17 Dezembro 2015
"Enquanto o clima que preside o nosso poder socioeconômico político for o das conveniências do capital e do mercado, não haverá COP 21, nem encíclica, nem lei, nem Constituição, capazes de salvar o nosso outro e vital clima", esclarece Jacques Távora Alfonsin, procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.
Eis o artigo.
As perspectivas abertas pelo acordo sobre o clima, firmado em Paris a semana passada, por quase duas centenas de países, estão sendo celebradas em todo o mundo, como uma grande conquista da humanidade na defesa da terra, do meio-ambiente, de toda a natureza enfim.
O blog do Planalto dá uma idéia bem otimista sobre os futuros efeitos deste acordo:
“O governo divulgou nota informando que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, telefonou no final da tarde desta segunda-feira (14) à presidenta da República Dilma Rousseff para agradecer a liderança brasileira no êxito do Acordo de Paris, na COP21. Obama felicitou os negociadores brasileiros, em especial a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, e agradeceu o empenho da presidenta Dilma Rousseff e do governo, sem os quais, segundo ele, não se obteria o resultado final, alcançado em Paris.”
É muito cedo para se avaliar se toda essa euforia se justifica e vai mesmo passar da letra à realidade. Não se pode esquecer a prova histórica de que os efeitos devastadores do modo de exploração imposto a terra por poderes privados e públicos tratando dela como simples mercadoria, foi e é o responsável por essas repetidas reuniões internacionais convocadas pela ONU, sob pressão de movimentos populares defensores do meio-ambiente, visando sempre barrar a morte na e da terra.
Quem lê, por exemplo, o PIDESC (Pacto Internacional de Dereitos Econômicos, Sociais e Culturais), celebrado em 1966 (!) também fica tomada/o pela mesma impressão entusiasta, agora provocada pelo acordo da COP 21, mas se esquece que o Brasil só assinou aquele Pacto passadas mais de duas décadas (1992). Certamente tão constrangido pelo atraso como pela certeza de que seria infiel a maior parte das suas disposições.
Como a do artigo 11 desse Pacto:
1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequando para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria continua de suas condições de vida. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento.
2. Os Estados Partes do presente Pacto, reconhecendo o direito fundamental de toda pessoa de estar protegida contra a fome, adotarão, individualmente e mediante cooperação internacional, as medidas, inclusive programas concretos, que se façam necessárias para:
a) Melhorar os métodos de produção, conservação e distribuição de gêneros alimentícios pela plena utilização dos conhecimentos técnicos e científicos, pela difusão de princípios de educação nutricional e pelo aperfeiçoamento ou reforma dos regimes agrários, de maneira que se assegurem a exploração e a utilização mais eficazes dos recursos naturais;
b) Assegurar uma repartição eqüitativa dos recursos alimentícios mundiais em relação às necessidades, levando-se em conta os problemas tanto dos países importadores quanto dos exportadores de gêneros alimentícios.
Alimentação, vestimenta e moradia adequada, reforma dos regimes agrários, repartição equitativa dos recursos alimentícios mundiais. Essas metas de tão urgente necessidade de realização, assim propostas ao mundo, ainda em 1966, alcançaram plena efetividade aqui e em todo planeta, passado tanto tempo?
As secas, os furacões, as enchentes e as tempestades do nosso clima político, portanto, como as que estão se verificando agora, têm, muito a ver com isso. Elas são muito mais inclementes do que as do nosso clima natural. Esse é mesmo uma das suas mais sofridas vítimas, confirmando, na realidade brasileira de hoje, o sombrio diagnóstico da Laudato Si, quando reconhece como inseparáveis a crise ambiental da crise social, como aqui já se lembrou em outra oportunidade:
“139. Quando falamos de meio ambiente, fazemos referência também a uma particular relação: a relação entre a natureza e a sociedade que a habita. Isto impede-nos de considerar a natureza como algo separado de nós ou como uma mera moldura da nossa vida. Estamos incluídos nela, somos parte dela e compenetramo-nos. As razões, pelas quais um lugar se contamina, exigem uma análise do funcionamento da sociedade, da sua economia, do seu comportamento, das suas maneiras de entender a realidade. Dada a amplitude das mudanças, já não é possível encontrar uma resposta específica e independente para cada parte do problema. É fundamental buscar soluções integrais que considerem as interacções dos sistemas naturais entre si e com os sistemas sociais. Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise sócio-ambiental. As diretrizes para a solução requerem uma abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza.”
É verdade. Enquanto o clima que preside o nosso poder socioeconômico político for o das conveniências do capital e do mercado, não haverá COP 21, nem encíclica, nem lei, nem Constituição, capazes de salvar o nosso outro e vital clima: o da terra, do nosso meio-ambiente natural saudável, compartilhado entre todas/os, independentemente do poder econômico de cada um/a.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Cop 21. Do clima natural ao clima político no Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU