28 Fevereiro 2014
“A teologia certamente redescobriu a dimensão corporal como positiva e essencial para a elaboração de uma antropologia cristã. Mas a realidade nos obriga a admitir que o caminho ainda é longo e que as feridas infligidas no passado ainda precisam ser curadas.”
A opinião é da teóloga e biblista italiana Giulia Lo Porto, em artigo publicado na revista Leggendaria, de janeiro de 2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Papa Francisco, li com muita atenção e grande surpresa a exortação apostólica Evangelii gaudium (EG), buscando entre as suas palavras aquele alimento que, muito frequentemente, como mulher leiga, biblista, crente, eu esperei em vão. E, desta vez, não fiquei em jejum.
No entanto, não consigo realmente compreender como é possível aspirar a uma participação mais ativa das mulheres na vida da Igreja, em uma contribuição sua nas decisões importantes, se depois, porém, o poder decisional permanece clericalizado e se, sobretudo, o sacerdócio não pode ser posto em discussão (EG 104).
Concordo com o senhor quando afirma que a "questão feminina" na Igreja não pode ser resolvida com a clericalização das mulheres. O problema, de fato, o nó a ser desfeito, não é de gênero, masculino ou feminino, mas sim de poder. Portanto, não seria talvez o sacerdócio que deveria ser posto em discussão? Não deveríamos talvez reencontrar as raízes neotestamentárias da função presbiteral e renunciar à sacralização do ministério, que restabelece a distinção entre sagrado e profano que Jesus mesmo, tornando-se homem, veio abolir?
O Código de Direito Canônico determina a vida da Igreja baseando-se justamente na distinção entre leigos e sacerdotes, "ministros sagrados", afirmando que o poder de governo é próprio daqueles que "receberam a ordem sagrada" (cf. CDC Can.129 § 1). E se até mesmo dentro da comunidade paroquial o parecer dos leigos é apenas consultivo, de que modo se pode abrir as portas a uma presença incisiva das mulheres senão através de um sério e profundo debate sobre o sacerdócio ministerial?
O que significa, na sua opinião, ser fiel à vontade de Deus? Muitas vezes, desde o início do seu pontificado, o senhor evidenciou a indiferença dos cristãos em relação aos sofrimentos e às necessidades no mundo. Que relação pode haver entre essa indiferença e uma excessiva espiritualização da fé, do corpo de Jesus, que põe de lado a realidade corporal em favor de uma "religião da alma"?
A teologia certamente redescobriu a dimensão corporal como positiva e essencial para a elaboração de uma antropologia cristã. Mas a realidade nos obriga a admitir que o caminho ainda é longo e que as feridas infligidas no passado ainda precisam ser curadas.
Viver a fé e a relação pessoal com Deus também através do corpo, não ignorando as suas necessidades e a sua linguagem, não poderia curar aquela "globalização da indiferença" que o senhor indicou várias vezes como grave problema do mundo de hoje? A consciência do próprio corpo também não é consciência do corpo do outro? Compaixão pelo sofrimento e impulso a agir para aliviar a dor?
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O sacerdócio entre sagrado e poder. Artigo de Giulia Lo Porto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU