30 Novembro 2015
Foi publicado nessa quarta-feira pela editora italiana Einaudi o novo livro de Enzo Bianchi, Spezzare il pane. Gesù a tavola e la sapienza del vivere [Partir o pão. Jesus à mesa e a sabedoria do viver].
Com esse livro, o prior da comunidade monástica de Bose, autor de inúmeros textos sobre a espiritualidade cristã, volta a outro dos temas que mais estão no seu coração, sobre o qual ele já publicou Il pane di ieri (2008) e Ogni cosa alla sua stagione (2010).
Publicamos abaixo o capítulo "A comida é cultura", do novo livro, publicado no jornal La Stampa, 24-11-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A comida consiste em um conjunto de alimentos e de criaturas desejadas e que nos foram dadas por Deus, mas, como dissemos, a comida é fruto não só da terra, mas também do trabalho do homem.
Para nós, humanos, não há natureza sem cultura: estamos conscientes de que, desde o terceiro milênio antes de Cristo, antes ainda da invenção da escrita, os humanos começaram a praticar a arte da cozinha, ou seja, de preparar, de transformar os alimentos em comida para a mesa.
Em volta do fogo, em uma caverna, debaixo de uma árvore, sobre uma pedra, começou-se a comer juntos, a consumir a comida preparada por alguém: pouco a pouco, nascia a cozinha, a arte de cozinhar e, ao mesmo tempo, a festa, o banquete, o simpósio...
Consumir a mesma comida e a mesma bebida significa tornar-se um juntos, estipular um contrato, uma aliança, reconhecer uma proximidade, uma acolhida recíproca, dar origem a uma relação ou aprofundá-la, delinear um esboço de communitas.
Cozinhar é ação humana, só humana, não conhecida pelos outros seres vivos sobre a Terra. De fato, é humanismo, porque chama homens e mulheres, convoca plantas, animais e também minerais (o sal) e canta o sabor do mundo.
E tudo isso em um ritmo humano: nem sempre se cozinha da mesma maneira! Há a cozinha dos dias de semana, em que nos alimentamos com alegria, mas na sobriedade e na frugalidade; há a refeição, o banquete que interrompe a normalidade dos dias para dizer o inesperável, para celebrar o que acontece poucas vezes e por graça; há a refeição da criança, que precisa de alimentos adequados para ela; há a refeição para o idoso, que requer uma medida e uma leveza... Quem cozinha também tem a arte de diferenciar as refeições, porque há uma refeição para cada momento debaixo do sol.
A arte de cozinhar
O que deve ser evidenciado nessa arte? Acima de tudo, a água: ela não só é essencial como bebida, mas também indispensável para a cozinha, para lavar os alimentos, para cozinhá-los. A água logo assumiu um papel purificador e, portanto, se impôs como indispensável.
Ao lado da água, o fogo, que faz passar o alimento de cru a cozido: todos nós sabemos como esse processo é absolutamente determinante. A passagem do cru ao cozido confere um novo marco para o cozinhar: fazer cozinha cessa de ser apenas preparar e temperar um alimento, mas implica transformá-lo profundamente, com resultados muito diferentes, de acordo com as modalidades de cozimento e dos ingredientes utilizados.
Justamente a preparação culinária criou a refeição como prática social que medeia a relação com o nutrimento. Sem a preparação, cada um poderia satisfazer sozinho e à vontade a necessidade de comida. A preparação da refeição, em vez disso, requer um investimento de tempo, de atenção e de cuidado, que constitui a medida empírica do amor de quem prepara a comida em relação àqueles que devem comê-la habitualmente ou são convidados para uma circunstância particular.
Apresentar um prato também requer tempo e arte, portanto, atenção aos outros e vontade de oferecer prazer. Apresentar a comida é a assinatura do cozinheiro ou da cozinheira, é um sorriso que expressa a alegria de oferecer o que se preparou para alguém. [...]
Compartilhar e trocar, portanto, entram na cultura da cozinha, da refeição, dos alimentos, e a partilha da comida sempre aparece como sinal de partilha da vida, e assim também a troca. Por isso, na cultura da comida, a relação tem o seu primado, e a comida está a serviço dessa relação pode ser entre conhecidos, amigos, cônjuges, família, vizinhos, entidades territoriais...
"O homem é o que come", dizia Ludwig Feuerbach, mas essa afirmação é redutiva, porque nós dependemos mais dos critérios orientadores da nossa alimentação e da nossa capacidade de viver o seu espírito do que daquilo que comemos: poderíamos dizer: "Nós somos o que comemos e como comemos".
De fato, é preciso fazer da refeição uma ocasião de prazer, um rito criador de sentido e de experiências, até mesmo de experiências espirituais, em que comer em comunhão e conhecer a Deus tornam-se a mesma coisa.
Compartilhar para viver
Plutarco faz com que um personagem das suas Questões conviviais (II, 10) diga: "Nós, homens, não nos alimentamos uns aos outros simplesmente para comer e beber, mas para comer e beber juntos". Esse aspecto é decisivo: por isso, a comida, para nós, humanos, é evento cultural que, sobretudo, sabe produzir convívio, que, como diz a palavra, é cum vivere, viver juntos e, portanto, com-munitas, isto é, reunir os dons, o munus que cada um tem ou a dívida (esta também munus) que cada um tem para com o outro. Compartilhar para conviver!
É justamente por causa desse valor da comida que, na Bíblia, a plenitude de vida foi expressada pela imagem do banquete. Do banquete messiânico prometido já pelos profetas como banquete do reino de Deus: "O Senhor do universo vai preparar para todos os povos do mundo um banquete de comidas abundantes, um banquete de vinhos finos, de comidas suculentas, de vinhos refinados" (Is 25, 6) ao banquete prometido por Jesus: "Muitos virão do Oriente e do Ocidente, e se sentarão à mesa com Abraão, Isaac e Jacó" (Mt 8, 11; cf. Lc 13, 29), até os banquetes contados por Jesus nas parábolas como imagens, profecias do reino dos céus.
Onde há banquete, de fato, não há só nutrição, mas também há vida plena, partilha, comunhão entre todos os seres humanos, e entre Deus e a humanidade. A mesa do reino dos céus tem justamente o Senhor Deus como hóspede que convida, chama, oferece o banquete a nós, humanos, hospedados, convidados, acolhidos para fazer comunhão com Ele.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Somos o que comemos e como comemos. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU