07 Dezembro 2015
Após aceitar o pedido de impeachment contra a presidenta do Brasil, Dilma Rousseff [Partido dos Trabalhadores – PT], nesta quinta-feira, 03 de novembro, o presidente da Câmara dos Deputados, deputado Eduardo Cunha [Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB – Rio de Janeiro), determinou a criação da comissão especial para analisar a denúncia. Esta foi apresentada pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal. A autorização é o primeiro passo de um longo processo, que se baseia no suposto crime de responsabilidade o fato de Dilma ter contratado uma operação de crédito irregular ("pedaladas fiscais”), nos anos de 2014 e 2015.
A reportagem é de Cristina Fontenele, publicada por Adital, 04-12-2015.
Em pronunciamento, a presidenta diz ter recebido com indignação a decisão de Cunha, afirmando que não existem atos ilícitos cometidos por ela. "Não possuo conta no exterior [em alusão às contas ilegais de Cunha Suíça], nem ocultei do conhecimento público a existência de bens pessoais. Nunca coagi ou tentei coagir instituições ou pessoas, na busca de satisfazer meus interesses. Meu passado e meu presente atestam a minha idoneidade e meu inquestionável compromisso com as leis e a coisa pública”, declarou Dilma.
Em oposição à decisão do presidente da Câmara, diversas organizações e movimentos sociais, além de entidades ligadas às igrejas no Brasil, se pronunciam questionando os argumentos da denúncia, e definindo a postura de Cunha como uma "chantagem ou vingança”.
Em entrevista à Adital, José Antonio Moroni, do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), avalia que a decisão de Cunha diz respeito à sua própria condição política. Seria uma forma de sair do foco das denúncias e do seu próprio processo de cassação. "Na verdade, quem tem denúncias é o Cunha e não a Dilma. Os problemas do Governo Dilma e dela própria são de outra natureza. Incapacidade de dialogar com o mundo político, com a sociedade organizada, crise econômica, etc”.
Na visão de Moroni, não existem acusações que responsabilizem pessoalmente a presidenta, o que seria a condição necessária para haver o impeachment. "A expectativa em relação a esse processo é que vai desnudar ainda mais o nosso sistema político, que tem como base os interesses pessoais, as disputas intestinais e não um projeto de país. O positivo é que o governo tem a possibilidade de se reconstruir e mostrar a que veio.”, observa.
Segundo o ativista, a presidenta poderá sair fortalecida desse processo, se ela e seu governo forem capazes de entenderem o que está acontecendo e perceberem que a solução será "repactuar” com a sociedade e não com os sujeitos políticos institucionais tradicionais. No entanto, Moroni destaca que, para haver essa repactuação, é necessária uma mudança "radical” na postura e nas políticas implantadas pelo governo. "Mudança na política econômica, enfrentar a realização de uma verdadeira reforma do sistema político, fazer as reformas estruturais de que precisamos: reforma agrária, reforma urbana, da segurança publica, universalizar, com qualidade, a saúde, a educação. Portanto, precisamos ter um outro governo”.
Quanto ao posicionamento dos movimentos sociais, Moroni pontua que, primeiramente, o que está "em jogo” é se eles irão aceitar a chantagem como instrumento da luta política ou não. Em segundo, viria a defesa da democracia, já que não há elementos jurídicos para o impeachment. Ele acredita que os movimentos e setores democráticos devem ir às ruas; porém, as posturas não podem ser pautadas apenas pela reação e, sim, pela busca de uma mudança profunda nas estruturas da sociedade, "que é desigual, racista, machista, homofóbica, violenta”.
Também se posicionaram contra
Para o dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, a atitude de Cunha é uma retaliação política, com o objetivo de conturbar o ambiente político e ganhar tempo. Em declarações públicas, Stédile diz que o presidente da Câmara dos Deputados não tem moral para encaminhar nenhum processo de impeachment. "Se ele tivesse um pingo de dignidade, já teria renunciado para se defender no STF [Supremo Tribunal Federal], aonde é acusado, com fartas provas de corrupção.”. De acordo com Stédile, os movimentos populares irão se articular, nos próximos dias, e programar mobilizações, para impedir, nas ruas, qualquer tentativa de ferir a nascente democracia. "O povo brasileiro elegeu a presidenta e mais 27 governadores. E todos têm o direito de concluírem seus mandatos constitucionais”.
Em nota, o MST repudia a atitude de Cunha e convoca a militância a lutar pela cassação do mandato e pela prisão do deputado. O movimento destaca ainda a necessidade do Governo Dilma assumir a pauta que a elegeu ,em 2014, e fazer um mandato que defenda a classe trabalhadora. "Repudiamos o comportamento do deputado Eduardo Cunha e afirmamos que ele é reflexo da aliança explícita entre a mídia empresarial, liderada pela Rede Globo, seguida por partidos políticos de direita. Logo, não tem legitimidade moral, ética ou política de propor o impedimento da Presidência da República”.
Em seu blog, o teólogo Leonardo Boff define a aceitação do processo de impeachment como um "ato irresponsável”, que pode levar a nação a um "grave retrocesso”, abalando a democracia brasileira. Ele faz um apelo ao procurador geral da República, Rodrigo Janot, e a todo o STF para que pesem e considerem as muitas acusações pendentes contra Eduardo Cunha. "O que fez foi um ato de vindita reles, de quem perdeu a noção da gravidade e das consequências do seu ato rancoroso. É vergonhoso que a Câmara seja presidida por uma pessoa sem qualquer vinculação com a verdade e com o que é reto e decente. Manipula, pressiona deputados, cria obstáculos para o Conselho de Ética. Mais vergonhoso ainda é ele, cinicamente, presidir uma sessão na qual se decide a aceitação do impedimento de uma pessoa corretíssima e irreprochável, como é a presidenta Dilma Rousseff”, denuncia Boff.
Igrejas
O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic) também vê com preocupação o acolhimento de um impeachment, baseado em "argumentos frágeis, ambíguos e sem a devida sustentação fática”. Em comunicado, a entidade pede serenidade e profunda reflexão, lembrando também o "crime ambiental” de Mariana (Estado de Minas Gerais). "Perguntamos quais seriam as consequências para a democracia brasileira diante de um processo de deposição de um governo eleito democraticamente, em um processo sem a devida fundamentação. Um impeachment sem legitimidade nos conduziria a situações caóticas”.
A Comissão Brasileira Justiça e Paz, organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), também manifesta em nota apreensão ante a atitude do presidente da Câmara, que estaria se apropriando de uma prerrogativa legal de modo inadequado. "Indaga-se: que autoridade moral fundamenta uma decisão capaz de agravar a situação nacional, com consequências imprevisíveis para a vida do povo? Além do mais, o impedimento de um presidente da República ameaça ditames democráticos, conquistados a duras penas.”, diz o comunicado.
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Movimentos e igrejas em onda de manifestos contra impeachment de Dilma Rousseff - Instituto Humanitas Unisinos - IHU