09 Dezembro 2015
O Jubileu, ou Ano Santo, apareceu no palco da história no século XIV como um instrumento econômico e político de primeira grandeza da monarquia papal. A busca de recursos e de fama para caracterizar o próprio pontificado forçou, depois de pouco tempo, a prever também um Jubileu Extraordinário. A tradição do Ano Santo, portanto, é ambígua, feita de triunfalismos, dilacerações e religiosidade popular. Alberto Melloni reconstrói essa história e analisa as razões que levaram o Papa Francisco a convocar um Jubileu justamente por ocasião do 50º aniversário do Concílio Vaticano II. Bergoglio o promoveu com palavras inéditas e com a vontade explícita de "mobilizar" o povo de Deus, para pedir que os fiéis indiquem a direção a ser tomada, especialmente depois de um Sínodo no qual a Igreja se defrontou não com morais velhas ou novas, mas com o Evangelho.
A reportagem é de Tullio Gregory, publicada no jornal Il Sole Domenica, 06-12-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Com este livro, de grande legibilidade, mas fruto de uma longa experiência como historiador do cristianismo Alberto Melloni não pretende oferecer uma tradicional e vulgata história dos Anos Santos ou jubilares, mas dar o sentido que eles assumem na cristandade ocidental, desde o primeiro convocado por Bonifácio VIII em 1300 até o atual – extraordinário – que, desejado pelo Papa Francisco, começa neste obscuro dezembro de 2015.
Nascido como indulgência plenária concedida pelo papa aos fiéis que fizessem uma peregrinação a Roma praticando alguns atos penitenciais, o primeiro Ano Santo – ainda não chamado assim, nem de jubileu – herdava a prática das indulgências plenárias das quais o papa fizeram um longo uso, sobretudo para os cruzados e para aqueles que combatessem hereges ou inimigos da Igreja de Roma; ano de perdão, não sem implicações políticas, já que Bonifácio VIII excluía dele os seus adversários, os Colonna e os sicilianos rebeldes à Igreja.
O Papa Caetani – Bonifácio – previa uma periodicidade secular, que logo se tornou de 50 anos (o segundo foi em 1350) e depois 25 anos a partir do fim do século XV.
Melloni, ao delinear as mudanças que, ao longo dos séculos, assumiu a prática penitencial e política da periódica convocação dos Anos Santos (ordinários e extraordinários) insiste no caráter que eles conservaram ao longo do tempo, ligados sempre à reafirmação da centralidade de Roma e do pontífice, e evidencia como a prática e a "técnica" das indulgências (lucráveis desde Bonifácio também com doações em dinheiro) se põem no centro de polêmicas e debates dentro da cristandade, até provocar a fratura definitiva da unidade cristã medieval com a rebelião de Lutero, que, justamente sobre o tema das indulgências, do ano jubilar, do valor salvífico das peregrinações e dos culto dos santos, conduzirá a sua mais dura polêmica com a Igreja de Roma.
Embora o Concílio de Trento tenha tentado fixar uma práxis das indulgências e combater o seu comércio, continuava sendo central o poder do pontífice na remissão das penas com a gestão das indulgências e, acima de tudo – como seria confirmado pela história dos anos santos posteriores –, se reiterava o seu valor tanto com cerimônias espetaculares por ocasião do ano jubilar, quanto com tomadas de posição doutrinais contra os inimigos do momento: assim até 1950, quando, durante o Ano Santo, Pio XII condenou com a encíclica Humani generis os movimentos de renovação teológica que animavam, na época, o catolicismo, especialmente francês.
Depois, a reviravolta epocal imposta pelo Vaticano II, que Giuseppe Alberigo já identificava no discurso de João XXIII na abertura do Concílio, no dia 11 de outubro de 1962, em que ao tradicional "remédio da severidade", praticado pela Igreja com as "armas da severidade", opunha-se o "remédio da misericórdia", e o magistério eclesiástico redescobria o seu caráter essencialmente pastoral, renunciando ao método da condenação e dos anátemas.
Não por acaso o Papa Francisco convocou este Jubileu no 50º ano da conclusão do Vaticano II, do qual ele retomou e desenvolveu com força "os princípios de sinodalidade, de pobreza, de paz, de unidade, de reforma da Igreja e do papado", como escreve Melloni.
Jubileu, portanto, do Concílio, com o qual, disse o Papa Francisco, a Igreja deve "tornar mais evidente a sua missão de ser testemunha da misericórdia", de modo a "redescobrir e tornar fecunda a misericórdia de Deus".
As próprias indulgências – como cômputo de contabilidade em termos de dias ou de anos que se pode "lucrar" para vivos e defuntos – desaparecem em comparação com o primado do perdão que é só de Deus. Até mesmo a Porta Santa em São Pedro, cuja abertura é símbolo do início do Ano Jubilar, se torna, na linguagem do pontífice, "Porta da Misericórdia".
"Que neste contexto – conclui Melloni – o Papa Francisco tenha colocado a indulgência nas mãos de Deus e só d'Ele, que ele tenha feito da comunhão a chave da ministratio desse anúncio de perdão tem um peso do qual é difícil subestimar o porte."
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De Bonifácio a Francisco, uma história dos Jubileus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU