01 Dezembro 2015
Jamil Chade esteve em Porto Alegre nesta semana para lançar o livro “Política, propina e futebol”. Ele é o correspondente do jornal O Estado de São Paulo na Europa desde 2000.
A entrevista é de Hiltor Mombach, publicada por Correio do Povo, 29-11-2015.
Eis a entrevista.
O tamanho do escândalo e a sua repercussão chegaram a te surpreender?
Chade: Infelizmente não para quem cobre a Fifa há 15 anos, o sentimento não foi de surpresa. Mas sim um sentimento de “finalmente deram um basta”. Por anos, esses cartolas foram blindados politicamente, o que permitia um cheque em para que atuassem como bem quisessem.
A imprensa da Europa batia neste assunto?
Chade: Parte dela sim, chamando a atenção para o fato de que a organização do futebol estava podre. Mas por anos, os dirigentes preferiram culpar a imprensa, chamar os jornalistas de “irresponsáveis” e de insistir que as denúncias que apareciam eram levianas. Claro, até que o FBI percebeu que elas tinham fundamentos.
Porque demorou para o castelo da FIFA ruir?
Chade: O sistema clientelista, criado primeiro por João Havelange e aperfeiçoado por Joseph Blatter, permitiu que a entidade pudesse operar por anos. As alianças foram construídas não apenas com outros cartolas, mas também com políticos e cúmplices de diversos setores.
Algum fato chegou a provocar espanto?
Chade: Sim. A insistência da Fifa em negar os fatos. A insistência inicial de Blatter em se manter no cargo. A recusa da entidade em reconhecer que ele faliu moralmente. E, acima de tudo, a insistência da arrogância de um grupo que por anos pensou que estava acima da lei.
Os EUA tiveram participação decisiva para que o escândalo se tornasse público?
Chade: Sem o FBI talvez a operação jamais tivesse ocorrido. Muito se fala que a ação foi uma retaliação dos EUA por ter perdido a copa de 2022. Mas Obama e sua cidade de Chicago também perderam em 2009 a Olimpíada de 2016. E nem por isso o COI desabou.
Onde buscou todas as informações do livro?
Chade: Foram 15 anos de pesquisas e de cobertura semanal do que ocorria na Fifa. Fiz questão de mostrar que todas as denúncias contam com documentos da justiça, com provas. Não se trata de um livro sobre o que eu acho. Mas de fatos.
Como R. Teixeira ficou impune tanto tempo?
Chade: Pelo mesmo motivo que a Fifa se manteve blindada: a existência de uma nova rede de cúmplices na imprensa , na política, na Política, no Judiciário. Sob seu mandato, a CBF chegou a financiar a campanha de deputados, prefeitos e senadores. Quando o clima apertou, a contrapartida da doação foi cobrada.
Qual o futuro de Marco Polo?
Chade: Ele está sendo investigado. Isso é fato. Num cenário normal, um dirigente precisa deixar seu cargo de comando quando isso ocorre, até para permitir que a investigação e sua defesa possam ocorrer. Mas quando uma pessoa se agarra na cadeira do comando, ela dá uma demonstração empírica de que se considera mais importante que a federação que ela comanda. Na Alemanha, o presidente da Federação também passou a ser investigado. Duas semanas depois, ele renunciou.
Qual o futuro da Fifa e por consequência da CBF e das federações de futebol?
Chade: Elas precisam passar por uma reforma urgente. O mundo não atura mais a falta de transparência. Se essas entidades não mudarem, elas estarão ajudando a minar a credibilidade do futebol de uma maneira profunda. Essas entidades precisam buscar seus salários, colocar limite de mandatos para divergentes e fazer processos de licitação transparentes, com critérios conhecidos.
Como é a rotina de uma prisão na suíça?
Chade: As prisões suíças são consideradas como “exemplares” para garantir a dignidade e uma pessoa. Cada detento fica em uma cela separada, com banheiro. Há TV, podem alugar um computador e têm acesso a uma biblioteca. Em termos de prisão, quem está ali certamente pode se considerar como um privilegiado em comparações a outras prisões pelo mundo.
Por que foram necessárias centenas de denúncias para o caso explodir?
Chade: Enquanto as denúncias apareciam de forma isolada e a conta-gotas, o discurso da Fifa era de que cada irregularidade era, no fundo, algo isolado e obra de alguém que havia se desviado da rota ética. A Fifa insistia que, como entidade, ela não era corrupta. Apenas alguns poucos dirigentes teriam pervertido o sistema. A gora, porém, o que se prova é que todo o sistema é corrupto e que ele foi construído justamente numa base de clientelismo e troca de favores. Quando isso ficou claro, a entidade desabou.
A copa do Brasil ainda vai dar o que falar?
Chade: A copa de 2014 foi o saque do século. E, pior de tudo, é que ele ocorre de forma legal, com regras. A constituição brasileira foi violada com a aprovação de novas leis e um sistema foi estabelecido para permitir que o dinheiro público fosse usado para pagar por uma festa cujos benefícios foram privados. Essa Copa ainda não acabou e tenho certeza que iremos descobrir muito mais sobre o que de fato ocorreu.
O futebol carrega corrupção em todo o mundo?
Chade: A corrupção não é exclusividade brasileira. O futebol se transformou, em dezenas de países, em um instrumento de lavagem de dinheiro. O narcotráfico passou a usar o futebol para lavar sua renda, no que eu chamo de o “narco-futebol”. Políticos manipulam jogos e rendas e a bola, tão bem tratada por craques, é alvo de um sequestro por parte de seus dirigentes.
Quanto a Fifa lucra por ano e como vivem seus dirigentes. Ou como viviam?
Chade: A ironia dessa história é que o golpe do FBI ocorreu num momento em que a Fifa nadava em dinheiro. Com a Copa no Brasil, ela jamais foi tão bilionária em seus 111 anos. No período entre 2011 e 2014, a renda da entidade destinou ao Brasil num fundo ao “legado social da copa”. Portanto, a vida desses cartolas era de um luxo extremo. Como eu digo no livro, foi criada uma casta de oligarcas da bola. E, também por isso, o tombo é ainda maior.
Chegou a falar com Blatter pessoalmente depois do escândalo?
Chade: Sim, mais de uma vez. Ele está abalado. É um senhor de 79 anos e, pro mais que insista que é inocente, a realidade é que seu império ruiu. Ele jamais pensou que isso aconteceria com ele. Em agosto, por exemplo, ele me insistiu que tudo isso não passava de um complô internacional e que ele era inocente.
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“A Copa de 2014 foi o saque do século” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU