Por: Jonas | 10 Novembro 2015
Uma mulher determinada, que ousou ultrapassar barreiras e que, em tempos difíceis (século XVI), encontrou na força de sua experiência com Deus a possibilidade de uma vida plena, sem fragmentações, em todas as suas dimensões. Assim foi Santa Teresa de Jesus, tema de nosso encontro pelo Rezar com os Místicos, ocorrido no último sábado, 07 de novembro, na Casa do Trabalhador. A assessora, a teóloga Lúcia Pedrosa-Pádua (PUC-Rio), mais do que se ater aos detalhes da biografia de Teresa de Jesus, possibilitou-nos rezar com esta mística, a partir de suas orientações espirituais, nascidas de uma vida em profunda comunicação com Deus, conforme atestam os seus diversos escritos.
O relato é de Jonas Jorge da Silva, da equipe do CJCIAS/CEPAT.
Para Teresa de Jesus, a oração é um ato de amizade, uma conversa a sós com quem nos ama. É o que explica a sua paixão por Jesus e as consequências de uma relação pessoal tão profunda, capaz de transformar radicalmente sua vida, totalmente dedicada ao Amor que a move.
Lúcia Pedrosa-Pádua destacou que Teresa de Jesus foi uma mulher inquieta e andarilha, capaz de ampliar horizontes, em um contexto adverso, no qual as mulheres eram enxergadas como submissas, sem importância. É que sua experiência íntima com Deus humaniza o seu modo de agir, provocando rupturas com ideias e práticas preconcebidas. Como exemplo desta experiência humanizadora e transformadora, a assessora destacou um fragmento dos escritos de Teresa:
“Quando andavas pelo mundo, Senhor, não desprezastes as mulheres; ao contrário, sempre as favorecestes com piedade e encontrastes nelas muito amor e mais fé que nos homens, pois estava vossa santíssima mãe... Não basta, Senhor, que o mundo nos traga encurraladas e incapazes, para que não façamos nada por Vós que seja válido em público, nem ousemos falar algumas verdades que choramos em segredo? Não haveríeis Vós de ouvir petição tão justa? Não creio, Senhor de bondade e justiça, pois sois justo juiz, e não como os juízes do mundo, que como são filhos de Adão e, enfim, todos varões, não há virtude de mulher que não tenham por suspeita. Sim, algum dia haverá, meu Rei, que tudo se conheça. Não falo por mim, pois o mundo já conheceu a minha ruindade, e eu folgado que seja pública, mas porque vejo os tempos de tal maneira que não há razão para desprezar ânimos virtuosos e fortes, mesmo que sejam de mulheres” (CE 4, 1).
Teresa de Jesus nos ensina a importância das mulheres, sua dignidade e papel que devem ter na vida eclesial. No momento atual, suas palavras ainda ressoam proféticas, pois resta um longo caminho a ser percorrido, pois, mesmo hoje, muitas “Teresas” não se cansam de perscrutar novas possibilidades para expandir suas potencialidades e carismas, a partir da comunicação pessoal com Deus. O próprio Papa Francisco afirmou que devemos “aprender a ser peregrinos na escola da santa andarilha”.
Teresa também nos ensina o caminho da liberdade, da escuta interior e do desapego às exterioridades. Conforme destacou Lúcia Pedrosa-Pádua, “o recolhimento teresiano é o oposto da pessoa em extravio (pessoa “esparramada” – Santa Teresa), fora de si e presa da exterioridade aberrante, fora de casa”. Retomando uma ideia do teólogo espanhol José Antonio Pagola, a teóloga considera que para o cultivo de uma espiritualidade fecunda, precisamos superar a nossa cultura de intranscendência, que se fecha ao mistério da vida, e também a nossa cultura do divertimento, que não se concentra naquilo que é o mais importante.
A mística de Teresa de Jesus nos ensina que sentidos desorientados geram medos e que, diante de uma existência dispersa, é necessário educar-se à presença de Deus. Como bem destacou Lúcia Pedrosa-Pádua, “é preciso educar o olhar, o olhar interior: olhar, voltar os olhos, voltar a olhar, sentir o olhar do Senhor”, ou seja, é necessário estar atentos à própria exortação de Teresa de Jesus: “Não lhes peço que penseis n’Ele, nem que trabalhem muitos conceitos, nem que façais grandes e sofisticadas considerações em vosso entendimento; não lhes peço mais do que olhar para Jesus” (CE 42, 3).
Lúcia Pedrosa-Pádua considerou que é fundamental, a partir da mística teresiana, adentrar em si, como condição para encontrar o Cristo e renascer n’Ele com a “nossa verdadeira humanidade – humanidade humanizada”. Trata-se de um processo de libertadação interior, “que possibilita uma integração entre corpo, pensamento, desejo, visões e audições, tato, enfim, toda a pessoa”. Tal condição é que fortalece a missão, o encontro com o outro e a vivência dos valores evangélicos.
Aproveitando a presença da teóloga Lúcia Pedrosa-Pádua, também lançamos seu recente livro “Santa Teresa de Jesus. Mística e Humanização” (São Paulo: Paulinas, 2015).
Abaixo, reproduzimos alguns fragmentos dos escritos de Santa Teresa de Jesus, que foram selecionados por Lúcia Pedrosa-Pádua para o nosso encontro.
Teresa nos ensina um modo de oração
A meu ver, a oração não é outra coisa senão tratar de amizade, estando muitas vezes conversando a sós com aquele que sabemos que nos ama.
(do Livro da Vida, cap. 8,5)
Não vos peço que vos concentreis nele formando muito conceitos, nem que façais com a mente altas e delicadas considerações.
Só vos peço que o olheis, ainda que de relance, se não puderdes demoradamente. Quem vos impede de volver os olhos da alma a este Senhor?
(do Caminho de Perfeição cap. 26, 3)
Tenho pena dos que começam só com livros.
Imagine estar diante de Cristo e tome o costume de se enamorar de sua sagrada humanidade, trazendo-o sempre consigo. Fale a este Senhor: peça-lhe socorro nas necessidades, com ele se queixe nos sofrimentos e se alegre nos contentamentos, jamais o esquecendo por motivo algum. Tudo isso faça sem buscar orações compostas, mas com palavras que exprimam seus desejos e suas necessidades. É excelente maneira de progredir, e em pouco tempo. Dou por adiantado quem se esforça por viver nesta valiosa companhia, aproveitando muito dela, e adquirindo um amor verdadeiro por este Senhor a quem tanto devemos.
Ponhamo-nos a pensar num passo da paixão - por exemplo, o do Senhor atado à coluna - e com o intelecto busquemos razões para avaliar as grandes dores e a pena que teria Sua Majestade ali tão só, além de muitas outras coisas que um espírito agudo ou pessoas instruídas poderão tirar dessa consideração. Este é o modo de oração própria para todos, quer estejam no começo, quer no meio, quer no fim.
Aos que raciocinam, não gastem todo o tempo em racionar. (...) Em vez disso, imaginem estar diante de Cristo e, dando folga ao intelecto, fiquem falando e alegrando-se com o Senhor, sem se cansar em compor raciocínios. Apresentem-lhe as necessidades, lembrando-se também das razões que ele teria de não admiti-los tão junto de si. Por vezes uma coisa, e por vezes outra, para que a alma não se canse de comer sempre o mesmo alimento.
Tornemos agora ao que dizia sobre o pensar em Cristo atado à coluna. É bom raciocinar um pouco e pensar nas penas que ali teve. Por quem as sofreu, quem é e o que padeceu e com que amor as passou. Mas não se canse a alma em andar sempre buscando raciocínios, antes fique ali com ele, deixando calar o intelecto. Se puder, ocupe-se em ver que o Senhor a está olhando, faça-lhe companhia, fale, peça, humilhe-se, rejubile-se com ele e lembre-se de que não merecia estar ali. Quando puder fazer isto, mesmo que seja desde o princípio da oração, achará grande proveito, pois faz muito bem este modo de proceder.
(do Livro da Vida, cap. 12 e 13)
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Santa Teresa de Jesus. “Não lhes peço mais do que olhar para Jesus” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU