paris V - René Descartes. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 10-04-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Com a decisão tomada no dia 9 de abril pela Consulta italiana sobre a fecundação heteróloga, caiu a última estaca imposta pela tristemente célebre lei 40. Não se poderá mais impedir a fecundação a quem, para ter filhos, precisa recorrer a uma doação de gametas (óvulos ou esperma). E, portanto, não se poderá mais discriminar alguns casais estéreis.
Por que, por outro lado, se focar nos laços genéticos existentes ou não entre progenitores e filhos sem aceitar a evidência do fato de que não é o patrimônio genético que torna uma mulher "mãe" ou um homem "pai"? Como dizia o escritor francês Marcel Pagnol, quando uma criança nasce, pesa três ou quatro quilos. Depois, cresce e coloca sobre si os "quilos-amor" dos seus "parents", termo que em francês designa os "progenitores sociais", que não deve ser confundido com a palavra "géniteurs", que indica os "progenitores biológicos".
Mais uma vez, porém, a Itália é vítima de um provincianismo cultural que impede muitas pessoas de entender que a genética nunca poderá explicar a complexidade dos laços familiares e que as questões "eticamente sensíveis" deveriam ser abordadas com rigor e lucidez.
Imagina-se que tornar possível a inseminação heteróloga significa transformar a maternidade e a paternidade em uma espécie de marketing com compra e venda de gametas. Fantasia-se que a doação de gametas pode introduzir em um casal o "fantasma do adultério". Invoca-se o primado do interesse das crianças em relação ao dos adultos, recordando o direito dos filhos de conhecer suas próprias origens.
Nenhum desses argumentos, no entanto, é decisivo. Ao contrário. Basta analisá-los com serenidade – olhando também como os outros países europeus abordaram a questão da fecundação heteróloga – para se dar conta da sua inconsistência.
No momento em que se organiza a doação de gametas com base nos princípios de gratuidade e de anonimato, como ocorre por exemplo na França desde 1994, desaparecem muitos perigos: não é o casal que escolhe os doadores, mas sim os médicos, que decidem com base em critérios estritamente sanitários; os doadores nunca são remunerados pela doação que fazem e não adquirem qualquer relação jurídica parental com as crianças; a doação é só "doação de material genético", e não tem nem "rosto" nem "nome".
Quanto à questão das origens, bastaria lembrar a sentença do dia 18 de novembro de 2013 da Corte Constitucional, em que se explica como permitir que um filho conheça as suas origens significa permitir-lhe "ter acesso à sua própria história parental". Mas, quando se fala de história, certamente não se fala de "código genético", a não ser que se imagine que o código genético nos conte a história dos nossos progenitores. Essa história que os levou a nos desejar ou não, a nos querer crescer e nos dar carinho ou não, a nos transmitir valores e princípios ou não.
O caso das crianças adotadas, nesse sentido, não tem nada a ver com o das crianças nascidas graças a uma inseminação heteróloga. Na adoção, há sempre a história de um abandono. História à qual é seguramente importante ter acesso, mesmo que apenas para poder fazer o luto desse abandono. Mas qual abandono haveria no caso de quem nasceu graças a uma doação de gametas? A história parental, nesse caso, não seria, talvez, a de quem, estéril, desejava tanto ter um filho que recorreu a uma doação de gametas?
Quem se opõe ferozmente à fecundação heteróloga talvez se esqueça (ou finge esquecer) que não há necessidade de recorrer às técnicas procriativas para tratar os filhos como "objetos" à sua própria disposição. Basta desejar um filho para preencher um vazio, ou para que os próprios sonhos e os próprios desejos possam, um dia, se realizar para transformar os filhos em "coisas" .
E o mesmo vale para tantas outras motivações que levam a se ter um filho, quer se trate do conformismo ou do desejo de ter uma descendência. Mas isso, justamente, vale sempre, não só no caso em que se recorra a uma fecundação heteróloga. Tornar-se progenitor é sempre complexo: trata-se de acolher outra vida reconhecendo-a como "outro" em relação a si; significa ajudar a crescer a quem depende em tudo e para tudo de nós; significa amar incondicionalmente e sem chantagens. Pouco importa, depois, se houve obstáculos ou incidentes de percurso ou se, para dar à luz a um filho, houve a necessidade de recorrer a uma doação de gametas.
Quem pode imaginar simplesmente que ter o mesmo patrimônio genético dos próprios progenitores proteja das dificuldades da vida?
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Os verdadeiros direitos de mães e pais. Artigo de Michela Marzano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU