03 Dezembro 2015
Neste domingo, as leituras nos conduzem à nossa vida: o Cristo vem, hoje! Se nos empenhamos e preparamos o caminho para o Senhor; Deus virá ao coração dos homens.
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 2º Domingo do Advento, do Ciclo C. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
1ª leitura: «Deus mostrará teu esplendor» (Baruc 5,1-9)
Salmo: 125(126) R/ Maravilhas fez conosco o Senhor, exultemos de alegria!
2ª leitura: «Assim ficareis puros e sem defeito para o dia de Cristo» (Filipenses 1,4-6.8-11)
Evangelho: «Todas as pessoas verão a salvação de Deus» (Lucas 3,1-6)
Montanhas e colinas, vales e passagens tortuosas
Estas são imagens da 1ª leitura e do evangelho que evocam os obstáculos do caminho. Quais obstáculos? Em primeiro lugar, os internos às comunidades humanas que se constituem de dominantes e dominados, sendo, portanto, espaços de violência. As “passagens tortuosas” evocam, sobretudo, as nossas artimanhas e duplicidades. Coisas todas que exigem retificação, o que no evangelho é chamado de "conversão para o perdão dos pecados". Esta abolição dos pecados será a obra de Cristo, mas que só poderá contemplar-nos se nos voltarmos para ele, a fim de recebê-la. João foi enviado para convidar-nos a realizar este retorno, mas já era o Cristo mesmo que estava operando nele, pois "a Palavra de Deus foi dirigida a (ele) João, o filho de Zacarias". Num deserto, que é a imagem de um espaço vazio de obstáculos. Notemos o violento contraste da primeira frase desta passagem do evangelho: de início, as "montanhas", ou seja, os poderosos deste mundo que, efêmeros, são aplainados com o desenrolar dos tempos; em seguida, "João, filho de Zacarias", tão pequeno, mas que será declarado "o maior dentre os nascidos de mulher" (Lucas 7,28). É uma ilustração do Magnificat: "Depôs os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes". Assim, João está aí para sempre, na memória dos crentes. E também pela perenidade da sua função, porque o caminho do Cristo tem necessidade permanente de ser preparado, aplainado.
Uma questão de tempo
As imagens das montanhas e vales são geográficas, evocam o espaço. Mas a imagem do caminho é a uma só vez espacial e temporal: percorrer um caminho leva tempo. O fato de Jesus ter sido precedido por João remete-nos ao desenvolvimento global da história da salvação. Deus é Aquele "que é, que era e que vem". Muito se tem repetido que a figura de João recapitula a espera imemorial de Israel: não era o "novo Elias" (os três sinóticos, por exemplo, Lucas 1,17). Representa não só a espera, mas também a preparação, ou, antes, o lento caminhar subterrâneo do Verbo na história, através de montanhas e vales, na espessura das resistências das liberdades humanas... Até que "o tempo se cumprisse" (são as primeiras palavras de Jesus em Marcos: 1,15). Por que neste momento? Talvez porque a pretensão messiânica de Israel, a verdadeira montanha a se escalar, encontrava-se arruinada definitivamente pela ocupação romana: Israel vai ter de converter-se, para ter acesso à sua verdade. Não como potência entre potências, mas num humilde mensageiro do Reino que vem, ilustração, portanto, da figura de João. O que, por certo aspecto, a Igreja é isto também: voz que clama no deserto, imagem do Reino, mas sempre no limiar do Reino. Reino que não é o seu Reino, mas sim o Reino de Deus.
O nosso caminho
Há, pois, um percurso histórico que conduz a humanidade à eleição de um povo entre os povos, Israel; e um segundo percurso, conectado ao primeiro, que vai da eleição de Israel até à vinda deste a quem Deus chama de "o meu Filho, o Eleito" (Lucas 9,35). O Filho é a flor, o fruto, a realização de Israel e, ao mesmo tempo, da humanidade. Entramos assim numa terceira fase histórica, através da Igreja, tendo em vista a constituição da humanidade. Uma reunião de pessoas em um só corpo, único, à imagem do Deus Uno. "Até que alcancemos todos nós a unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, o estado de Homem perfeito, à medida da estatura da plenitude de Cristo" (Efésios 4,13). Portanto, estamos sempre em Advento, revivendo a aventura de João e anunciando Aquele que vem. Exceto que toda vez que criamos laços para nos tornarmos Um, o Cristo já está aí conosco. Podemos ver, então, que esta imagem do caminho a se percorrer, do caminho que é preciso aplainar, mesmo que diga respeito à humanidade como um todo, vale também para cada um de nós. Somos, ao mesmo tempo, outros João Batista que anunciam a iminência da vinda do Filho, e os que seguem -por vezes tão laboriosamente- o caminho traçado. E, através da nossa própria caminhada mais do que pelas palavras, é que anunciamos Aquele que vem.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Estamos sempre em advento! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU