05 Novembro 2015
A matemática paulista Thelma Krug iniciou em outubro um mandato de sete anos como vice-presidente do IPCC, o painel do clima das Nações Unidas, com duas ocupações e uma preocupação. As ocupações são tentar ampliar a participação de jovens cientistas e de pesquisas de países em desenvolvimento no comitê. A preocupação é evitar que os cortes orçamentários na ciência, na esteira da crise econômica, levem embora a capacidade do Brasil de construir modelos computacionais do clima.
A entrevista é de Claudio Angelo, publicada por Envolverde, 04-11-2015.
No ano que vem, o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) precisará iniciar a compra de um novo supercomputador, que substituirá Tupã, uma máquina de R$ 31 milhões em uso desde 2010. Foi graças a Tupã que o Brasil conseguiu desenvolver seu primeiro modelo climático e construir cenários regionais de mudança climática na América do Sul neste século, que foram incluídos no AR5 (Quinto Relatório de Avaliação), o relatório do IPCC publicado em 2013 e 2014 com o estado da arte do conhecimento sobre mudança do clima no mundo.
O Brasil é um dos poucos países em desenvolvimento com infraestrutura computacional para esse tipo de modelagem – e essa é uma das razões para a escassez de cientistas do sul entre os autores dos relatórios do IPCC que tratam da base física das mudanças climáticas.
O substituto de Tupã está orçado no momento, mas o Inpe enfrenta restrições orçamentárias e está economizando até no ar-condicionado, afirma a pesquisadora. “No orçamento ele [o novo supercomputador] está, mas, na situação em que estamos, a gente fica um pouco preocupado quanto à questão da priorização”, disse Krug ao OC. “Há coisas que não dá para a gente cortar. Não dá para perder algo que levamos tanto tempo para conquistar.”
Especialista em inventários de emissões por mudança de uso da terra e uma das responsáveis pela implantação do sistema de monitoramento do desmatamento na Amazônia, Krug, 66, foi eleita no dia 7 de outubro para ocupar uma das três vice-presidências do IPCC, que dividirá com a americana Ko Barrett e com o malês Youba Sokona. Os três vices são a linha auxiliar do novo presidente do IPCC, o coreano Lee Hoesung, eleito em substituição ao indiano Rajendra Pachauri – que conduziu o IPCC de 2003 a 2014 e caiu sob suspeita de assédio sexual.
Os quatro formam o chamado birô do IPCC, que conduzirá a produção do próximo relatório de avaliação do painel, o AR6.
A brasileira quer que o AR6 tenha mais tons de cinza, por assim dizer: uma de suas missões na vice-presidência é aumentar a participação da chamada “literatura cinza”, nome dado a estudos que não fazem parte da literatura científica tradicional, publicada em periódicos como Nature e Science. A literatura cinza pode consistir de relatórios de governo e até publicações de organizações ambientalistas.
O IPCC tem tomado cuidado com essa bibliografia desde 2010, quando foi apontado um erro numa previsão de degelo do Himalaia que tinha origem num relatório de ONG. O caso precedeu o escândalo dos e-mails roubados conhecido como “Climagate”, que fez o IPCC rever vários métodos e aumentar a restrição à literatura cinza.
Para Krug, porém, frequentemente esses estudos são a única maneira de pesquisas feitas em países em desenvolvimento serem incluídas nas avaliações do IPCC. “Os países em desenvolvimento não têm a mesma capacidade de produção e o mesmo tempo que os pesquisadores de países desenvolvidos têm para ter seus artigos publicados. Se para eles demora um ano, para nós demora quatro”, queixa-se.
Segundo ela, isso não significa reduzir o rigor científico do IPCC – até porque os governos do mundo inteiro também participam do painel e são corresponsáveis por eventuais falhas.
Numa outra frente, a cientista diz querer reduzir o cinza – nas reuniões do painel. Ela está trabalhando para encaminhar já no ano que vem nomeações de cientistas mais jovens para trabalhar como autores do AR6. Krug se diz preocupada com a renovação dos quadros do painel do clima, que tem pesquisadores sêniores que já estão lá há muito tempo e precisam gradualmente desapegar. “E eu falo isso também de mim”, diz, entre risos.
Uma das pesquisadoras consultadas pelo governo na elaboração da INDC, o plano climático que o Brasil levará à conferência do clima de Paris, em menos de um mês, Krug disse ter ouvido elogios à ambição da meta brasileira no exterior. No entanto, mostrou-se surpresa com o fato de as medidas anunciadas pelo governo para cumprir a INDC terem limitado a promessa de desmatamento ilegal zero à Amazônia.
Eis a entrevista.
O que muda no IPCC com a nova composição da liderança, com duas mulheres e um monte de gente de países em desenvolvimento?
A única coisa que muda imediatamente é a composição do birô. Mas eu também vi com muito bons olhos a questão de você ter duas co-presidentes nos grupos de trabalho. A Valérie [Masson-Delmotte], que é a co-presidente do grupo de trabalho 1, e a Debra [Roberts], que é da África do Sul, no grupo 2.
O que muda com isso? Talvez o estilo, a forma como as discussões acontecem. Sempre achei os homens mais competitivos entre si. E acho as mulheres mais conciliadoras. Talvez aquela integração entre os grupos de trabalho que vem sido buscada há tantos anos, eu tenho esperança de que isso possa acontecer debaixo de uma liderança feminina, que tem menos preconceito. Elas são mais abertas, botam mais a cara para bater.
Deixe-me fazer aquela pergunta do Tiririca: o que faz um vice-presidente do IPCC?
Os vice-presidentes tradicionalmente apoiam o presidente nas sua deliberações, são como um conselho. Mas eu vejo muito essa questão de dividir a tarefa de disseminar o IPCC. Eu pretendo mudar um pouco isso. Espero que, na vice-presidência, a gente possa estimular jovens cientistas, mentes brilhantes, a participar do IPCC. Isso é algo que está sempre no verbal, mas que ninguém inicia de uma forma concreta.
O IPCC tenta primar pela excelência científica. Para isso, a seleção é muito baseada no currículo, em quantas publicações aquele pesquisador tem em peer-reviewed literature [literatura científica de alto nível]. Eu acho complicadíssimo. Eu lutei muito lá atrás para que a gente entendesse que os países em desenvolvimento não têm a mesma capacidade de produção e o mesmo tempo que os pesquisadores de países desenvolvidos têm para ter seus artigos publicados. Se para eles demora um ano, para nós demora quatro. A razão tem sido mais ou menos essa. Então, isso é muito complicado.
Mas como mudar isso mantendo critérios fortes?
Por exemplo: eu estou iniciando uma discussão interna para a gente iniciar um caça-talentos. É a gente começar a formar um banco de dados, que não vai substituir as grandes cabeças que têm tradicionalmente participado do IPCC. Só que, muitas vezes, os próprios pesquisadores têm alunos fortes por trás deles, de doutorado ou recém-doutores. Nem que seja para começar tendo alguns desses tradicionais participantes dos relatórios do IPCC, você pega um pessoal desses e pede para eles terem com eles um talento novo. Se a gente conseguir colocar poucos que tiverem o apoio dos antigos, isso já faria com que os antigos pudessem gradualmente…
…desapegar.
É, desapegar (risos). E eu falo isso também de mim.
Voltando a esses novos talentos: como isso se daria na prática? Essas novas pessoas seriam indicação dos sêniores?
A seleção dos autores é feita pelos co-presidentes dos grupos de trabalho, juntamente com seus vice-presidentes. Eles vão tentando encaixar o perfil das nomeações que já foram feitas pelos governos dentro do conteúdo temático pré-aprovado. Isso vai para o birô [o presidente do IPCC e os três vices]. É aqui que eu vejo a oportunidade de tentar encaixar os novos talentos. Dois ou três, não importa. O que importa é que essas pessoas abracem a visão e os princípios do IPCC e possam depois dar continuidade.
Para te dar um exemplo: no AR5 [Quinto Relatório de Avaliação], quando os co-presidentes apresentaram a lista de autores principais, eu chiei muito. Falei que estava muito desequilibrado. E a explicação era sempre a mesma: “Os países em desenvolvimento não têm a capacidade instalada de trabalhar com modelos climáticos globais e regionais. A gente não pode simplesmente colocar essas pessoas só para fazer número e equilíbrio geográfico”. Mas, de qualquer forma, o [então presidente do IPCC, Rajendra] Pachauri na ocasião pediu que se fizesse uma busca novamente. E apareceu uma lista de nove nomes de mulher. E depois algumas dessas pessoas entraram, duas do Inpe, sem eu saber, e uma delas eu acompanhei depois, que é a dra. [Sin] Chou, do CPTEC [especialista em modelos regionais de clima], que teve sua primeira experiência no IPCC. Estou querendo trazer uma excelência mais jovem.
A proposta é que essas pessoas sejam identificadas no país e seus nomes sejam enviados ao birô.
A proposta é que tenhamos um banco de dados para a época em que o secretariado do IPCC for solicitar nomeações aos países, o que deve acontecer lá por junho ou julho do ano que vem. É nessa fase, daqui até julho, que eu quero montar um banco interessante a partir do contato primeiro com o pessoal que já é mais antigo, que já tem uma tradição debaixo do IPCC.
O Lee Hoesung deu uma entrevista antes de ser eleito na qual ele falava que queria aumentar a participação de literatura de países em desenvolvimento nas avaliações do IPCC. Como se faz isso?
Essa é outra briga. Tem existido tradicionalmente uma resistência a que você inclua literatura que não seja peer-reviewed, ou seja, literatura cientificamente qualificada. Havia grupos no AR5 nos quais não bastava nem ser peer-reviewed: tinha de ser peer-reviewed em periódicos que eram entendidos como os melhores. E aí a coisa para os países em desenvolvimento fica crítica.
Lá no AR5 a gente já tinha discutido o que foi chamado de grey literature [literatura cinza]. Levei cacetada por falar que o IPCC deve levar em conta a grey literature. E o que seria grey literature? Literatura que passa por um crivo, mas que não está necessariamente publicada em periódicos de alta qualificação. Pode nem estar em periódico algum. Pode ser coisas internas do país, como relatórios de governo, enfim, você tem diferentes maneiras de fazer isso.
Essas coisas podem não estar publicadas, mas em algumas delas você tem elementos que podem ser importantes. A prática das comunidades locais. As pessoas falam isso da boca para fora, ninguém consegue realmente registrar isso de uma maneira concreta debaixo do trabalho do IPCC. Existe dentro do IPCC a abertura para reconhecer que os países em desenvolvimento têm dificuldades e buscar resolver isso, não abdicando de critérios objetivos também rigorosos, mas que de certa forma também venham a permitir uma maior inserção da literatura dos países em desenvolvimento nos relatórios do IPCC.
Essa questão da literatura cinza veio forte no AR4, mas depois do chamado escândalo do Climagate as pessoas botaram o pé no freio com ela no AR5. Há um limite entre a boa literatura cinza e a má literatura cinza, e controlar isso deve ser complicado.
Eu sempre falo que os governos são cúmplices (riso irônico). O maior ponto positivo que eu vejo no IPCC é ele ser um processo consultivo junto aos governos. Justamente por causa da cumplicidade. Os países têm todo o direito – claro, não necessariamente o que eles dizem vai ser incorporado. Mas eles têm, por exemplo, a possibilidade de dizer, “olha, essa literatura cinza aqui não presta, vocês pegaram um exemplo ruim”. E, claro, quando isso for para a mesa dos coordenadores para avaliar essa reação dos governos, eles vão ter que parar para examinar direito.
Não existe a possibilidade de um governo dizer que ele quer que seja de uma certa forma. Ele não vai conseguir. Mas ele pode dizer que a visão está parcial e que ele vai indicar literatura que leve a um outro entendimento, mais balanceado.
Isso aconteceu com temas caros ao Brasil?
Com bioenergia, de maneira bastante forte. Mas outro tema é o reflorestamento, a questão de nativas e exóticas. A cada citação de literatura eu pego e vou ver onde está a declaração que está no relatório. Quando eu vou olhar a referência, vejo que tem uma vírgula e um imenso “mas”. Mas o “mas” não entra! Então o revisor tem essa função de evitar algumas tendências que são preocupantes. Tipo: bioenergia é sempre ruim. Não é ruim, depende da forma como você for fazer. Há pontos que é importante que o governo acompanhe. Não é para guiar, é para dizer: “a sua visão está parcial”.
A sra. acha que essa ingerência dos governos, mesmo que limitada, ajuda a tornar o IPCC um pouco conservador demais?
Eu não diria isso, porque a função do IPCC é fazer uma avaliação da literatura que existe. E os modelos que são feitos pelo IPCC não são nem rodados pelo próprio. Então não vejo o IPCC muito conservador, vejo o IPCC fazendo uma análise dos fatos, ele expressa aquilo que os modelos estão apontando.
Aí você tem a dificuldade de não ter um grande número de países em desenvolvimento participando. O Brasil por sorte participa porque tem uma equipe técnica boa e também tem supercomputador, então ele pode fazer as simulações também, participar, aprimorar modelos regionais. Entre os países em desenvolvimento, o Brasil está lá na frente, por causa de uma infraestrutura que permite isso, particularmente os supercomputadores. Que países como os da África não têm. Até porque você compra um e já fica obsoleto, já tem que começar a fazer a compra do próximo. Espero que o Brasil não perca essa capacidade que tem instalada hoje.
Corre esse risco?
Corre, né? Porque supercomputador é caro para caramba. Então a gente tem de ter a visão de que, dentre as coisas que a gente vai ter de cortar, que não corte nossa excelência. O supercomputador é quem dá toda a capacidade de termos esse refinamento dos riscos e dos impactos regionais. Não podemos prescindir disso. No orçamento ele está, mas, na situação em que estamos, a gente fica um pouco preocupado quanto à questão da priorização.
Mas não houve indicação ainda de que isso estará nos cortes, certo?
Não, não houve. E espero que não haja, porque isso seria uma perda muito significativa para o país. Há coisas que não dá para a gente cortar. Não dá para perder algo que levamos tanto tempo para conquistar.
A crise bateu?
Bateu, bastante feia. Você tem de ir buscar recurso, o que não é ruim: é um modelo americano, no qual o pesquisador vai atrás do dinheiro para o seu projeto. Isso faz os grupos começarem a competir, e eu acho isso positivo. Isso leva um tempo. Os momentos de crise trazem também oportunidades. Por outro lado, essas oportunidades não se realizam do dia para a noite. É por isso que eu falo que nós não podemos prescindir, no Inpe, de um supercomputador. E um supercomputador não é projeto nenhum que vai comprar.
E já estão pensando no substituto do atual?
Já, porque o período de vida dele… os modelos vão ficando cada vez mais demandantes.
Está orçado?
Sim, já está dentro do planejamento de 2016/17, por isso não podemos ter corte. Mas há outras limitações: viagens, o uso de transporte no Inpe, energia. Neste calorão o pessoal tem limitações de ligar o ar-condicionado. Você já está com vários impactos que deixam o pessoal preocupado.
Como deve ser a cara do AR6, o próximo relatório do IPCC? Quando saiu o AR5 aventou-se que a fase dos grandes relatórios do IPCC tinha acabado, que o IPCC faria um trabalho mais pontual. O novo presidente está dizendo que precisa focar mais nas soluções.
Eu não vejo grandes modificações. A ciência continua. O grupo de trabalho 1 produz a informação que será utilizada pelos grupos 2 e 3. Quando ele fala em buscar soluções, também está falando da continuidade da pesquisa, de ter o grupo 1 basicamente focado nos modelos, nas projeções, e não tem como fugir disso. Mas vejo que talvez o foco do grupo 2, na parte de adaptação, e do grupo 3, na de mitigação, talvez já esteja indo mais nessa visão de ser mais objetivo sobre soluções, mais concreto. Não sei como eles vão fazer isso, porque não podem ser prescritivos, mas continua naquele discurso mais global, de “dá para fazer”, e apontar o que poderia ser feito. Essa informação é importantíssima, porque ela alimenta as negociações.
Vários cientistas hoje começam a se manifestar sobre o orçamento global de carbono, dizendo que não será possível manter a meta dos 2oC.
Não sei se é essa a visão que eu tenho compartilhado com outros grupos que não sejam só do IPCC. Você vê que o orçamento de carbono [limitar as emissões futuras a 1 trilhão de toneladas para ter uma chance razoável de permanecer no limite de 2oC] está complicado, mas é ainda atingível. Vai exigir um esforço enorme, porque você está falando em 2100 em zerar suas emissões e estar até com emissões negativas.
O que eu acredito que esteja acontecendo é uma especulação sobre a capacidade de implementação das soluções que o IPCC indicou no AR5, como a captura e o armazenamento de carbono.
É meio inevitável que o IPCC vá ter que se debruçar também sobre geoengenharia, não?
É inevitável. Até 2018 você vai ter uma boa quantidade de literatura nova que talvez traga uma luz maior em cima das novas tecnologias que estão surgindo, inclusive geoengenharia. Ele não vai abandonar a ideia de perseguir uma avaliação das geoengenharias. Eu só não sei se ele será mais otimista em relação ao uso delas.
Nunca houve um relatório especial do IPCC sobre geoengenharia?
Já tentaram, viu? Alguns países não aceitaram, porque não viram muito valor agregado ainda. E isso ficou caracterizado no próprio AR5, você já contou com o pouco valor que se colocou em cima da geoengenharia como grande fonte de mitigação. Talvez isso esteja ainda num plano um pouco esotérico. Estão priorizando outros relatórios especiais, como oceanos, a questão de agricultura, como temas transversais.
E o que a sra. achou da INDC do Brasil?
Ah, eu gostei, né? (risos) E não fui só eu. Eu tenho ouvido muitos elogios fora do Brasil. Acho que o impacto fora foi muito positivo. Quando eu estava em Dubrovnic [cidade da Croácia onde ocorreu a eleição do IPCC, em outubro] eu ouvi de muitos países que o Brasil foi muito ousado, proativo.
Mas não foi, assim, uma transformação econômica, certo?
Não, ela não é. Mas, por outro lado, a transformação que você vê… ela está falando na capacidade de zerar o desmatamento ilegal. Isso já é ousadíssimo, mas eu acho atingível. Mas o que eu não acho atingível é o desmatamento zero. Eu teria dúvida sobre a capacidade [de fazer isso], até por causa da implementação do Código Florestal.
O seu problema então é com governança.
Sim, é com governança. O ilegal deveria ser coibido de qualquer forma. Já não deveria nem existir. Por outro lado, eu preciso ser coerente comigo mesma: se o ilegal não deveria existir porque é ilegal, o legal, se existe, é um direito. Certo? A lei está aí.
Mas é um direito do qual os produtores podem ser convencidos a abdicar por razões econômicas.
Aí sim. Abdicar por quanto tempo e a que custo? E quem paga? Eu entro nesse mérito, e eu concordo com você: se nós tivéssemos a capacidade de assegurar uma continuidade. Meu temor é alimentar um processo no qual você coíbe o desmatamento pagando, dando algum tipo de incentivo. E a hora que esse incentivo porventura não acontecer mais? Todo o esforço que você fez só prorrogou o problema. E eu não sei quanto tempo, até terminar a sua capacidade de manter um pagamento pela floresta em pé.
Ou até a lógica econômica do setor agropecuário não precisar mais disso.
Também. Você tem que acreditar que essas coisas podem acontecer. Mas dizer que você vai zerar porque você tem certeza de que consegue seria prematuro. Eu prefiro ser conservadora quando estou levando alguma coisa em nível multilateral, porque é péssimo ali na frente você ser cobrado por alguma coisa que você disse que ia fazer e não conseguiu.
Mas o Brasil não disse nem isso: a presidente Dilma prometeu com o presidente Obama que zeraria o desmatamento ilegal em todo o país até 2030, mas na INDC ficou a meta só para a Amazônia.
As conversas que eu tive e ouvi eram sobre ilegal zero no país todo. Acho que talvez essa questão não esteja clara o suficiente. Não sei se colocaram na INDC só Amazônia.
Sim, eles limitaram à Amazônia.
Então, eu imaginava que… se você for olhar para os outros biomas, à exceção do cerrado, para o qual nós estamos tendo um olhar mais fino agora… eu espero que, se a gente conseguir o que prometeu, já é um desafio grande considerando o país e as dificuldades que a gente tem. Eu considero interessante a proposta de reflorestamento de larga escala, principalmente considerando que pode ter 50% de reflorestamento com nativas e reflorestamento comercial. Nós somos um país que tem capacidade de ter muito mais reflorestamento comercial do que tem.
A Convenção do Clima das Nações Unidas tem pedido aos países que revisem suas metodologias de cálculo de emissões de uso da terra. O Brasil tem reportado, como fez na INDC, as chamadas “emissões líquidas”, que descontam as florestas protegidas em terras indígenas e unidades de conservação como se elas estivessem retirando carbono do ar. Isso faz com que nossas emissões pareçam menores do que são. A sra. defende a manutenção desse critério?
Pela metodologia do IPCC para inventários nacionais, as emissões e remoções de gases de efeito estufa em terras manejadas devem ser informadas. No caso do Brasil, o segundo inventário definiu terras manejadas em função da definição ampla do IPCC, e estas incluem as áreas estabelecidas por ato legal, ou seja, unidades de conservação e terras indígenas. Mais da metade da floresta amazônica ainda está em terras ditas não manejadas, e que não entram, portanto, no inventário, grosso modo. Ou seja, a INDC do Brasil que entra com as emissões liquidas é consistente com as emissões informadas para a Convenção desde o seu segundo inventário. O Brasil, entretanto, fornece tanto a redução das emissões líquidas quanto brutas, ou seja, fornece estimativas de forma transparente.
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